Após lançar dois álbuns e um single com excelente acolhida do público e da crítica, a curitibana Thaís Gulin concentra agora energias na criação de canções de seu terceiro trabalho e vive um processo bastante particular de silêncio e recolhimento
Por Adriana Paiva
Ao descobrir-se mais introvertida do que acreditava, Thaís Gulin não sente culpa por se isolar. E diz entender que essa não é uma necessidade nova, mas que se insinuava desde a época em que lançou seus dois primeiros álbuns, embora tenha se acentuado bastante de um ano para cá. “No primeiro disco foi assim também, embora tenha sido o processo menos calado. Mas, no terceiro, isso está ainda mais forte que no segundo”, diz. “Quase não saio e acho que vou ficar cada vez mais quieta.”
Foi em meio a essas reflexões que a artista concluiu que não fazia mais sentido voltar esforços à produção do DVD que reuniria os trabalhos lançados até aqui, algo que ainda estava em seus planos no ano passado. O hiato entre o disco de estreia Thaís Gulin, de 2007, e ôÔÔôôÔôÔ, de 2011, deu margem a uma urgência criativa e também a um reajuste de curso. “Normalmente, o DVD é lançado logo em seguida ao CD. Acho que não sabia disso antes”, justifica. “Estou aprendendo tudo na prática: o tempo das coisas, o tempo do mercado.”
Até o dia em que Thaís concedeu esta entrevista, em seu apartamento, na Gávea, eram cinco as canções prontas. Todas com letra e música de sua autoria. O que não significa que, para esse futuro álbum, ela descarte a possibilidade de parcerias. Alguns convites já foram feitos e a ideia é, inclusive, repetir colaborações experimentadas nos trabalhos anteriores, como a com o carioca Rodrigo Bittencourt. Outra parceria já divulgada é com o músico pernambucano China. “Eles mandaram músicas lindas. Mas aí entrei nesse processo de ficar muito, muito quieta, sabe?”
NO RIO E PELO MUNDO
Thaís é capaz de discorrer com igual fluência tanto sobre as maravilhas quanto sobre as mazelas do Rio de Janeiro, cidade homenageada em seu segundo disco. Mas ela, que já morou na França, na Bélgica e na Inglaterra, diz não se conceber mais vivendo em outro lugar que não aqui. O sotaque de sua Curitiba natal e a pele muito alva desfazem, no entanto, qualquer possibilidade de a artista ter assumido a imagem típica da garota carioca ao longo dos 11 anos na cidade. No Rio, a cantora continua não sendo dada a frequentar praias. E já não era na época em que morava no Leblon, a poucos metros do mar. “Eu era mais bronzeada quando morava em Curitiba”, diz, sorrindo. E essa, ela assegura, não foi uma mudança que tenha ocorrido em função do assédio dos paparazzi. Observado, sobretudo, após o namoro com Chico Buarque, iniciado em 2009. Desse assunto, aliás, Thaís continua se esquivando com a mesma veemência de sempre. Mas não sem alguma dose de humor. Tendo sido fotografada ao lado do cantor em diversas ocasiões, é às gargalhadas que ela diz não saber se algum paparazzo também chegou a fotografá-la em uma de suas raras incursões pelas praias do Rio.
Na cidade, a cantora estabeleceu uma rotina cujo foco principal está em compor para o próximo disco. E uma das atividades que lhe têm sido fundamentais nesse processo é a meditação transcendental. “Já faço há seis anos. Acordo, medito, tomo um café e começo a trabalhar”, conta. “Isso abre um canal e você fica muito em contato consigo mesma. É maravilhoso!” Outro hábito diligentemente cultivado é o da leitura. No momento, Thaís mergulha em sugestões bibliográficas do músico Jorge Mautner, a quem ela recebeu como convidado na série de shows que realizou, em maio passado, na Caixa Cultural Rio (participação que volta a se repetir na Caixa Cultural Brasília, nos dias 24 e 25 deste mês). Interlocutor frequente da artista há algum tempo, Mautner indicou-lhe a leitura de China tropical, reunião de artigos de Gilberto Freyre sobre a influência do Oriente na cultura brasileira, e os três volumes de História das crenças e das ideias religiosas, do romeno Mircea Eliade.
