sábado, 25 de julho de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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Antônio Maria

“Ninguém me ama
ninguém me quer
ninguém me chama de meu amor...”
ANTÔNIO MARIA e FERNANDO LOBO, “Ninguém me ama”

O pernambucano Antônio Maria adotou a Cidade Maravilhosa como sua terra. Jornalista, radialista, cronista e compositor, construiu em suas músicas a imagem da rejeição, da solidão e do sofrimento, o samba-canção em sua expressão da dor-de-cotovelo, um esteio de sua existência.
Com crônicas publicadas nos principais jornais cariocas, Antônio Maria era um sagaz retratista do cotidiano. Tratava de tudo. Suas frases emblemáticas eram pinceladas com seu espírito de compositor: “Na vida a gente ama vinte vezes; uma por inexperiência e dezenove por castigo”; “A única vantagem de morar sozinho é poder ir ao banheiro e deixar a porta aberta”; “A noite é uma criança.” 
Antônio Maria passou a ser conhecido como compositor no início da década de 1950, após o sucesso de “Ninguém me ama” na voz grave de Nora Ney. Esse verdadeiro paradigma do “samba-de-fossa” é assinado em parceria com o amigo e conterrâneo Fernando Lobo, também jornalista, compositor e boêmio. Maria teve mais de 60 músicas gravadas, grande parte delas sambas-canções. E lá estava o amor não correspondido, a exemplo de “Suas mãos” (“Ah, suas mãos onde estão/ onde está o seu carinho”) e “O amor e a rosa” (“Guarda a rosa que eu lhe dei/ esquece os males que eu te fiz”), ambos em parceria com Pernambuco.
São obras-primas de Maria – e também da música popular brasileira – “Menino grande”, “Valsa de uma cidade”, “Se eu morresse amanhã”, “Frevo número um”, um clássico do gênero, “Canção da volta” e “Manhã de carnaval”. Feita com Luiz Bonfá, esta última foi criada para o filme Orfeu negro, de Marcel Camus. É, ao lado de “Garota de Ipanema”, uma das músicas brasileiras mais executadas no exterior: “Manhã, tão bonita manhã/ na vida uma nova canção/ cantando só teus olhos/ teus risos, tuas mãos...”


Cartas sentimentais

Nos jornais Diário da Noite, Última Hora e O Jornal, Antônio Maria, entre outras coisas, respondia a cartas sentimentais dos leitores. É possível que muitos desses textos tenham sido forjados pelo próprio Maria, mas os leitores realmente escreviam sobre suas atribuladas vidas amorosas:
A leitora Mariza Freitas, do Rio de Janeiro, escreve, angustiada:
“Sr. Antônio Maria, meu namorado sua muito debaixo dos braços.”
“Só debaixo dos braços, Mariza? Então não há motivo para desgostos.
Divirta-se na área enxuta, que é a maior parte do seu namorado”, respondeu o sábio Maria.
A leitora Luciana Ruiz quer saber sobre os bastidores da noite:
“Sr. Antônio Maria, é verdade que os casais se aproveitam da escuridão da boate?”
“Muito”, diz o notívago Maria. “E levam os cinzeiros, as xícaras, os talheres e os guardanapos.”
O leitor Reinaldo está apreensivo:
“Sr. Antônio Maria, estou noivo há dois anos e só agora descobri que Berenice, minha noiva, só tem três dedos na mão esquerda.”
“Mas se ela tiver sete na mão direita dá no mesmo, Reinaldo. O negócio é ter dez dedos na hora de mostrar. Verifique e volte a escrever-me”, finalizou Maria.


Em muitos aspectos, a obra do briguento, mulherengo e corpulento Antônio Maria foi uma contribuição tupiniquim ao clima abolerado dos anos 1950. O brasileiro juntou-se à legião de cantores mexicanos, chilenos, cubanos e espanhóis – Agustín Lara, Pedro Vargas, Lucho Gatica, Bienvenido Granda... – levando as cores verde e amarelo em suas composições.



Dolores Duran

“Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
e a primeira estrela que vier
para enfeitar a noite do meu bem
hoje eu quero a paz de criança dormindo
e o abandono de flores se abrindo...”
DOLORES DURAN, “A noite do meu bem”

O samba-canção tem ainda outra característica: ele é capaz de fazer a ponte entre o “menino grande” de Copacabana, Antônio Maria, e uma jovem cantora e compositora do subúrbio carioca: Adiléia Silva Rocha, uma fonte criativa conhecida como Dolores Duran.
Talentosa, Dolores não teve vida fácil. Mesmo quando já era famosa, cantando e vagando pela boemia das boates Vogue, Beguine, Little Club, Baccarat, Casablanca, Acapulco e Montecarlo, suas composições e interpretações expressavam a intensidade do seu desencanto com os amores e, de certa forma, com a vida. Em 23 de outubro de 1959, depois de fazer um show na Boate Little Club e de participar de uma festa no Clube da Aeronáutica,
Dolores chegou em casa já pela manhã e pediu à empregada: “Não me acorde. Estou muito cansada. Vou dormir até morrer.”
Aos 29 anos, era o fim da menina bochechuda que encantava as longas noites do Rio e que fez uma das letras mais bonitas da música popular brasileira: “A noite do meu bem”. Dolores convoca na canção o universo para sua noite. Dolores começou a cantar com dez anos de idade no programa de calouros de Ary Barroso, ganhando o prêmio máximo com a música “Vereda tropical”. Com extrema facilidade para línguas, passou então a interpretar canções em inglês, francês e espanhol, apresentando-se pelas boates do Rio. Fez amizade com Sérgio Porto (o Stanislaw Ponte Preta), Antônio Maria, Nestor de Hollanda... – a nata da boemia da década de 1950. Sua obra não é muito extensa, mas toda ela espelha um jeito melancólico, triste e angustiado de ver a vida. É um panteão de pérolas do samba-canção.

Dolores fez turnê internacional e, aqui no Brasil, foi elogiada por dois ilustres visitantes: Ella Fitzgerald, a dama do jazz, e o cantor francês de muito sucesso Charles Aznavour. Após sua morte por infarto fulminante, a cantora e amiga Marisa, apelidada por cronistas de “Gata Mansa”, entregou ao pianista Ribamar as letras de “Ternura antiga” e “Quem foi”. Dois sucessos que Dolores não testemunhou.


Maysa

De tradicional família capixaba, a cantora e compositora May sa garantiu seu lugar no panteão das cantoras de músicas de fossa ou de “dor-de-cotovelo” da época. A música “Ouça”, que a tornou conhecida nacionalmente, começa assim: “Ouça, vá viver a sua vida com outro bem/ Hoje eu já cansei de pra você não ser ninguém/ O passado não foi o bastante para lhe convencer/ que o futuro seria bem grande só eu e você...” Com uma beleza muito expressiva e um olhar penetrante, Maysa levou o poeta Manuel Bandeira a dizer que “seus olhos são oceanos não pacíficos”.




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