terça-feira, 6 de dezembro de 2011

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Chico Buarque De Hollanda Volume 01 (1966)
Por Humberto Werneck, Guilherme Jabur e Adélia Bezerra de Meneses


2011 além de ser o ano em que Chico lança mais um álbum de canções inéditas (depois de 05 anos), é também o ano em que se é comemorado os 45 anos de carreia fonográfica do maior compositor vivo do Brasil. O Musicaria Brasil não poderia deixar passar em branco a passagem pelos 45 anos do lançamento do primeiro LP da carreira do artista. Chico então com 22 anos, lança este disco que traz uma das canções mais obteve êxito em sua carreira: A banda. Nesse primeiro álbum e primeira fase da carreira já é perceptível o seu grande talento como compositor, melodista e cronista; além de ser um Chico de um lirismo cândido, coisa que depois do álbum "Construção" foi deixado meio de lado.

Na época do álbum, em regime de urgência, a gravadora RGE pôs seu estúdio, no segundo andar de um prédio na rua Paula Souza, no centro de São Paulo, para funcionar aos sábados e domingos.

Chico tinha tantas músicas prontas que pelo menos duas, Cristina e Morena dos olhos d´água tiveram que ficar para o segundo. De algumas canções desses dois primeiros álbuns - A televisão, por exemplo - ele se sente muito distante. Outras como Pedro Pedreiro e Olê olá, lhe parecem merecedoras de certa indulgência, por conta da juventude. E há uma, A Rita, que Chico ainda canta com prazer"

Abaixo seguem dois excelentes vídeos onde vocês além de ouvirem um pouco do LP também ouvirão alguns comentários acerca do LP:

Parte 01:


Parte 02:


01 - A Banda (Chico Buarque) (1966) (2:12)
"Há quem jure que a idéia lhe veio ao assistir à troca de guarda da rainha em frente ao Palácio de Buckingham, em Londres, durante a viagem com Morte e vida severina. Sem excluir essa hipótese, o que ele se lembra é de uma noite no Sandchurra, um bar que havia na Galeria Metrópole, no Centro de São Paulo, em que ouviu Gilberto Gil cantar o Rancho da rosa encarnada, e pensou: "Tenho que fazer uma música pra ganhar dessa aí no festival."

A Banda (interpretada por Chico Buarque e Nara Leão) dividiu o 1º lugar com Disparada de Geraldo Vandré e Théo de Barros, defendida por Jair Rodrigues, Trio Maraiá e Trio Novo, no II Festival de Música Popular Brasileira (TV Record, com final em 10 de outubro de 1966).

"O produtor Zuza Homem de Mello que tudo presenciou, é taxativo: "Uma das músicas ganhou da outra, não houve empate." O nome da vencedora ele não revela, fiel a um compromisso assumido naquela noite com diretor da Record, Paulo Machado de Carvalho Filho - mas não é difícil imaginar qual seja. Zuza recebeu deles a papeleta com os nomes dos jurados e a instrução de guardá-las em local seguro. "Não deixe ninguém ver" recomendou o dono da emissora. Assim se fez. As papeletas foram depositadas num cofre em casa de Zuza, que só muito anos depois as devolveu a Paulo Machado de Carvalho Filho."

Segundo o escritor Roberto Freire, membro do Júri: "Ele não queria, de jeito nenhum, ser o único vencedor."

Dividido o prêmio, cada música ficou com aproximadamente 6.800 dólares. Pouco tempo depois um compacto de Nara Leão com A banda chegou a vender cem mil cópias em menos de uma semana, feito considerável para a época.

(...)Maquiavélica, a ditadura utilizou A banda numa campanha do Alistamento militar - e, diante do protesto formal de Chico, jogou a responsabilidade sobre a agência de propaganda que fizera o anúncio. (Nota do editor: após o protesto a música foi retirada da propaganda.)

Não tardou para que a banda chegasse aos quatro cantos do mundo, não raro em versões absurdas. A alemã por exemplo, assinada por Weyriche Conta, resultou nesse amontoado de sandice:

E certamente este ano
já se pode prever
o mundo da moda trará
o que agrada Rosita
quando no México, à noite
ao carnaval se vai [...]
Uma moda como a banda
ainda não houve
Os cocos se transformam em roupagens
e a brincadeira continua
A banda está aí



02 - Tem Mais Samba (Chico Buarque) (1964) (1:44)
O personagem principal, Chico Buarque de Hollanda, já não se lembra da história. Mas o publicitário Luiz Vergueiro, que dela participou, conservou-a em detalhes na memória. Ele era o produtor de um musical, Balanço de Orfeu, e a estréia, no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo, estava marcada para o dia 7 de dezembro de 1964. Dois dias antes, impaciente, Luiz esperava pela música que havia encomendado a seu amigo Chico e da qual, em boa medida, dependeria o sucesso da noitada. A primeira parte do show, Na onda do balanço, seria como um diálogo entre a Bossa Nova e a nascente Jovem Guarda, na qual muitos viam inquietante ameaça à música brasileira. De um lado, o jovem cantor Taiguara, de outro, uma cantora que acabaria não seguindo carreira, Claudia Gennari. Ele "engajado", ela "alienada", conforme o imperioso jargão da época. No final, previsivelmente, triunfaria a Bossa Nova - e, para que não pairasse dúvida, a moral da história seria resumida numa canção, a tal encomendada a Chico, a ser cantada por todos os participantes do espetáculo.

