Com o lançamento do primeiro CD da série de cinco reunindo 104 gravações de Ataulfo Alves para selos hoje sob a guarda da Universal Music (Sinter, Polydor, PolyGram, Phonogram etc.), está bem representada a última fase da carreira de um dos maiores compositores de samba. A fase, iniciada em 1955 com suas primeiras gravações para a Sinter e só encerrada com sua morte, em 1969, foi também a de maior sucesso em rádio, TV, shows, excursões, discos.
A série, cujo segundo volume está prometido para dezembro e os três seguintes para o primeiro semestre de 2012, é o último trabalho do produtor musical Leon Barg (1930-2010) para seu selo Revivendo. Diferente de projeto anterior do mesmo Barg — três CDs em que as principais composições de Ataulfo são interpretadas por vários artistas, ele inclusive —, os cinco de agora têm o próprio compositor cantando, além de obras suas, sambas de Ary Barroso, Noel Rosa, Ciro Monteiro, Vinicius de Moraes. Boa oportunidade para se constatar o quanto também era grande o Ataulfo Alves cantor.
Quando ele assinou contrato com a Sinter, a gravadora chegava ao seu décimo ano de existência sem conseguir se aproximar de Odeon, RCA Victor e Continental na luta pelo mercado de música popular brasileira. Mesmo com alguns de seus esforços — a aquisição temporária de cartazes como Sílvio Caldas e Dick Farney, além do pioneirismo de gravar e lançar em 1951 o primeiro LP produzido no Brasil —, a parada de sucessos ainda era uma meta distante. Até que chegaram Ataulfo Alves e seu samba “Pois é” para mudar a história — dele, da Sinter e da música popular da época.
‘Nomes do passado’
A ida de Ataulfo para a Sinter não foi um fato isolado. Naqueles anos pré-bossa, em que Lúcio Rangel e outros estudiosos lideravam movimento pela revalorização da música brasileira mais tradicional, a gravadora investia em artistas já considerados “nomes do passado”, mas ainda em grande forma. Pixinguinha e sua Velha Guarda, Lamartine Babo e seus sucessos, Almirante, Ismael Silva, Paulo Tapajós cantando Catulo, J. Cascata & Leonel Azevedo na voz de Carlos Augusto, Assis Valente na de Marlene, nomes por mais de uma década afastados do disco, ganhavam caprichados LPs de 10 polegadas, a maioria com capas desenhadas por Lan. O de Ataulfo e suas Pastoras, com foto em vez de caricatura, saiu pouco após o 78 rotações de estreia, Pois é de um lado, Pai Joaquim d’Angola do outro.
Realmente mudou a história. A Sinter chegou às paradas (Pois é foi o recordista do ano), os nomes do passado ganharam atualidade, o samba tradicional mais uma vez renasceu e Ataulfo, depois de período não muito feliz em outras gravadoras, principalmente a Star (futura Copacabana), partiu para seu melhor momento profissional, primeiro com as Pastoras e depois sozinho ou com outros acompanhantes.
Barg deixou o repertório dos cinco CDs selecionado e reprocessado digitalmente, mas não autorizado. Quando a licença da Universal foi dada, ele já tinha morrido. Com a demora, perdeu-se a ocasião para se lançar a série em 2009, ano do centenário de nascimento de Ataulfo.
No primeiro disco, estão 20 faixas: Cabe na palma da mão, Quando o samba acabou, O requebrado da mulata, Mirai, Favela, Saudade da saudade, Nem que chova canivete, Caminhando, O homem e o cão, Gente bem também samba, Bom crioulo, Pago pra ver, Vestido de noiva, Não posso acreditar, Me queira agora, Mentira do povo, Você passa eu acho graça, Vai, Madalena, Deixa o toró desabar e Você não é como as flores.
É pena que neste e nos próximos quatro CDs as músicas estejam dispostas, não cronologicamente, mas por critério que tem a marca de Leon: dividir seus discos entre os maiores sucesso do artista e faixas que eventualmente não tenham acontecido. Pena maior é ver que Pois é estará no segundo volume, não em sua versão original, a emblemática de 1955, a que mudou a história, mas num daqueles pot-pourris que Ataulfo Alves volta e meia se permitia.
Da Agência O Globo
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