sábado, 2 de junho de 2018

BRÁULIO DE CASTRO E A MÚSICA JOCOSA

Longe da baixaria apresentada por muitos da música contemporânea, Bráulio de Castro mostra de modo inteligente e singular sátiras e boas tiradas nos mais variados gêneros

Por Bruno Negromonte



Imprimir o tom jocoso em uma obra não é para qualquer um, ainda mais de maneira inteligente. Dentro desse contexto pode-se afirmar sem sombra de dúvidas que o Nordeste é uma verdadeira escola de compositores e intérpretes para canções que apresentam essa característica independente do gênero (como é o caso do "Rock das aranhas", do baiano Raul Seixas). No entanto foi a partir dos ritmos mais populares que o duplo sentido ganhou as rádios do Nordeste a partir de nomes que deixaram a sua indelével marca na música produzida na região como é o caso do cantor e compositor paraibano João Gonçalves, considerado por muitos como o Rei do duplo sentido por ser autor de canções como "Pescaria em Boqueirão", "Ainda morro disso" e "Mata o véio" e frases como "Ô lapa de minhoca/Eita que minhocão/Com uma minhoca dessas se pesca até tubarão" ou "Entra duro e sai mole / Molhado e pingando", que lançada em 2013 sob o título "Molhado e pingando" fala a respeito do preparo de um macarrão como é possível atestar posteriormente na letra: "Ela adora o meu tempero / Por isso está engordando / Com o cheiro do molho / Ela fica se babando / Pra não me fazer mau juízo / Nem ficar me sensurando / O que falo é macarrão quando estou preparando...". Censurado, Gonçalves teve discos queimados, foi intimado pela polícia federal à época do regime militar e teve o seu trabalho impedido de tocar em diversas cidades mesmo sendo um fenômeno de vendas. Essas dificuldades não impossibilitaram do tradicional gênero tão difundido por Luiz Gonzaga e seus discípulos ganharem o gosto popular novamente, e dessa vez sob o prisma do duplo sentido a partir de nomes como o dos pernambucanos Zé Duarte e Zenilton, dos alagoanos Clemilda e Sandro Becker e do exponente maior desse contexto: o cantor paraibano Genival Lacerda, que traz uma leva de sucessos apoiados nesse contexto.



Essa introdução faz necessária não só a título de registro, mas também para mostrar que neste campo Bráulio de Castro também se faz presente trazendo não só a originalidade tão marcante naquilo que faz, mas também uma irreverência sagaz, que pautada na criatividade aborda os mais distintos temas de cunho popular partir de personagens, situações entre outros como é possível tomar conhecimento a partir de registros como "Oiti coró", "O relógio", "O vovô tá na boa" entre outros. Dentre seus intérpretes mais representativos, destaque para quatro: Caju e Castanha (a dupla gravou canções como "O salário do deputado e o salário do operário", "Andando de coletivo" e "Mulher de amigo meu", faixa que deu visibilidade nacional a dupla pernambucana a partir do álbum "Vindo Lá da Lagoa", último lançado pela dupla original), Genival Lacerda (que gravou, dentre várias canções, o "O gravador", "O disco" e "Rock do Jegue",  mais um grande sucesso nacional de autoria do cantor compositor bom jardinense em parceria com Célio Roberto), Cinderela, personagem criado pelo ator Jeison Wallace ("Quem for corno fica em casa", "A pomba", "Tubarão pedófilo" entre outras) e Walmir Chagas, o Véio Mangaba, que traz registros jocosos nos mais variados ritmos como é o caso das faixas "Relaxa e goza" (frevo composta em homenagem a declaração da então ministra do turismo, Marta Suplicy, que em  pleno caos aéreo de 2007, ao ser questionada sobre que incentivo teria o brasileiro para viajar, ela disse: "relaxa e goza"), o rochão "Toda chave dá nela", a faixa "Sina do cachorro" dentre tantas outras registradas de modo singular e irreverente por este que é um dos maiores intérpretes de Bráulio de Castro.

Com muitas canções ainda inédita em discos e shows, Bráulio  de Castro ainda tem pro projeto eternizar algumas delas apenas a título de registro como é o caso do hilário coco "O trenzinho dos animais" feita em cima de  uma anedota que conta a história de um esperto macaco que resolve pular fora da brincadeira quando os animais decidem fechar o trem: "O macaco tava brincando... de trenzinho com os animais... o vagão da frente era o jegue... o macaco o vagão lá de trás..." e a canção "O chefe", onde o autor, baseado em uma outra anedota de seu conhecimento, que relata uma reunião dos membros  e partes para saber quem mandaria no corpo humano, escreve versos como: "E a lição que ficou... Depois de todo esse rebu... É que pra ser chefe... Não precisa ter cérebro... Basta ter... basta ter...". Canções como estas comprovam que a inspiração e o a irreverência permanecem presentes naquilo que Bráulio continua a produzir sem prender-se a rótulos ou gêneros como se pode atestar a partir do rol de artistas que o interpretam. uma saliência sadia, porém em desuso por conta da vulgaridade tão em voga nos dias atuais.


Como se tem percebido a música jocosa e engraçada vem, aos poucos, perdendo a visibilidade de outrora devido a uma série de fatores. Se antes atentávamos os e usávamos a dedução para entendermos o verdadeiro sentido de frases como "Maria preta escreveu na tabuleta, quem tiver... Dinheiro come, quem não tem toca pandeiro..." ou "Tico mia na sala, Tico mia no chão, Tico mia na cozinha, Tico mia no fogão...", hoje versos como "O que é isso, seu Monteiro? Mulher de amigo meu pra mim é pandeiro... eu vou doidão e meto a mão..." ou "De tanto ficar sem usar tornou a fechar... mete essa broca quero ver escangalhar..." soam como pueril de tanta vulgaridade presente naquilo que hoje insistem em chamar por música. Sem contar que a vigília em torno daquilo que é politicamente correto não permite mais atingir a parada de sucessos canções que contenham frases do tipo "Só quero nambu, Zetinha", sucesso na voz da saudosa cantora Clemilda. No entanto, em contrapartida, em muitas situações, esquecem de responder quem é a mulher naquilo que chamamos por forró estilizado como pode-se ver em títulos como "Você não vale nada", "A mais puta do mundo", "Caminhão de raparigas", "Mulher não vale nem um real" ou em frases como "Foi tanto caco de puta voando pra todo lado... Dava pra apanhar de pá, de enxada e de colher!" e "Eu vou comprar uma carrada de puta... No ramo de puta eu boto pra quebrar... Eu vou comprar uma carrada de puta... Quero ver puta pra todo lugar...", trecho de uma das canções registradas pelo maior expoente desse desdobramento do tradicional forró pé-de-serra, o cantor cearense Wesley Safadão. Nesse contexto pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que as canções existentes atualmente fazem coletâneas como a saudosa "Forró safado", lançada pela Continental, perder o sentido até etimológico; e compositores do quilate de Bráulio de Castro faz-se urgentemente necessário não apenas para atenuar o atual cenário musical, mas para mostrar para as novas gerações que a irreverência não precisa pautar-se na apelação para se chegar as paradas de sucesso.

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