sábado, 11 de julho de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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Fim da festa?


“Quem me vê sempre parado, distante
garante que eu não sei sambar
tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando
e não posso falar
tô me guardando pra quando o carnaval chegar...”
CHICO BUARQUE, “Quando o carnaval chegar”



Paira sobre algumas cabeças pensantes da sociedade um sentimento de que o carnaval acabou. É corrente ouvirmos que bom era o carnaval “do meu tempo”, aquele que tinha boa música e no qual as pessoas podiam brincar com tranquilidade.

Não gostaria de fazer juízo dessas opiniões, mas também não posso deixar de constatar que essas afirmações estão longe de ser verdade. O jornalista e pesquisador da MPB Sérgio Cabral afirma que nunca ouviu um folião dizer que bom era o carnaval de outrora. Geralmente quem diz isso são as pessoas que já não brincam mais.
Como dizer que a folia de Momo acabou se ela arrasta milhões de pessoas todo o ano? Mesmo o desfile aéreo do Sambódromo, com pouco samba no pé e muito carro alegórico cheio de destaques, envolve uma teia complexa de gente que não nos permite rotulá-lo de “festa para gringo”. Onde estão os milhares de carnavalescos que trabalham no barracão, vão aos ensaios da escola, choram pela vitória ou derrota de sua agremiação? Alguém já viu a festa (des)organizada que fica em torno do Sambódromo? Já pulou carnaval nas escolas do subúrbio? Já saiu nos inúmeros blocos da cidade com marchinhas, frevos, sambas, maxixes?
Historicamente, o carnaval carioca sempre teve violência, mulheres bonitas e despidas, competição, normas e agentes externos ao universo das comunidades. 
Esses não são argumentos novos para descaracterizar o carnaval, pois são fatores que sempre existiram. Na década de 1930, o próprio Divino Cartola defendia a existência de jurados de fora para julgar as escolas de samba. Quero realmente aqui fazer uma defesa do carnaval – por mais que tenha uma visão crítica do seu processo de mercantilização. Defendo que ele é uma construção social, fruto de uma relação afetiva com o espaço e o tempo em que o indivíduo está inserido. É memória. Por isso os indivíduos oscilam tanto em suas opiniões sobre qual o melhor carnaval, se ele existe no presente ou já faz parte do passado.
Para a grande maioria dos jovens de 20 anos, o melhor carnaval é aquele com o qual criou uma relação afetiva. Certamente será o carnaval de hoje, aquele que para muitos é o ápice do merchandising, dos enredos tediosos, dos sambas-traillers (que apenas marcam a passagem da escola, sem serem eles mesmos um atrativo) etc. Mas o melhor carnaval para Paulinho da Viola também é diferente do de dona Neuma, filha do primeiro presidente da Mangueira. Enquanto o compositor da Portela prefere os desfiles que ocorriam na avenida Rio Branco, a eterna primeira-dama da Verde-e-rosa opta pelos da Praça Onze. A afetividade e a interação mais uma vez dão as cartas. Respeito muito aqueles que nos dias de folia assistem a seus filmes pela TV a cabo, vão ao cinema, ao teatro, curtem um passeio com a família. Mas tenho que dizer que esses não gostam de carnaval. Pois ele está aí, todo ano, para quem quiser brincar, trazendo em seus dias a alegria, o despojamento, a bagunça, a ordem e a sátira teatral que a transformaram na maior sátira teatral do planeta. Até lá!




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