quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

GORDURINHA, 50 ANOS DE SAUDADES

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Biografia

Waldeck Artur de Macedo, "Gordurinha" (Salvador, Bahia, 1922 - Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, 1969). Compositor, cantor, radialista e humorista. Aprende a tocar violão aos 16 anos. Aos 18, canta músicas de sua autoria no programa de calouros Caídos do Céu, da Rádio Sociedade da Bahia. Apresenta programas nas rádios Recife e Tamandaré, em Pernambuco, em 1951. Muda-se no ano seguinte para o Rio de Janeiro, e trabalha em diversas emissoras de rádio. Em 1954, tem sua primeira composição gravada por Jorge Veiga, o baião Quero Me Casar, e a dupla Venâncio e Corumba interpreta Cadeia da Vila, de sua autoria.

Gordurinha estreia em 1955 com a gravação, pelo selo Continental, de duas canções voltadas para o Carnaval do ano seguinte: Sonhei com Você, de Roberto Martins e Mário Vieira; e Soldado da Rainha, marcha que assina com João Grimaldi e interpreta em duo vocal com Leo Vilar e acompanhamento de Severino Araújo (1917-2012) e Orquestra Tabajara. Em 1957, comanda o programa Varandão da Casa Grande, na Rádio Nacional, e, em 1958, produz Café sem Concerto e Boate Ali Babá, respectivamente na Rádio Tupi e na TV Tupi. No ano seguinte, lança Vendedor de Caranguejo, que faz sucesso com Ary Lobo, regravada por Clara Nunes (1943-1983) e Gilberto Gil (1942).

Compõe com José Gomes (1919-1982), verdadeiro nome de Jackson do Pandeiro, sua canção célebre, o samba Chiclete com Banana, em 1958, lançada nesse mesmo ano por Odete Amaral, mulher do cantor Ciro Monteiro, e, posteriormente, pelo próprio Jackson do Pandeiro. Ela origina, em 1968, montagem dirigida por Augusto Boal, no Teatro de Arena de São Paulo, que aborda as relações históricas da música brasileira no exterior e da estrangeira no Brasil. É redescoberta pelo público com Gilberto Gil, no LP Expresso 2222, de 1972. Também dá nome à tira em quadrinhos do cartunista Angeli (1956) e à banda baiana de axé music, ambas formadas nos anos 1980. É citada por Marcelo D2 (1967) na música A Maldição do Samba, de 2003.

Ainda em 1959, Gordurinha faz sucesso como intérprete de outra canção autoral, Baiano Burro Nasce Morto, cujo título vira bordão popular. Ele a grava com a participação do humorista Mário Tupinambá, que faz um personagem na televisão em que interpreta um deputado baiano que adora longos discursos, como faz no disco. A música também faz sucesso com o alagoano Luiz Wanderley, em 1959. É regravada por Moraes Moreira (1947), em 2000. Em 1960, interpreta o baião-toada Súplica Cearense (parceria com Nelinho), sucesso na voz de Merino Silva (1967), Luiz Gonzaga (1912-1989), Fagner (1949), Elba Ramalho (1951) e gravada pelo conjunto O Rappa. Entre diversos compactos, Gordurinha lança quatro LPs na década de 1960.

Morre no início de 1969, no Rio de Janeiro. Nesse ano, é lançado pela Musicolor o disco póstumo Gordurinha. Em 1999, com patrocínio do governo do estado e lançamento da Warner Music, o selo Sons da Bahia grava A Confraria do Gordurinha, com 16 faixas de sua autoria, interpretadas por Gilberto Gil, Marta Millani e o conjunto Confraria da Bazófia. No mesmo ano, Carmélia Alves, a rainha do baião, grava pelo selo CPC-Umes o disco Carmélia Alves Abraça Gordurinha e Jackson do Pandeiro. Em 2000, a Warner Music lança, pela série Enciclopédia Musical Brasileira, o CD Jackson do Pandeiro e Gordurinha, que intercala faixas interpretadas por cada um, com composições próprias e de outros autores.