Pelas sete da noite daquela quarta-feira, aparece o compositor. Um desastre, constatou Luiz Vergueiro: a música (que se perdeu ali mesmo, para sempre) não era ruim, mas não servia - não passava a mensagem pretendida. Isso foi dito a Chico, que saiu furioso. No dia seguinte, véspera da estréia, às dez da manhã, o produtor o vê chegar outra vez, "com os olhos vermelhos pela noite em claro e um tremendo bafo de cana'' - e uma canção ainda quentinha no violão. Era Tem mais samba, que muitos anos mais tarde Chico escolheria para ser o marco zero de sua obra, e que poderia ser tomada, também, como ilustração de uma das constantes em seu trabalho: a criação por encomenda (aquela foi a primeira), contra o relógio mas nunca em prejuízo da beleza e do prazer de criar.


03 - A Rita (1965) (Chico Buarque) (2:03)
"De algumas canções desses dois primeiros álbuns - A televisão, por exemplo -, ele se sente muito distante. Outras como Pedro pedreiro e Olê olá, lhe parecem merecedoras de 'certa indulgência, por conta da juventude'. E há uma, A Rita, que Chico ainda canta com prazer."


04 - Ela E Sua Janela (Chico Buarque) (1966) (2:11)

05 - Madalena Foi Pro Mar (Chico Buarque) (1965) (1:43)

06 - Pedro Pedreiro (Chico Buarque) (1965) (2:38)
Chico já não era apenas "o irmão da Miúcha" quando, no começo de 1965, o escritor e psicanalista Roberto Freire - então à frente do recém-criado TUCA, o Teatro da Universidade Católica de São Paulo - lhe propôs um desafio: queria que ele musicasse o poema Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, que o grupo ia encenar. Roberto conhecera Chico através justamente de Miúcha, sua amiga, que o arrastou para um show no Colégio Santa Cruz, aí por 1961, 1962. "Você precisa ouvir", ela dissera, "umas coisas que o meu irmão mais novo está fazendo". O escritor não ficou nada impressionado com "o tal do Carioca - tímido, gago, atrapalhado, superbonito mas tocando um violão danado de ruim". Miúcha insistiu e nos primeiros meses de 1965 levou Chico à casa de Roberto Freire, numa noite em que lá estavam, entre outros, Alaíde Costa e Geraldo Vandré. Dessa vez ele cantou Pedro pedreiro, composta havia pouco - tinha sido apresentada numa daquelas producentes de Walter Silva no Paramount, o BO 65, no dia 29 de março. "Fiquei vidrado", lembra Roberto.

O carro-chefe era Pedro pedreiro, que a partir daí ele seria solicitado a apresentar onde quer que aparecesse. "Só me deixavam cantar essa", conta. Uma vez, nos bastidores do programa do Chacrinha, na TV Excelsior, um assistente do Velho Guerreiro, de nome Ramalhete, preocupado com a extensão da letra (sessenta versos), lhe propôs sem mais rodeios: "Não dá pra esse trem chegar mais cedo?" Não havendo acordo, o trem foi cancelado.

Pedro pedreiro - que Chico cantou para Tom Jobim no dia em que o conheceu, em 1966, levado pelo produtor Aloysio de Oliveira - não foi a sua única música onde passava um trem. Houve outra, bem anterior, a primeira que ousou cantar para Vinícius de Moraes.

...De algumas canções desses dois primeiros álbuns - A televisão, por exemplo - ele se sente muito distante. Outras, como Pedro pedreiro e Olê olá, lhe parecem merecedoras de "certa indulgência, por conta da juventude". E há uma, A Rita, que Chico ainda canta com prazer.

07 - Amanhã Ninguém Sabe (Chico Buarque) (1966) (2:01)
Em Noite dos mascarados reponta a consciência do caráter de exceção do Carnaval:

Mas é carnaval
Não me diga mais quem é você
Amanhã tudo volta ao normal


No entanto, mais do que um "tempo forte" do samba, da dança e da alegria, o Carnaval é um rito, que transcende o espaço para ele reservado durante o ano. O Carnaval é um "estado" de ser, independentemente da data para ele fixada. Por isso, o poeta pode ter o "seu" Carnaval, fora do tempo, como em Amanhã ninguém sabe:

Há aqui nesta canção uma saturação de elementos que em geral figuram essa mesma realidade - poderíamos chamá-los de metamorfoses do Carnaval: o violão, o samba, a roda, o amor, a banda - que convocam a participação.

