segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

40 ANOS DE DETALHES...

Em 1971 Roberto Carlos lançava o seu disco anual e que trazia, a canção que o consagraria para sempre como Rei da música popular brasileira: Detalhes.


Por Bruno Negromonte



São passados 40 anos desde o lançamento do álbum que marcaria em definitivo a carreira do cantor e compositor Roberto Carlos. O artista percebeu que havia a necessidade de uma mudança nos rumos de sua carreira e esse disco veio afirmar esse desejo de maneira concreta. O álbum contava com uma canção que entraria no hall das grandes músicas do cancioneiro brasileiro. A canção era Detalhes, e veio como marco definitivo da consolidação de Roberto Carlos como o maior cantor romântico do país. A história desta canção é contada na biografia não autorizada "Roberto Carlos em Detalhes" do jornalista baiano Paulo César de Araújo como vocês podem acompanhar a partir do texto abaixo:

"A composição, que se tornaria um dos clássicos da música popular brasileira, tem sua história. Era uma noite de março de 1971 e o cantor estava em sua casa, no Morumbi, em São Paulo. De repente, teve a inspiração, pegou o violão e fez um primeiro verso para uma melodia. Insistiu um pouco mais e fez um segundo. Tentou fazer o terceiro verso e não conseguiu. Mais tarde, registrou o que tinha feito num gravador e foi dormir certo de que estava criando uma boa canção. Mas no dia seguinte ele se surpreendeu ao ouvir a fita, pois considerou aqueles versos muito ruins. Na hora, Roberto Carlos pensou: "Caramba, isso aqui não tá com nada. Será que eu bebi ontem?". O cantor passou então a refazer tudo naquela nova composição. E recriou os primeiros versos, agora em definitivo: "Não adianta nem tentar me esquecer/ durante muito tempo em sua vida eu vou viver...".

Mais tarde ligou para Erasmo, que já estava morando novamente no Rio. "Meu irmão, vem pra cá que pintou uma música que acho que a gente não pode deixar pra depois." Há canções que Roberto Carlos sente que não pode deixar para depois nem compor com o parceiro pelo telefone. Erasmo sabe disso e atendeu imediatamente o chamado do amigo. Era uma tarde de muita chuva em São Paulo, mas os dois trabalharam animadamente, verso a verso, nota a nota. Roberto Carlos sentado na sua cadeira favorita e Erasmo no chão, anotando numa folha os versos que faziam. Quando terminaram a nova canção, Roberto Carlos foi correndo mostrar para Nice, que adorou.

Os autores estavam também certos de terem composto uma grande canção, mas um pequeno detalhe incomodava Roberto Carlos: a palavra "ronco", daquela frase "o ronco barulhento do seu carro" - uma referência a um automóvel com escapa-mento, coisa muito comum na época. Roberto Carlos estava realmente em dúvida se devia deixar aquela palavra ou não. Erasmo Carlos defendeu que não havia problema nenhum, mas o outro continuou grilado, achando que aquilo podia destoar do restante da canção.

Roberto Carlos usou então aquela estratégia muito comum no seu processo de composição: sem emitir qualquer comentário, mostrou a nova canção para algumas pessoas próximas dele, tendo o cuidado de olhar a expressão de cada um para ver se torciam o nariz no momento da frase "o ronco barulhento do seu carro". Além disso, cantou Detalhes novamente para Nice, que continuou achando tudo lindo e maravilhoso, não fazendo qualquer restrição à letra. Depois mostrou para a empregada Zezé, que também não se incomodou com aquele ronco. Dias depois foi a vez de o secretário Sérgio Milico e o tecladista Wanderley ouvirem Detalhes, e ambos acharam a canção perfeita.

Faltava, porém, o teste definitivo, com o produtor Evandro Ribeiro, o único que agora podia tirar o ronco da letra de Detalhes. Mas ele ouviu a canção atentamente, mais de uma vez, e também disse que estava tudo ótimo, aconselhando o cantor a não mexer em nada. "Lutei muito para trocar essa palavra, mas todos a ouviam com naturalidade e acabou ficando", conforma-se Roberto Carlos.

O resultado final agradou tanto a Roberto Carlos que desde a época do lançamento Detalhes é citada pelo cantor como a sua canção preferida. "Nessa composição, consegui dizer tudo o que queria e da forma que queria dizer. as vezes a gente não consegue chegar a esse ponto numa música. A gente quer dizer uma porção de coisas sobre determinado tema, mas o máximo que consegue é chegar perto. Já em Detalhes eu realmente disse tudo o que queria daquele tema, da forma que queria e com os detalhes que eu queria citar na música. Eu e Erasmo fomos realmente muito felizes."

Um crédito deve ser dado também ao maestro norte-americano Jimmy Wisner, que criou um delicado arranjo para Detalhes, onde se sobressai aquela marcante introdução - luxo que a música popular dos últimos anos parece ter perdido. Já não se fazem mais introduções musicais como antigamente: aqueles primeiros acordes, independentes da linha melódica, que fazem o público identificar a canção antes mesmo de o intérprete começar a cantar. A introdução de Detalhes é um exemplo clássico disso, assim como a introdução de Corcovado, de Tom Jobim, ou a de Michelle, dos Beatles. As canções de Roberto Carlos são pródigas em introduções marcantes, e além da que existe em Detalhes podem ser citadas as de Amigo, Emoções e Café da manhã.