Na esteira de um intercâmbio tão profícuo, é bastante provável que o próximo disco também venha a ter algo da lavra do amigo. “O Mautner é incrível. Ele é sabido, mas também é solto e muito livre; um poeta”, elogia, entregando em seguida: “Combinamos de fazer uma música juntos”.
HÁBITOS E CRENÇAS
Embora religiões frequentem o universo de interesses da cantora, ela diz não professar nenhuma doutrina em especial. Ainda antes de completar 20 anos e concluir a graduação em Administração de Empresas, na PUC-PR, Thaís chegou a pensar em cursar Teologia. Mas como seu interesse era, sobretudo, conhecer outros costumes e crenças, alguém na universidade sugeriu-lhe que talvez fosse mais apropriado estudar Sociologia. Desde então, certa busca por sentido, nos pequenos e grandes fatos da vida, a tem movido. “Quando viajei para a Tailândia, dois anos atrás, estive em vários templos. Acho tudo muito bonito e a energia é diferente. Como é lindo ter esse convento aqui perto [de casa] ou o Candomblé, que já fui ver algumas vezes. Mas não que eu tenha um credo específico.”
Nessa fase de energias voltadas à criação e de sensibilidade especialmente aguçada, outro hábito que Thaís faz questão de manter é o de deitar com um caderninho ao lado da cama. Na verdade, o método, trazido da época em que trabalhou com o diretor Augusto Boal, passou por adaptações depois que ela teve seguidas noites de sono comprometidas. “Eu ficava sempre ligada e aquilo me deu muita insônia.” Mas a cantora encontrou alternativas para registrar as ideias que afluem enquanto ainda está na cama. “Tenho sonhado muito com música”, revela. “Às vezes, sonho com uma melodia, aí, levanto e gravo no celular. Dia desses, no aparelho em que fui gravar, a memória estava cheia. Precisava voltar a dormir, mas, antes, queria registrar aquela ideia. Aí, levantei e gravei no GarageBand [software da Apple]. Depois, descobri que não tinha gravado nada.”
Algo que se infere logo nos primeiros minutos de uma conversa com a cantora é o quanto tecnologia e internet estão presentes no seu dia a dia. Duas das redes sociais em que ela tem sido mais assídua, ultimamente, são o Facebook e o Instagram. Foi acessando este último, a propósito, que ela descobriu o mural grafitado que seria um dos cenários das fotografias que ilustram esta matéria – não tivesse a arte recebido, na véspera, uma imprevista camada de tinta branca.
Para ela, a rede, além de eliminar a necessidade de o artista estar em tantos lugares, tem funcionado como um eficiente canal para divulgação de seu trabalho, aqui e no exterior. Ela corrobora a impressão com o exemplo de show feito, em outubro passado, na Casa de América, em Madri. Assim que chegou ao teatro, Thaís, que não tem disco lançado na Espanha, diz ter ficado imediatamente apreensiva frente ao tamanho do lugar. “A gente vinha de shows em um país por dia e não tinha parada para descanso. Ia passando o som e pensando, exausta: putz, é grande, né?” Preocupação que, no final, se mostrou infundada, uma vez que, minutos antes de o espetáculo começar, a fila na bilheteria já dava volta no quarteirão e muita gente teve que voltar para casa. Da Espanha à Alemanha, o mesmo afluxo de público se repetiu em todas as casas onde a turnê aportou. E a cantora não hesita ao atribuir tamanho sucesso também à sua presença nas redes sociais.
Com shows agendados em algumas capitais brasileiras até setembro, a curitibana cogita voltar à Europa antes do final do ano, mas com objetivos diferentes dos habituais. Na Inglaterra, ela fará um novo curso de teatro e, em Paris, uma oficina de canção francesa. “Não para escrever música em francês, mas para me divertir um pouco, limpar a cabeça”, adianta. “Também vou usar esse tempo fora para terminar as músicas. Rendo muito mais quando estou viajando.”
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