segunda-feira, 28 de julho de 2014

UMA HOMENAGEM QUE ACABOU RENDENDO UMA SIMÉTRICA PARCERIA

Longe de esteriótipos a cantora pernambucana sela duo com Roberto Menescal e revisita o repertório de um dos fundadores do movimento mais expressivos da música brasileira no exterior: a bossa nova

Por Bruno Negromonte



Aquilo que a princípio seria apenas uma merecida homenagem acabou rendendo uma inusitada e interessante parceria entre um veterano nome da música brasileira e uma artista em ascensão. De um lado, o capixaba Roberto Menescal, artista com mais de cinco décadas de carreira e um dos precursores de um movimento musical que revolucionou a estética e o conceito da música brasileira a partir de então: a Bossa Nova. Menescal, exímio instrumentista, acabou tornando-se um dos mais expressivos e conceituados nomes do gênero e hoje é reverenciado por músicos de todo o planeta a partir de suas composições. Do outro lado uma artista em franca ascensão que vem galgando espaços cada vez mais significativos ao longo dos últimos anos. Com quinze anos de estrada, Andrea Amorim nasceu no município de Garanhuns (Pernambuco) e já conta em sua discografia com cinco projetos independentes e diversas vitórias nos mais distintos festivais musicais existentes no país, dentre os quais o Festival de Música e Arte de Garanhuns, um dos mais relevantes festivais musicais existentes no Brasil. Nômade, Andrea segue a sua intuição sonora sempre que a mesma atina para algo que venha a saciar os seus anseios sonoros. Desse modo seguiu para o Sudeste, passando por São Paulo e hoje reside no Rio de Janeiro, onde desenvolve os mais distintos projetos musicais. Dentre estes projetos encontra-se um álbum autoral feito a partir da gravadora carioca Albatroz. Gravado em em inglês, japonês e espanhol, Amorim pela primeira vez atua em seus discos como intérprete gravando uma música de Marcos Valle ("Eu preciso aprender a ser só"), onde divide vocais com Lenine dando início a sua exitosa carreira internacional. No exterior recebeu prêmios como o Rising Star, conferido aos novos talentos brasileiros, teve a oportunidade de dividir o palco com Valle, no evento Press Award e esteve no Japão em duas oportunidades: a primeira apresentando-se nos eventos Brazilian Day e Press Award e, em uma segunda oportunidade, fez uma turnê de 21 apresentações por todo o país, durante cerca de 30 dias.



Em suas incursões pela terra do sol nascente Andrea percebeu e vivenciou de perto o amor que os japoneses têm pela música brasileira, em especial pela Bossa Nova e por todos os nomes que ajudaram a popularizar o gênero ao redor do mundo e, por sugestão de um produtor japonês, Andrea resolveu homenagear Menescal, que estava completando 75 anos de vida, gravando um projeto baseado na extensa obra do artista capixaba. O projeto, batizado de "Bossa de Alma Nova", acabou ganhando a adesão do homenageado ao longo das catorze faixas presentes no disco. Grandes clássicos da lavra deste artista que é considerado um dos ícones da Bossa Nova estão presentes no disco como é o caso de suas parcerias com o saudoso Ronaldo Bôscoli, o parceiro mais relevante em sua carreira como compositor. Da dupla há faixas como a densa "A morte de um Deus de sal" (que permite-se enternecer-se através da voz da cantora), "Vagamente", a sempre emocionante "Você" (em duo com o homenageado), "O barquinho" (faixa detentora de inúmeras versões e que aqui ganha mais um antológico registro), "Copacabana de sempre"; Ainda da dupla Bôscoli-Menescal há as faixas "Rio" (que aqui ganha através da artista pernambucana esfuziante interpretação endossada por um arranjo idem) e "Nós e o mar(que aqui recebe garboso tratamento através de belíssimo arranjo new age), ambas presentes no LP "A Bossa Nova De Roberto Menescal E Seu Conjunto", primeiro da carreira de Menescal (antes do artista havia gravado um compacto simples). O disco ainda conta com outros relevantes parceiros de Menescal como é o caso de Chico Buarque, que assina "Bye Bye Brasil", canção composta para o longa-metragem homônimo lançado em 1979 e dirigido por Cacá Diegues; o multifacetado Oswaldo Montenegro (que assina "Eu canto meu blues"); Rosália de Souza (que assina "Agarradinhos"); Lula Freire (com "Vai de vez") e Wanda Sá (que assina a "Ninguém", faixa mais intimista do disco). O disco ainda conta com a faixa "Solidão nunca mais",  parceria entre o homenageado e a homenageante e "P'ru Zé" (faixa instrumental composta e executada exclusivamente por Menescal).

Em sua ficha técnica, "Bossa de alma nova" tem sua capa e fotografias assinadas por Sávio Figueiredo. Na tessitura sonora o disco conta com as presenças do próprio homenageado na direção de produção, arranjos, violão, guitarra e voz; o baixo de Marcio Menescal, a percussão de Reginaldo Vargas, a bateria de Raymundo Bittencourt e a voz de Andrea Amorim que mostra-se bastante segura neste tributo em que o rock deságua no mar da bossa nova e deixa-se emergir por belas letras e melodias através da voz de uma artista que foge do convencional a começar por suas inúmeras tatuagens ao longo de todo o corpo. Ao apresentar suas afinadas e delicadas interpretações, a artista permite-se destoar de sua aparente agressividade estética através dos mais distintos adjetivos neste projeto que trata-se não apenas de uma homenagem de  roqueira pernambucana a um dos mais relevantes nomes da Bossa Nova ainda vivo pela passagem dos  seus 75 anos de vida, mas também um dos mais relevantes álbuns do gênero que chegou as lojas nos últimos anos, a julgar pelo registrado no livro “A verdadeira história da Bossa Nova”, do japonês Willie Whopper, que o classifica entre os cem melhores discos de Música Brasileira já lançados no Japão.

De modo bastante harmonioso, o banquinho e o violão de Roberto Menescal ganha novos ares na voz dessa jovem e promissora cantora e compositora. Andrea Amorim ao dar vazão ao seu lado intérprete apresenta também uma nova e delicada faceta do ofício que abraçou. Bem situada no universo do rock a artista mostra que é capaz de superar desafios não apenas ao interpretar composições da lavra de um dos maiores nomes da música popular brasileira, mas principalmente ao apresentar suaves interpretações de um gênero musical brasileiro tão bem conceituado mundo afora. Seu canto mostra uma nova maneira de regozijar a tão notória e celebrada bossa abrindo as mais distintas portas para esta artista que coincidentemente nasceu no mesmo município de Dominguinhos, um dos mais expressivos artistas brasileiro falecido em julho de 2013. O banquinho e o violão tão difundido por Menescal ao longo de toda a sua carreira agora ganha a adesão de uma artista de alma e aparência roqueira e que foge dos estereótipos das convencionais cantoras bossanovistas. A cantora e compositora mostra de modo pleno que foi capaz de deixar-se renovar, refletindo em seu canto agreste um lindo litoral repleto de sol, mar e poesia somente possível através deste gênero de profícua beleza. Quando questionada sobre o assunto costuma dizer: “Roberto Menescal me lapidou e a bossa nova me ensinou a cantar.

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