segunda-feira, 26 de novembro de 2018

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Por Luiz Américo Lisboa Junior



Fagner - Manera Fru Fru Manera (1973)

O Brasil é um país singular onde se misturam vários povos vivendo em harmonia, possui uma das mais miscigenadas populações do planeta, uma língua uniforme em que pese a vastidão de seu território e uma diversidade cultural das mais ricas. Durante toda nossa história convivemos com essas diferenças e conseguimos manter uma invejável unidade, por outro lado, é de admirar a maneira pela qual o país assimila a sua diversidade cultural respeitando as suas identidades regionais. 

De norte a sul, passando pelo centro oeste percebemos a imensidão de ritmos, gêneros musicais, festas, folguedos, enfim todo um cenário que se descortina aos nossos olhos e que nos fazem ficar admirados como podemos assimilar tantas manifestações e incorporá-las ao nosso cotidiano. Da tradição dos pampas gaúchos, passando pelo caipira do interior do estado de São Paulo, pelas manifestações dos imigrantes incorporadas ao nosso calendário e aculturadas em nosso território, a sonoridade das Minas Gerais, a cultura pantaneira, o samba e o choro carioca, o samba de roda na Bahia, o frevo em Pernambuco, o coco no Rio Grande do Norte e em outros estados nordestinos e desaguando na canção amazônica com suas lendas e tradições embaladas também pelo ritmo do carimbó, temos ai demonstrado em linhas gerais a riqueza de nossa cultura infelizmente pouco conhecida e divulgada principalmente em nossas escolas.

Contudo é importante salientar que alguns meios de comunicação têm contribuído para diminuir essa desinformação proporcionando uma visibilidade maior as nossas manifestações, é também necessário dar-se o devido credito ao Ministério da Educação que ao realizar os Parâmetros Curriculares Nacionais incluiu o tema diversidade cultural para que os nossos jovens estudantes possam conhecer um pouco melhor o país em que vivem. São iniciativas meritórias, mas que carecem ainda de um maior esforço para serem amplamente divulgadas, mesmo porque, ainda há um grande desinteresse por parte de nossos educadores em levar o assunto para as salas de aula num profundo descaso com a formação plural do nosso estudante, que ao se distanciar dos elementos formadores de sua pátria acabam perdendo um pouco o sentido de nacionalidade, união, e o que é pior, ficam com pouca ou quase nenhuma percepção de sua identidade.

É claro que não queremos aqui generalizar, nem provocar polêmica, mas apenas fazer um alerta e também demonstrar a necessidade do quanto é importante nos mantermos integrados às nossas raízes num permanente esforço para que ela seja divulgada, apreciada, e também no caso da música popular, adaptada a modernidade, mas sem perder as suas características essenciais. Trata-se de revigorar a cultura tradicional e não transformá-la em objeto de consumo descartável, sem nenhuma serventia ou critério de manutenção de raiz, como se faz com o axé, o pagode, o breganejo e outros pseudos gêneros musicais que caminham no sentido inverso e perverso da descaracterização de uma cultura tradicional.

Foi com o espírito preservacionista e ao mesmo tempo renovador que surgiu no inicio dos anos setenta um grupo de cantores/compositores cearenses que se propunham divulgar seu trabalho artístico inserindo-o dentro dos padrões modernos de concepção musical. Essa geração liderada por Ednardo, Belchior e Fagner iria render excelentes frutos a musica popular brasileira. Raimundo Fagner vinha se destacando como compositor e intérprete nos meios estudantis da época. Em 1971 sagrou-se campeão com a musica Mucuripe em parceria com Belchior no Festival do Centro de Estudos Universitários de Brasília, logo a seguir em 1972 estrearia em disco interpretando-a num compacto simples do Disco de Bolso da Revista Pasquim e alcançaria muito sucesso ao ser gravada na mesma ocasião por Elis Regina. O caminho do primeiro LP estava traçado e Fagner o gravaria em 1973, dando-lhe o título de Manera fru fru manera, nome de uma canção com o parceiro Ricardo Bezerra e que havia alcançado o sexto lugar no Festival de Brasília. 

