sábado, 26 de setembro de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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Chico Buarque

“Vem que passa
teu sofrer
se todo mundo sambasse
seria tão fácil viver...”
CHICO BUARQUE, “Tem mais samba”


Filho do historiador Sérgio Buarque de Hollanda – um papa do pensamento moderno no Brasil –, o carioca Francisco Buarque de Hollanda é um dos mais importantes compositores da música popular brasileira de todos os tempos.
Criado em ambiente musical, com mãe pianista e duas irmãs (Miúcha e Cristina) que viriam a ser cantoras, o menino Chico Buarque conhecia, sem sair de casa, os mais relevantes músicos da época, e também nomes como o do poeta Vinicius de Moraes, amigo de seu pai.
A música de Chico Buarque sofre influência de duas linhas musicais. Segundo o próprio compositor, dois personagens fizeram as bossas novas de seus tempos: Ismael Silva e João Gilberto. Ele mesmo afirmou a importância do samba e de João Gilberto em sua formação: “É certo que se deve romper com as estruturas. Mas a música brasileira, ao contrário de outras artes, já traz dentro de si os elementos de renovação. Não se trata de defender tradição, família ou propriedade de ninguém. Mas foi com o samba que João Gilberto rompeu as estruturas de nossa canção.”
Mirando-se nessas sólidas referências da música brasileira, Chico releu, atualizou e dinamizou grande parte dos estilos do nosso cancioneiro, como a modinha (“Até pensei”), o choro (“Um chorinho”), a seresta (“Olé, Olá”), a marcha-rancho (“Noite dos mascarados”), a canção (“Carolina” e “Januária”) e o samba. Na realidade, se separarmos a produção de samba do resto da monumental obra de Chico, veremos que ele é um dos maiores sambistas da história: “Juca”, “Ela desatinou”, “Tem mais samba”, “Com açúcar, com afeto”, “A Rita”, “Vai passar”, entre tantos outros.


O pensamento brasileiro

O historiador Sérgio Buarque de Hollanda foi, ao lado do sociólogo Gilberto Freyre e do economista Caio Prado Júnior, o fundador do moderno pensamento social brasileiro. Essa nova intelligentsia estava preocupada em entender profundamente o Brasil e criou conceitos que são utilizados até hoje em estudos sobre nossa realidade.
O pernambucano Gilberto Frey re encontrou na mestiçagem de nossa sociedade o caminho para entender as nossas peculiaridades; já o paulista Sérgio Buarque de Hollanda utilizou o termo “homem cordial” para caracterizar uma sociedade que privilegia as relações pessoais, afetando com isso diretamente a noção de coisa pública; o historiador Caio Prado Júnior construiu uma interpretação marxista do processo de desenvolvimento socioeconômico brasileiro, ressaltando os conflitos de classe e a desigualdade social como resultados do modo de produção capitalista. 
Esses pensadores, aqui destacados de outros modernos da época, aproximaram-se muito do universo popular da música brasileira. Conviviam lado a lado com os criadores do nosso cancioneiro. Assim nos relata Gilberto Freyre em seu diário, quando veio ao Rio de Janeiro pela primeira vez: “Sérgio [Buarque de Hollanda] e Prudente [de Morais Neto] conhecem de fato literatura inglesa moderna, além da francesa. Ótimos. Com eles saí de noite boemiamente. Também com Villa-Lobos e Gallet. Fomos juntos a uma noitada de violão, com alguma cachaça e com os brasileiríssimos Pixinguinha, Patrício [Teixeira], Donga.”
Sua música pode ser dividida em duas fases: a primeira mais nostálgica, e a segunda em que o poeta, mais maduro na construção literária e na linha melódica, trabalha com uma visão mais complexa da realidade brasileira.
As primeiras gravações de Chico foram em 1965, num compacto simples com as composições “Olé, olá” e “Madalena foi pro mar”. Mas ele estourou mesmo com “A banda”, terna criação que mobilizou o país inteiro após ser apresentada no II Festival de Música Popular Brasileira, em 1966, e empatar na primeira colocação com “Disparada”, de Geraldo Vandré e Theo de Barros. “A banda” fez tanto sucesso no exterior que acabou por fazer parte do repertório da Band of Irish Guards, nas cerimônias de troca de guarda da Rainha da Inglaterra. No mesmo ano, o compositor lançou seu primeiro LP, Chico Buarque de Hollanda, e consolidou-se nacionalmente, tornando-se, segundo o cartunista Millôr Fernandes, “a única unanimidade nacional”. Lá estavam as composições “Tem mais samba”, “A Rita”, “Pedro Pedreiro”, “Amanhã, ninguém sabe”, “Você não ouviu”, “Olé, olá” e “Sonho de um carnaval”, além de “A banda”.
Com o lançamento da peça Roda Viva, em que denunciava as engrenagens que envolviam um artista de televisão, o compositor consolidou um ciclo de questionamentos sociais e políticos em sua carreira, o que acabaria levando-o ao exílio no fim da década de 1960, quando a ditadura militar entrava em seu auge. Seu retorno em 1970 intensifica em sua obra os questionamentos acerca do contexto político e a busca pela liberdade de expressão. “Apesar de você”, “Geni e o zepelim” e “Cálice” são criações dessa época. Nesse momento, Chico precisou criar um pseudônimo, “Julinho da Adelaide”, para fugir das constantes proibições de suas letras pelos censores da ditadura.
A poesia musical de Chico tornou-se complexa, abordando tanto os temas políticos e sociais como os amorosos e os do cotidiano. “Construção”, “Almanaque”, “Brejo da Cruz”, “Vai passar” e “Piano em Mangueira” são exemplos de uma das mais perenes obras da música brasileira, que, por sua elaboração, representa a tradição de nossa melhor poesia.
Em 1998, Chico foi tema do enredo da sua Verde-e-rosa. O presente a ele conferido não poderia ser melhor, pois a Mangueira sagrou-se campeã coroando o poeta que canta o samba e o morro de Cartola e Carlos Cachaça como poucos. 
A criação artística de Chico Buarque foi além da música. Já tendo no currículo peças teatrais – destacamos Gota d’água e Ópera do malandro –, nosso multiartista virou uma referência também na literatura contemporânea, com os livros Estorvo e Budapeste, por exemplo.
Por falar em literatura, Chico, como compositor, colocou em prática a máxima do escritor argentino Jorge Luis Borges: “O bom autor é aquele que cria seus precursores.”



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