“Eu não tenho nada com o ambiente artístico brasileiro. Eu não sou músico, não sou compositor, não sou cantor, não sou nada. Eu sou boêmio” dizia o artista que este ano completaria cem anos
Por Ricardo Meira
Por Ricardo Meira
Foi com essas palavras que o compositor Lupicínio Rodrigues se definiu em uma entrevista ao jornal "O Pasquim" , realizada nos anos 70 (Edição N.I 225 - 23 a 29-10-73). A declaração está em parte correta. Como cantor não era dos melhores - a voz era pequena e limitada, mas como compositor, foi um dos melhores do Brasil. Portanto, há de se atribuir a auto-avaliação ao excesso de modéstia do gaucho. Realmente, ele era boêmio e a vida de boêmia lhe propiciou os argumentos de muitas das suas composições.Talvez esteja aí o elo para seu orgulho em se confessar apenas um homem da noite. Foram vários casos amorosos seguidos de desilusões que se transformaram em inspiração para muitas de suas músicas de sucesso.Lupicínio era um mestre em tranformar suas agruras amorosas e fatos do cotidiano em belas música. Sobre esse assunto ele declarou na mesma entrevista:
“Meu camarada, eu realmente tive muitas namoradas na minha vida. Umas me fizeram bem, outras me fizeram mal. As que me fizeram mal foram as que mais dinheiro me deram”- disse, se referindo à inspiração para as músicas -“porque as que me fizeram bem eu esqueci”. Complementou.
A mulata Iná foi foi seu primeiro amor e a primeira desilusão. Ele a conheceu quando tinha apenas 17 anos e, aos 22, ao ser abandonado, compôs "Nervos de Aço”. Jairo Severiano e Zuza Homem de Melo, no livro “A Canção no Tempo” esclarece a razão do abandono: “o poeta prometia, mas não se decidia a casar...”. Para Iná, o gaucho escreveu também "Zé Ponte", "Xote da Felicidade" e outras que não cita na entrevista.
A música "Vingança" foi outro desses casos baseado em fato real. A mulher, uma carioca, chamada Mercedes, viveu com o compositor por seis anos e depois tentou traí-lo com um garoto de 16 ou 17 anos que era seu empregado. Alertado pelo garoto sobre a tentativa de traição, Lupicínio abandonou a moça e empreendeu sua “vingança” poética. Indagado sobre como veio a inspiração, o compositor declarou:
“Era época do carnaval, ela endoidou. Botou um “Dominó". "Dominó” é aquela fantasia preta, que cobre tudo. No carnaval, feito louca foi me procurar. Uma certa madrugada, ela, num fogo danado - parece que deu fome - entrou num bar onde a gente costumava comer. Foi obrigada a tirar o "Dominó” pra comer, e o pessoal a reconheceu. Perguntaram - “Ué, Carioca, que você está fazendo aqui a essa hora”? Cadê o Lupi?" Ela sozinha.” E continuou: “Ai ela começou a chorar. Eu estava num restaurante do outro lado. Uns amigos chegaram e me disseram: encontramos a Carioca vestida de "Dominó”, num fogo tremendo. Começou a chorar e perguntar por ti. O que que houve, vocês estão brigados?" Aí foi que eu fiz o "Vingança". Na mesma hora comecei, saiu (canta) "Gostei tanto, tanto, quando me contaram ... ".
Tempos depois, em uma crônica escrita para o jornal última Hora, em 1963, justificou a dureza dos versos: “nunca se está livre de ter, num momento de rancor, algum desejo de vingança”.
Existe muitas outras histórias para explicar outras músicas do nosso Rei da Dor de Cotovelo. “Se Acaso você Chegasse” um grande sucesso,composto em parceria com Felisberto Martins, em 1936, é outro caso de música baseada em um fato real, tendo como protagonista o artista e um amigo chamado Heitor Barros, de quem havia tomado a namorada, mas não queria perder a amizade. Também tem a história de "Esses moços", mas isso já e assunto para outro post.
Comento: Lupicínio Rodrigues (Porto Alegre, 16 de setembro de 1914 — Porto Alegre, 27 de agosto de 1974) era o quarto de 21 filhos. Um raro caso de sucesso fora do eixo Rio São Paulo. Nunca deixou sua Porto Alegre querida. Proprietário de restaurantes, costumava receber amigos e artistas, como Jamelão, para canjas nas intermináveis madrugadas frias da capital do Rio Grande do Sul. Aos 12 anos, já fazia composição para os blocos carnavalescos de sua cidade. O grande compositor confessava que começou a cantar, lá pelo início da década de 1930, imitando Mário Reis. Declarou, certa vez, que o compositor Jourbert De Carvalho era o seu “professor de versos”.
Da lavra de Lupicínio saíram versos que ficaram eternos na música brasileira. Quem não se lembra de: “Se eles julgam que o futuro / só ao amor dessa vida conduz / saibam que deixam o céu por ser escuro / e vão ao inferno à procura da luz" ou “Ela nasceu com o destino da lua / pra todos que andam na rua / não vai viver só pra mim" e “É melhor brigar junto do que chorar separado”. Admirador de Jamelão, seu interprete preferido, foi gravado por um incontável número de intérpretes de peso.
Outra curiosidade sobre Lupicínio. São dele os conhecidos versos e a melodia do Hino do Grêmio de Porto Alegre: "Até a pé nos iremos / para o que der e vier. Mas o certo é que nós estaremos com o Grêmio onde o Grêmio estiver”.
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