Por José Teles
Ivinho
O guitarrista Ivinho era um músico conhecido apenas de um pequeno círculo de admiradores, artistas e colegas de profissão, em 1978, quando embarcou para a Suíça, como uma das atrações da primeira noite brasileira no então seleto Festival Internacional de Jazz de Montreux. Levava 50 dólares na carteira, e uma case com uma viola de doze cordas, com o bojo furado. Além dele, viajaram o grupo A Cor do Som, e Gilberto Gil, com uma banda à qual foi incorporado o conterrâneo Pepeu.
Naquele tempo não era comum participações de brasileiros em eventos internacionais de tal porte, com exceção de um punhado de nomes que conseguiu chegar à gravadoras gringas, casos de Milton Nascimento, Egberto Gismonti, percussionistas que viviam nos EUA, Naná Vasconcelos ou Airto Moreira e, claro, a turma da bossa nova. Como o recifense Ivson Wanderley chegou a tal patamar, inalcançável para a maiorias dos músicos brasileiros?
Claude Nobs (1936/2013), o criador e principal curador do festival de jazz de Montreux, encontrava-se no Rio para acertar a participação dos músicos brasileiros no festival. Acompanhado por André Midani, que assumira o cargo de presidente da recém-chegada ao Brasil Warner Music, e o produtor Marco Mazzola, assistiu a um show em que o guitarrista tocava. Entusiasmou-se com a performance do pernambucano, e sugeriu que ele fosse incorporado à comitiva do Brasil em Montreux, com os dois contratados da Warner, A Cor do Som (então a banda mais bem sucedida do pop nacional), e Gilberto Gil, aposta internacional da filial brasileira da multinacional.
Com ingressos rapidamente esgotados, Claude Nobs decidiu realizar uma sessão extra da noite brasileira em Montreux, oficialmente intitulada Viva Brasil, com as participações do percussionista mineiro Djalma Correa, e do tecladista suíço Patrick Moraz (que substituíra Rick Wakeman no Yes). Às 17h, e Ivinho foi incumbido de abrir a primeira edição do Viva Brasil.
O jornalista carioca Tárik de Souza cobriu o festival, e escreveu minuciosamente, para o Jornal do Brasil, o show de Ivinho: “De saída, subiu ao palco o enigmático Ivinho, Magro e miúdo, de calça Lee surrada, camiseta e tênis, além de um chapéu de feltro interiorano, que dividia em duas cascatas, sua longa cabeleira. Ivson Wanderley Pessoa, recifense de apenas 25 anos, não se mostrava nem um pouco assustado, mesmo alguns minutos antes, ainda no ensaio, quando fui entrevista-lo. Um estreia solo, mesmo num festival internacional, era para ele apenas uma questão de curriculum, e seus planos para o show resumiam-se a “me deixar desligar durante 25 minutos, deixar fluir algumas sequencias harmônicas, harmonizando minha vida para dias melhores”.
Ele não sabia que sua carreira chegaria ao auge naquela tarde do verão suíço. Seu concerto, um único e longo improviso, a partir de um tema ad lib, que batizou de Noturno número zero, mistura de escalas oriental com nordestina, recebeu palmas e pedidos de bis. Ivinho não concedeu o bis, porém se apresentou novamente na segunda sessão do Viva Brasil (que recebeu um público bem menor do que o esperado). Mais uma vez transcrevemos um trecho da matéria de Tárik de Souza:
“Ivinho entrou sem muitos aplausos, tocou números mais curtos e foi assessorado pela percussão de Djalma (Correa), que duelou com sua viola utilizando um banjilógrafo, mistura de banjo e máquina de escrever”. Novamente Ivinho saiu do palco debaixo de aplausos e pedidos de bis. Um feito, já que a plateia, “cabeça”, não perdoou o som pop de A Cor do Som, pedia “jazz e não rock”. As vaias tomaram conta do salão, a ponto de ser necessário, segundo o relato de Tárik, o próprio Claude Nobs vir ao palco para acalmar o público, que aceitou com ressalvas o pop brasileiro da Cor do Som. O show final, de Gilberto Gil, foi apoteótico e o público só voltou a vaiar quando o baiano avisou que estava encerrando o concerto, que acabou madrugada adentro.
A Warner lançaria, poucos meses depois, com ampla divulgação, enfatizando ser uma participação no festival de jazz de Montreux ainda, discos das apresentações dos brasileiros. Tanto o de Gilberto Gil (originalmente um álbum duplo), quanto o da Cor do Som tiveram reedições em CD. Mas o álbum de Ivinho (Warner/Nonesuch) continua, inexplicavelmente, fora de catálogo. O que não é de se estranhar. Chega a ser um enigma o fato de ele ter sido lançado. O LP de Ivinho não tinha o menor potencial comercial. Muito menos para uma gravadora cujo recém-chegada ao Brasil e em busca do sucesso. A música foi criada ad lib, ou seja, na hora, no improviso. Só receberam títulos quando precisaram ser registradas para o disco: Os temas do álbum: Teimosia, Clarão vermelho,Meditação, Frevo único e Partida dos lobos.
Confiram áudio de Iviho em Partida dos lobos:
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