sábado, 4 de julho de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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Escolas de samba de São Paulo

“Triste madrugada foi aquela
que eu perdi meu violão
não fiz serenata para ela
e nem cantei uma linda canção
Uma canção para quem se ama
que sai do coração dizendo assim:
abre a janela
abre a janela, amor
Dê um sorriso
e jogue uma flor para mim...”
JORGE COSTA, “Triste madrugada”


O samba de São Paulo não difere tanto do carioca quanto alguns pesquisadores tentam argumentar. No entanto, o andamento e o tempo da música também não são idênticos. O paulista tem um lado do que o teatrólogo Plínio Marcos, parceiro de Geraldo Filme, denominou de “samba de trabalho, durão, puxado para o batuque”, contrastando com o lirismo e a cadência do samba carioca. Em São Paulo, as manifestações do samba estiveram ligadas às zonas fabris, como por exemplo a Vai-Vai, na Bela Vista, e a Camisa Verde e Branco, na Barra Funda. De certa forma, a rigidez do trabalho proletário na indústria paulista contrastava com a maior maleabilidade da boemia carioca. Tal fato influenciaria não só o samba, mas todo o ambiente sociocultural das duas cidades.
Contudo, a aglutinação dos foliões para brincar o carnaval ocorria desde o início do século XX, nos cordões carnavalescos, embriões das escolas de samba de São Paulo. Estes eram formados basicamente pelo núcleo familiar. Guiados pela espontaneidade de seus foliões, desfilavam com estandartes carregados por mulheres e apresentavam reis, rainhas e outros personagens da corte. Na frente, um baliza, que fazia malabarismo com bastão de madeira, abrindo caminho para o cordão enquanto bailava.
Mas foi do bloco Baianas Paulistas que nasceu a primeira escola de São Paulo. Com instrumental de coro e grupos de choro, um grupo de amigos resolveu fundar uma escola de samba; nasceu a Lavapés, que foi seguida pela Rosas Negras e a Brasil Moreno. Surgiram também a Unidos da Vila Maria e a Unidos do Peruche, em atividade até hoje.
O precursor dos cordões no carnaval paulistano foi o Grupo Carnavalesco da Barra Funda, liderado por Dionísio Barbosa, profundo conhecedor do carnaval carioca. Com o tempo, devido à sua indumentária de calças brancas e camisas verdes, o cordão ficaria conhecido como Camisa Verde, logo depois adotando o nome definitivo de Camisa Verde e Branco, já como escola de samba.
Seu primeiro desfile como escola aconteceu em 1972. O título veio em 1974, quando desfilou com o samba-enredo Essa Nega Fulô. Começou assim uma série que só terminaria no carnaval de 1977, consagrando a escola da Barra Funda como tetracampeã e deixando o segundo lugar para sua maior rival, a Vai-Vai, do Bexiga – um cantinho de sotaque italiano, com cantinas e cortiços no distrito de Bela Vista.


Camisa Verde e Branco e o integralismo

O Cordão Camisa Verde teve que mudar as cores de sua agremiação por imposição do Estado Novo. Os integralistas utilizavam o verde para representar o nazifascismo no Brasil. Velha raposa, como sempre, Getúlio aproximara-se por um tempo de Plínio Salgado, líder dos integralistas, para colocar em prática seus interesses políticos. Quando percebeu que o integralismo já não o favorecia, mandou perseguir e prender seus seguidores.
Os camisas-verdes, que gostavam de esticar o braço e gritar “Anauê!” como uma saudação, copiavam o estilo dos nazifascistas. Havia uniformes verdes para as crianças e, quando se queria impor valores ideológicos, utilizava-se a violência contra os opositores. Composto de funcionários públicos, da classe média estabilizada e de militares da Marinha e do Exército, o grupo integralista defendia partido único, sem eleições democráticas; seus membros eram racistas, reacionários, e tinham como lema “Deus, pátria e família” – numa clara ligação com a Igreja católica.
Um dos destaques da Vai-Vai é Walter Gomes de Oliveira, conhecido como Pato N’Água – aquele mesmo que foi homenageado, após sua morte, por Geraldo Filme, no samba “Silêncio no Bexiga”. Passista habilidoso, respeitado jogador de tiririca (ou capoeira) e diretor de bateria, Pato N’Água comandava os ritmistas com um apito, marcando e introduzindo breques todos seus.
A Escola de Samba Nenê da Vila Matilde completa a tríade das mais vitoriosas e tradicionais escolas de Sampa. Assim que foi criado o desfile oficial na cidade, a escola foi campeã de 1968 até 1970. Hoje, desfilando em bloco intermediário, ela é uma das mais tradicionais do carnaval.
A “escola do Nenê” surgiu da união de duas vilas, a Esperança e a Matilde, nos encontros dos bambas paulistas no Largo do Peixe, sempre liderados pelo mineiro Alberto Alves da Silva, o seu “Nenê” da Vila Matilde. O metalúrgico foi presidente da escola desde a sua fundação, em 1949. Em 2002, Nenê foi condecorado com a ordem do mérito cultural pelo Ministério da Cultura. Segundo o pesquisador Wilson Moraes, “a partir do carnaval de 1968, as escolas de samba paulistanas passaram a ser estruturadas de acordo com o modelo carioca. Os balizas foram relegados em favor da comissão de frente; o estandarte definitivamente substituído pela bandeira acompanhada por mestre-sala, e tornou-se obrigatória a presença de “baianas”. O enredo assumiu importância capital, passando a definir toda a montagem do desfile... Ficou definitivamente abolida a participação de qualquer instrumento de sopro na parte musical...”

Nos últimos anos, os desfiles em São Paulo passaram a ser, a exemplo dos do Rio de Janeiro, transmitidos ao vivo para todo o Brasil, na sexta e no sábado de carnaval. É o coroamento de um percurso que começou no Anhangabaú, em 1950, e chegou, a partir de 1991, ao Pólo Cultural Grande Otelo, uma grande passarela de mais de 500 metros construída na avenida Olavo Fontoura, popularmente conhecida por Sambódromo do Anhembi. Como o Sambódromo do Rio de Janeiro, o projeto ficou a cargo do renomado arquiteto Oscar Niemeyer.


Ideval Anselmo e Talismã, mestres da Camisa Verde e Branco

Ideval Anselmo é um dos principais compositores da Camisa Verde e Branco.
No ano de 1977, Ideval fez o samba-enredo considerado por muitos o melhor de São Paulo, “Narainã, a alvorada dos pássaros”: “Era de manhã/ Mariana ali chegou/ no reino encantado/ Oh, sinfonia a patativa/ Que canto....” O metalúrgico Ideval não cansava de dizer que ao ouvir o samba-enredo “Pega no ganzê”, com o refrão “Ô-lê-lê, ô-lá-lá/ pega no ganzê/ pega no ganzá...”, descobriu que o problema dos sambas paulistanos era a falta de refrão – que ele então introduziu com maestria.
Seu parceiro de escola, Talismã, teve músicas gravadas por renomados cantores, como Noite Ilustrada, Tom Zé, Beth Carvalho e outros. Mumu, como também era conhecido, emplacou um samba no LP que continha 12 músicas selecionadas no Festival de Samba de Quadra, tido como um marco no samba paulista. A faixa tornou-se um hino oficial da Verde e Branco e do carnaval de São Paulo: “Sou Verde e Branco/ até a morte!/ Do Verde e Branco, não me separarei/ Deu-me tantas alegrias/ belos carnavais que eu passei (eu passei)...”






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