Rompendo com o tradicionalismo nordestino, mas mantendo-lhe o espírito Fagner incorpora neste seu primeiro disco uma linguagem modernizante onde não faltam as guitarras, uma certa influencia iê iê iê dos anos sessenta, um lirismo emepebista tradicional unindo a praia de Iracema com Copacabana e revisitando o folclore regional com uma nova postura estética proporcionando um novo rumo a musica do Nordeste distanciando-a do preconceito que a via apenas com o tradicional forró de Jackson do Pandeiro e o Baião de Luiz Gonzaga. Fagner emoldura numa nova concepção o tradicional e leva os ares de uma renovação musical nordestina ao resto do país, dando o pontapé inicial para o surgimento de outros artistas que irão trilhar o mesmo caminho, como por exemplo, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho.

Sua voz agreste e suave causa espanto e admiração e o repertório do disco é uma demonstração de sua visão do Nordeste e do Brasil numa tentativa de definir um regionalismo plural, mas sem perder a essência.

O repertório é formado por algumas canções que fizeram muito sucesso como as citadas Mucuripe e Manera fru fru manera, O ultimo pau de arara, de Venâncio e Corumbá, Canteiros, cuja letra traz trechos do poema Marcha, de Cecília Meireles, que por não ter sido creditado no disco mereceu por parte dos herdeiros da escritora um processo contra Fagner que resultou em sua proibição e execução pública obrigando a gravadora a prensar novamente o disco sem a música, Penas do Tié, folclore adaptado por Fagner e Pé de sonhos, de Petrucio Maia e Brandão ambas interpretadas em dueto com Nara Leão, Nasci para chorar, versão de Erasmo Carlos para Born to cry de Dino e Dimucci, e Serenou na madrugada, folclore também adaptado por Fagner. O disco conta ainda com a participação de Nana Vasconcelos que viria a se tornar o mais renomado percussionista brasileiro e um dos mais respeitados em todo o mundo.

Um disco, portanto que nos remete a renovação da musica nordestina trazendo uma releitura conceitual da canção regional agora universalizada com todos os elementos estéticos necessários para a compreensão e assimilação das nossas raízes culturais retirando o Nordeste do gueto musical em que se encontrava e levando-o amadurecido para o resto do Brasil. 


Músicas: 
1) Último pau de arara (Venâncio/Corumbá)
2) Nasci para chorar - Bor to cry (Dino/Dimucci/Versão Erasmo Carlos) 
3) Penas do Tiê (Folclore: Adaptação Raimundo Fagner) 
4) Moto 1 (Raimundo Fagner/Belchior) 
5) Mucuripe (Raimundo Fagner/Belchior)
6) Como se fosse (Raimundo Fagner/Capinan) 
7) Pé de sonhos (Petrucio Maia/Brandão)
8) Canteiros (Raimundo Fagner/Cecília Meireles) 
9) Sina (Raimundo Fagner/Ricardo Bezerra) 
10) Tambores (Raimundo Fagner/Ronaldo Bastos) 
11) Serenou na madrugada (Folclore: Adaptação Raimundo Fagner) 
12) Manera fru fru manera (Raimundo Fagner/Ricardo Bezerra) 



Ficha Técnica
Coordenação de produção: Roberto Menescal 
Direção de produção: Paulinho Tapajós 
Direção musical: Fagner 
Técnicos de gravação: Ary e Luigi 
Estúdio: Phonogram
Arranjos: Luiz Cláudio e Ivan Lins (Mucuripe) 
Corte: Joaquim Figueira 
Fotos: Cafi 
Capa: Cafi. 
Participação especial: Nara Leão e Bruce Henry

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