Análise

Cronista perspicaz dos costumes e questões culturais e sociais de seu tempo, Gordurinha (Waldeck Artur de Macedo), navega com desenvoltura por diversas temáticas e estilos musicais. É autor de melodias de gêneros nordestinos, como o coco e o baião. Essas canções têm usualmente como pano de fundo a cultura nordestina e seus dilemas sociais, expressos por meio de um personagem forjado no vasto repertório de seus tipos populares. Gordurinha elabora letras que captam a psicologia e o linguajar coloquial do universo retratado, interpretando as dicções regionais.

Em Súplica Cearense, um baião-toada, se vale de um fato verídico ocorrido no sertão cearense, uma cheia provocada por uma enxurrada que se seguiu à costumeira seca na região, para problematizar a relação do sertanejo com seu meio e Deus. Um personagem perplexo com tal sucessão de intempéries faz uma prece amargurada em forma de penitência: "Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho / Pedi pra chover, mas chover de mansinho / Pra ver se nascia uma planta no chão / Meu Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe / Eu acho que a culpa foi desse pobre que nem sabe fazer oração". Outra canção que envereda pela crônica de costumes é o coco Vendedor de Caranguejo ("Caranguejo uçá, Caranguejo uçá / Apanho ele na lama e trago no meu caçuá"), em que um personagem humilde narra que sustenta seus filhos com essa sua profissão, que não pretende abandoná-la mesmo depois de vê-los educados, encaminhados e com "fama" na vida. Essa canção é tida como uma precursora do movimento manguebeat do Recife, nascido nos anos 1990, que incorpora o coco e o tema do mangue.

Em Baianada, Baiano Não É Palhaço e Baiano Burro Nasce Morto, Gordurinha combate o preconceito ao nordestino que detecta no Rio de Janeiro com a construção de personagens pitorescos, orgulhosos de sua origem. O baião Baiano Burro Nasce Morto tem a introdução com esquetes de piadas sobre baianos recitados pelo próprio Gordurinha, que atua como comediante em circo e rádio no início da carreira; as piadas são contrapostas pelo bordão do refrão ("Pau que nasce torto, não tem jeito morre torto / Baiano burro, garanto que nasce morto") e pelos elogios espirituosos que o narrador faz de seus conterrâneos, com direito a citação de baianos ilustres: o poeta Castro Alves (1847-1871), o bacharel Rui Barbosa e a miss Brasil Marta Rocha.

Também é autor de diversos sambas e marchinhas carnavalescas, que não se prendem a temas regionais, e até de uma Bossa Quase Nova, de1961. Sua canção mais conhecida e influente é o samba Chiclete com Banana, composto em parceria com Jackson do Pandeiro. O mote da crítica à influência da cultura norte-americana sobre a brasileira ganha ressonância nas insuspeitadas aproximações que o compositor cria ao estabelecer condições de reciprocidade para sua rendição: "Só ponho bebop no meu samba / Quando o Tio Sam pegar no tamborim / Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba / (...) / Aí eu vou misturar Miami com Copacabana". Mas ele se trai no refrão quando adianta uma adesão hipotética da música norte-americana à brasileira, já aderindo à música norte-americana: faz scat com a palavra bebop, o ritmo norte-americano do momento; enuncia o bordão "quero ver a grande confusão", que preconiza a fusão entre os estilos musicais dos dois países; e sugere o termo "samba-rock" para denominar um tipo de samba com influências roqueiras. Não é à toa que a música faz sucesso na voz do tropicalista Gilberto Gil, em 1972.

Gordurinha também funde ritmos brasileiros à latinidade da rumba, do mambo e do chá-chá-chá, em arranjos de orquestra, como em Um Calo Só (1962), com acento da rumba; e a interpretação de Mambo da Cantareira (1960) e Copacabana Mambo (1961), ambas de Barbosa da Silva e Eloide Warthon, cuja regravação de Jards Macalé (1943) nomeia um de seus discos, com o verso "Vou aprender a nadar", em 1974. Esse LP traz outro sucesso de Gordurinha, Orora Analfabeta (com Nascimento Gomes), gravado inicialmente por Jorge Veiga, em 1959.


Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural

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