terça-feira, 5 de maio de 2020

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Segundo álbum do cantor e compositor carioca, este disco homônimo completa 50 anos 

Por Luiz Américo Lisboa Junior

Tim Maia (1970)

A música americana por força da dominação capitalista dos Estados Unidos que impõe seu modelo cultural influenciou várias gerações de artistas em outros países sendo na maioria dos casos criticada pelos nacionalistas de plantão, os xenófobos que não admitiam e não admitem interferências externas na cultura pátria, buscando preservar suas raízes de uma influencia que a descaracterize. Em parte eles tem razão quando se vêem ameaçados pelo chamado imperialismo cultural que muitas vezes acaba impondo-se em detrimento da cultura nacional. A manutenção e a preservação cultural de uma nação deve ser buscada, mas também deve ser devidamente divulgada, senão a predominância do fator alienígena acabará sempre prevalecendo.

Por outro lado pode-se também manter uma relação de cumplicidade e troca de experiências interculturais, o que de certo modo é salutar, pois fortalece laços, expande e divulga a cultura dos países envolvidos e o que é mais importante assimila-se a essência do modelo e transforma-o num produto tipicamente nacional. No caso da música popular brasileira essa troca de experiências ou influencias como querem muitos, existiu sempre, porém, como colonizados sempre absorvemos mais dos americanos do que eles de nós, curvaram-se apenas com a Bossa Nova.

Convenhamos, porém, que a música norte americana apesar de sua hegemonia planetária não é tão ruim assim, contudo, como acontece com todos os povos tem também seus altos e baixos, lá com certeza existem os breganejos, os axés da vida, os forrós eróticos, os pagodeiros oxigenados etc... Sofrem como nós, contudo, como nós também, tem sua parcela de culpa por se deixarem levar por esse tipo de música (arg!), mas mesmo assim ainda cultuam seus verdadeiros valores, não nos esqueçamos que dos Estados Unidos sairam o jazz, o blues, o soul, o gospel, spirituals, além é claro, do rock and roll.

Aqui no Brasil a disseminação desses gêneros musicais influenciou uma grande quantidade de notáveis artistas, sejam compositores ou intérpretes, e também ajudou a criar um modelo nacional visto com olhares americanos, mas com um molho nacional tão característico que de ianque só tem a matriz, ou seja, a sua raiz primeira, os filhos e os netos já ganharam nacionalidade própria, são brasileiros legítimos, apenas descendentes de imigrantes musicais.

Quer um entre tantos exemplos, então vamos lá! Falemos do síndico Tim Maia que muito jovem se entusiasmou pela musica de cima do equador fazendo dela referencia para a maturação de seu som, que ocorreria no final dos anos sessenta. Fã incondicional do pop negro americano com destaque para Ray Charles que fundindo o gospel com o blues criou o soul music nos anos cinqüenta e de demais artistas que se notabilizariam na década seguinte como Stevie Wonder e os grupos The Suprems, Four Tops e muitos outros que esbanjavam brilho e talento no cenário internacional, sendo a maioria contratada da gravadora Motown cujos discos com seus intermináveis sucessos fizeram a cabeça de muita gente em vários países, era obvio, portanto, que acabassem desaguando por aqui, influenciando o jovem Tim Maia, aquele dentre os nossos artistas que mais se afinou com o modelo/gênero americano fundindo o soul music com o baião e outros ritmos brasileiros criando o soul brasileiro com um suinge próprio, e abrindo um mercado para outros artistas que aderiram a essa linha.

A culminância desse trabalho surge com a gravação de seu primeiro LP em 1970 que tinha apenas seu nome como título e na capa uma enorme foto sua como um grande cartão de apresentação. O repertório trazia canções que seriam consideradas clássicas como, Primavera e Eu amo você, de Genival Cassiano e Silvio Rochael, e Azul da cor do mar. O suingue e o vozeirão de Tim Maia agradaram em cheio, o LP ficou 24 semanas ininterruptas em primeiro lugar e foi elogiado pelos mais importantes críticos da época, inclusive os radicais emepebistas. A orquestra bem montada, a voz surgindo como um furacão, as belas melodias e os arranjos impecáveis deram a receita exata do sucesso. Surgia aí neste disco uma nova escola em nossa musica popular, aquela cuja assimilação estrangeira transformou-se num gênero brasileiro autentico. Com sua interpretação de Coroné Antonio Bento, de João do Vale e Luiz Wanderley e Padre Cícero em parceria com Cassiano, tínhamos finalmente o nosso Ray Charles do sertão ou a mistura perfeita de Luiz Gonzaga com James Brown.


Depois da gravação desse seu primeiro LP Tim Maia seguiu seu caminho realizando inúmeros outros trabalhos de sucesso, sendo criticado, aplaudido, polemizando, debochando dos puristas, rindo, cantando e deixando ecoar sua voz bem longe, a mesma voz que nos surpreendeu iniciando com firmeza sua trajetória quando éramos angustiados/alegres/perseguidos/felizes/infelizes e vivíamos a ilusão do pra frente Brasil! No meio da tormenta, entretanto ele surge avassalador deixando um rastro de talento e a certeza de que as influencias existem para serem nacionalizadas/reinterpretadas, porem, só quem tem pleno domínio de seu chão consegue tal proeza, ele tinha e o fez.


Itabuna, 17 de maio de 2005.


Músicas:
1) Coroné Antonio Bento (João do Vale/Luiz Wanderley)
2) Cristina (Carlos Imperial/Tim Maia)
3) Jurema (Tim Maia)
4) Padre Cícero (Tim Maia/Genival Cassiano)
5) Flamengo (Tim Maia)
6) Você fingiu (Genival Cassiano)
7) Eu amo você (Genival Cassiano/Silvio Rochael)
8) Primavera (Genival Cassiano/Silvio Rochael)
9) Risos (Fabio/Paulo Imperial)
10) Azul da cor do mar (Tim Maia)
11) Cristina nº. 2 (Carlos Imperial/Tim Maia)
12) Tributo a Booker Pitman (Cláudio Roditi)

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