sábado, 5 de setembro de 2020

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Autor de inúmeras canções que caíram no gosto popular, Lamartine tem parte dessa obra em coletânea temática lançada a exatos 65 anos atrás

Por Luiz Américo Lisboa Junior

Carnaval de Lamartine Babo (1955)

Os termos saudosismo e saudosista dizem respeito à melancolia que nos ataca quando nos lembramos de algum acontecimento passado no qual tivemos ou não uma participação ativa, mas que de alguma forma vivenciamos em função da contemporaneidade do tempo em que ele se realizou. Assim as pessoas vão vivendo, recordando muitas vezes suas memórias aludindo-as a uma época que “não volta mais” e reafirmando algumas máximas como, “tempos áureos aqueles”, “antigamente as coisas eram bem diferentes para melhor”, “recordar é viver” etc. Realmente a criatura humana quando vê se aproximar a idade é atacado por um tipo de sentimento que os remete a mocidade, principalmente quando verifica que as mudanças que ocorreram no universo a sua volta para ele foram importantes como espectador do desenvolvimento mas inferior no sentido da qualidade de vida, na espontaneidade, na preservação e manutenção de valores que na maioria das vezes encontra dificuldades de serem assimilados pelos novos costumes fundamentados na correria do trabalho e do consumo. Parece que as pessoas perderam a capacidade de sonhar, de olhar para o lado e perceber o outro, de manter e cultivar o lado lúdico da vida, em suma de ser feliz sem a necessidade visceral de buscá-la unicamente nos prazeres materiais, mas sim, nas coisas simples da vida, vivenciando cada minuto de modo muito especial não se deixando contaminar pelo lado obscuro da existência apesar de saber que ele existe.

Nessa conjectura voltar ao passado acaba tornando-se algo muito prazeroso porque é o momento do reencontro com nossas fantasias, alegrias, prazeres, ou ate mesmo melancolias guardadas na memória, mas que acabam por se tornar fundamentais para uma boa reflexão sobre a existência fazendo um balanço das realizações e do que ainda se pode realizar, assim, o passado revive em cada um de nos e torna-se presença constante na nossa vida presente ajudando-nos a sermos pessoas cada vez melhores na direção do futuro.

Agora, pode um homem com apenas 51 anos de idade já ter lembranças suficientes que o remetam a um sentido nostálgico muito profundo e ao mesmo tempo se regozije de sua atuação no presente vivendo com otimismo novos acontecimentos e fazendo planos? Claro que sim, e foi justamente com esse espírito que o notável compositor carioca Lamartine Babo, entrou no estúdio da gravadora Sinter em 1955 para gravar seu primeiro LP com as suas melhores produções carnavalescas. Àquela época ele já era um veterano, uma celebridade legítima da cultura brasileira, suas realizações no campo da musica popular já o tinham colocado na história de nossa canção, portanto, ser saudosista ou acometido de saudosismo na realização da gravação de seu disco era um comportamento muito natural.

O repertório é todo ele pautado na sua produção carnavalesca que compreende o período de 1932 a 1939, época em que reinou quase que absoluto, produzindo clássicos de nosso cancioneiro ate hoje lembrados. La estão musicas imortais como, Rasguei a minha fantasia, Marcha do amor, Ride palhaço, Hino do carnaval brasileiro, Linda morena, História do Brasil, O teu cabelo não nega, parceria com os Irmãos Valença, Marchinha do grande galo, com Paulo Barbosa, Uma andorinha não faz verão, com João de Barro, Grau dez, com Ary Barroso, Aí, hein!, e Boa bola, parceria com Paulo Valença e Moleque indigesto, todas essas marchas fizeram a história do carnaval brasileiro na década de trinta sendo gravadas na ocasião por intérpretes do quilate de Francisco Alves, Mario Reis, Carmen Miranda, Almirante, Castro Barbosa e pelo próprio Lamartine Babo. Ao receber o convite para gravar o disco Lamartine sentiu-se lisonjeado e pode reencontrar-se com seu passado tendo a percepção exata de sua importância para a musica popular e a cultura brasileira.

Acompanhado por uma orquestra sob a direção de Lírio Panicalli o maestro cuidou que a produção do disco revivesse a vibração dos grandes bailes carnavalescos que abrilhantavam as festas de Momo, portanto, este LP hoje histórico, nos revela uma parcela significativa e muito importante com instantes mágicos de nossa produção musical revelando aos mais jovens uma época em que o carnaval valia-se da espontaneidade, longe da comercialização desenfreada que o contaminou já há algum tempo. É como diz Lamartine Babo na contra-capa: “O resto agora ficará por conta dos saudosistas. E eu agradeço a tudo que fizeram por mim, levando um pouco de mim mesmo para as suas discotecas, caso eu mereça tanta distinção”. Pois é Lalá, a modéstia é um atributo que só os grandes homens possuem!

Neste disco temos a verdadeira alma de nossa gente, o espírito brincalhão e zombeteiro que nos caracteriza e que foi captado com maestria por um gênio da raça, Lamartine Babo, atemporal, imortal e fundamental. Acho que ele acharia essas rimas finais muito fraquinhas!

Em tempo, a capa é do caricaturista Lan.

Itabuna, 6 de abril de 2005.


Músicas:
1) Carnaval Brasil ou Hino do carnaval brasileiro (Lamartine Babo)
2) Aí hein! (Lamartine Babo/Paulo Valença)
3) Uma andorinha não faz verão (Lamartine Babo/João de Barro)
4) Rasguei minha fantasia (Lamartine Babo)
5) Boa bola (Lamartine Babo/Paulo Valença)
6) Moleque indigesto (Lamartine Babo)
7) Ride palhaço (Lamartine Babo)
8) O teu cabelo não nega (Lamartine Babo/Irmãos Valença)
9) História do Brasil (Lamartine Babo)
10) Linda morena (Lamartine Babo)
11) Marchinha do grande galo (Lamartine Babo/Paulo Barbosa)
12) Marcha do amor (Lamartine Babo)
13) Grau dez (Lamartine Babo/Ary Barroso)

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