"Amanhã, ninguém sabe": é quase que uma utopia às avessas. Não interessa o amanhã, que é incerto, pois hoje o Carnaval pode acontecer. Mais tarde, com o amadurecimento de suas posições e de sua vivência, Chico Buarque projetará sua solidariedade humana e sua paixão libertária para um amanhã irreversível, que será o espaço da utopia.

Aqui, o estado em que se vence a tristeza e a solidão é um estado provisório. E quando o indivíduo não se recolhe de novo à sua dor, depois que o jogo se acaba, trata-se de um "desatino": o samba não pode continuar na Quarta-feira de Cinzas, quando as pessoas já estão "sofrendo normalmente". É o tema de Ela desatinou.

Outra metamorfose do Carnaval é a "banda" - que passa, "cantando coisas de amor", transfigurando a realidade.

08 - Você Não Ouviu (Chico Buarque) (1966) (2:41)

09 - Juca (Chico Buarque) (1965) (1:48)

10 - Olê Olá (Chico Buarque) (1965) (3:04)
"Caetano e Chico se conheciam desde 1965, quando o baiano o ouviu cantar Olê, olá num daqueles shows estudantis. 'Fiquei apaixonado', lembra Caetano. Copiou a letra da música e mandou para a namorada Dedé, em Salvador com uma carta: 'Conheci um cara que é a coisa mais linda.' Ficou impressionado com a naturalidade com que fluíam as rimas de Chico."

Gravada originalmente num compacto por Nara Leão, tendo do outro lado Madalena foi pro mar. Este compacto deu o primeiro grande impulso na carreira de Chico. Foi composta com o violão Joaquim, assim como Pedro pedreiro e Sonho de um carnaval.

11 - Meu Refrão (Chico Buarque) (1965) (2:41)
"O ator Hugo Carvana e o diretor Antônio Carlos Fontoura haviam se encantado com Morte e vida severina e imaginaram um show só com música de Chico Buarque, que seriam cantadas também por Odette Lara e pelo MPB-4. Chamou-se Meu refrão e estreou em julho de 1966 na boate Arpège, do pianista Waldir Calmon, no Leme. Foi um enorme sucesso e ficou meses em cartaz. É dessa ocasião o primeiro entrevero de Chico com a censura. Uma das dezesseis músicas do show, Tamandaré, foi proibida como ofensiva ao patrono da Marinha. Nunca chegou a ser gravada. Era uma brincadeira com o Almirante Joaquim Marques Lisboa, cuja efígie adornava as desvalorizadas notas de um cruzeiro.

Para que o programa não ficasse desfalcado, Fontoura pediu a Chico que compusesse outra música, a ser cantada em dueto com Odette Lara. 'Foi assim que ele fez Noite dos mascarados, em cinco dias', revela Odette. A cantora e atriz se lembra também do suspiro feminino que em uníssono subia da platéia mal Chico entoava o primeiro verso de Olê olá. 'Eu e o MPB-4, na meia-luz do palco, começávamos a rir, e Chico esperava passar o suspiro para continuar', conta.

Lançada num compacto no final de 1965 junto com Olê olá."

12 - Sonho De Um Carnaval (Chico Buarque) (1965) (2:12)
Em quase todas as canções dessa fase, que tratam da criação desse espaço privilegiado, a proposta é muito semelhante: o sofrimento da vida presente é colocado entre parênteses por força do encantamento órfico da música ou da dança - literalmente, do "violão", do "samba", da "banda", do "carnaval".

Em Sonho de um carnaval, uma das produções inaugurais de Chico, o poeta deixa em casa a dor, esperando-o, e vai encontrar, no Carnaval, uma realidade transfigurada.

No entanto, esse estado em que a fraternidade emerge (a vontade de tomar a mão de cada irmão pela cidade) é extremamente efêmero, dura enquanto dura o Carnaval, pois "Quarta-feira sempre desce o pano". E é por isso que o primeiro verso, madura e realisticamente, tem um aposto para a situação: desengano. E é por isso que o título também não mente: Sonho de um carnaval. Evidentemente, esses topos do Carnaval como o lugar privilegiado do encontro e da comunicação, que se fecha com a quarta-feira de cinzas, não é uma originalidade de Chico, mas inscreve-se numa tradição respeitável da Música Popular Brasileira. A título de exemplo, que seja referida a Marcha da quarta-feira de cinzas, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes".

"Acabou o nosso Carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações saudades e cinzas
Foi o que restou"

Bibliografia Consultada:
Werneck, Humberto. Letra e Música. Cia da Letras, 1989
de Meneses, Adélia Bezerra. Desenho mágico. Editora Hucitec, 1982
(Parte I - Lirismo Nostágico, página 50)

1 comentários:

ademar amancio disse...

Gostei da abordagem,mescla informação e análise crítica sem sair do tom.

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