Roberto e Erasmo fizeram uma canção de dor-de-cotovelo moderna, na qual o amante não destila vingança nem ódio, mas uma mensagem sarcástica e provocativa, lembrando que num grande amor pequenos detalhes se agigantam com o tempo. Segundo a escritora Edinha Diniz,
Detalhes se insere no contexto da pop art. "É uma canção feita de retalhos, de fragmentos do cotidiano, e pop art se caracteriza, entre outras coisas, por se apropriar de materiais da indústria, de resíduos. Quando ouvi aquele verso falando da Velha calça desbotada", isso me chamou a atenção porque de alguma forma a canção de Roberto Carlos se ligava à cultura da pop art naquele momento."

Em sua biografia sobre Tarso de Castro, o jornalista Tom Cardoso afirma que a musa de Roberto Carlos em Detalhes seria a socialite carioca Silvia Amélia, e que o tal "cabeludo" citado na letra seria o próprio Tarso, que era gamado por ela e insistia em cruzar o caminho dos dois. Roberto Carlos nega essa versão. "Tarso era muito brincalhão e provavelmente esta piada dele foi levada a sério. Não sei que história é essa." De fato, Silvia Amélia não foi a inspiradora de Detalhes e muito menos Tarso de Castro é o cabeludo citado na letra, mas Tom Cardoso não brinca ao afirmar que Roberto Carlos e Silvia Amélia andaram mesmo se encontrando na alcova
do rei.

Neta do lendário médico e sanitarista Carlos Chagas, Sílvia Amélia Chagas era uma loira linda e deslumbrante, que muito apropriadamente recebeu do colunista Ibrahim Sued o epíteto de A Pantera. Depois de um breve casamento com o empresário Paulo Fernando Marcondes Ferraz, a garota caiu na gandaia de Ipanema, namorando artistas e jornalistas como Tarso de Castro, que a cortejava publicamente desde o tempo de casada. "Ontem vi Silvia Amélia a 100 metros de distância", escreveu Tarso de Castro na sua coluna no Última Hora. Se no dia seguinte novamente cruzasse com a "pantera", voltava a escrever sem a menor cerimónia: "Ontem vi Silvia Amélia a 80 metros de distância". E assim Tarso foi se aproximando dela até conseguir um tête-à-tête amoroso.

Quando chegou a vez de Roberto Carlos ver Silvia Amélia a uma curta distância, ele também não resistiu aos encantos da moça. Os dois foram formalmente apresentados por Ricardo Amaral numa noite de 1970, na boate Sucata, no Rio, e logo estariam se encontrando secretamente numa suíte do Copacabana Palace. É até possível que Roberto Carlos tenha cantado a inédita Detalhes ao pé da cama para Silvia Amélia ouvir, mas daí a ela ser a musa da canção vai uma grande distância. A composição de Roberto e Erasmo relata uma grande história de amor, que foi vivida intensamente, deixou marcas e detalhes que nem mesmo o tempo conseguirá apagar. Ou seja, nada tão fortuito como o encontro de Roberto Carlos com a pantera de Ipanema. Mas se Sílvia não foi a inspiradora da canção, quem seria?

Talvez ninguém. Ou talvez ele a tenha composto para uma lembrança, Magda Fonseca, a ex namorada para quem já havia feito canções como Quero que vá tudo pro inferno e A volta. Quando Roberto Carlos compôs Detalhes, no início de 1971, ele estava casado com Nice e Magda Fonseca era até então o seu único grande ex-amor, alguém a quem ele poderia realmente dizer: "Se um outro cabeludo aparecer na sua rua/ e isto lhe trouxer saudades minhas/ a culpa é sua...".

Era consenso entre as pessoas próximas de Magda que se ela não tivesse viajado para os Estados Unidos em 1965, e demorado um ano por lá, ela e Roberto Carlos teriam namorado muito mais tempo e talvez até se casado. O cantor parecia gostar muito de Magda e as canções que ele fez para ela são provas eloquentes disto. Mas a ausência da namorada durante um ano, num momento de reviravolta na carreira e da vida do artista, foi fatal, provocando o afastamento dos dois.

No final de 1971, Magda Fonseca estava recém-casada e morando com o marido na Alemanha quando alguns amigos escreveram do Brasil comentando que uma nova canção de Roberto Carlos parecia endereçada a ela. Embora reconheça que alguns dos detalhes relatados na música, como a velha calça desbotada e o ronco barulhento de seu carro, fizessem realmente parte do cotidiano dos dois, Magda não se assume musa deste hoje clássico da nossa música popular. "Não posso dizer que Roberto fez Detalhes para mim porque ele nunca me disse isso. Pessoas próximas da gente é que comentavam essa possibilidade na época." Uma dessas pessoas foi a cantora Emilinha Borba, que atuava na mesma gravadora de Roberto Carlos e acompanhou o namoro dele com Magda. Pois Emilinha disse que na época Roberto Carlos havia lhe confidenciado que Detalhes foi uma canção composta para a ex-namorada. E se isto é um fato, terá sido Magda Fonseca uma musa muito pé-quente, pois inspirou as duas mais importantes canções da carreira de Roberto Carlos: Quero que vá tudo pro inferno, da fase jovem guarda, e Detalhes, da fase romântica do cantor."


Faixas do álbum:
01 - Detalhes
02 - Como Dois E Dois
03 - A Namorada
04 - Você Não Sabe O Que Vai Perder
05 - Traumas
06 - Eu Só Tenho Um Caminho
07 - Todos Estão Surdos
08 - Debaixo Dos Caracóis Dos Seus Cabelos
09 - Se Eu Partir
10 - I Love You
11 - De Tanto Amor
12 - Amada, Amante


Fonte:
ARAÚJO, Paulo César de. Roberto Carlos em Detalhes. São Paulo. Editora Planeta, 2006.

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