Praticamente ausente da programação televisiva e com pouco espaço nas ondas do rádio, a música instrumental brasileira não para de dar bons frutos como é o caso de "Solar", décimo primeiro álbum do músico carioca Alfredo Dias Gomes
Por Bruno Negromonte
A grande maioria das músicas executadas exaustivamente em nosso país através dos grandes canais midiáticos são de fácil, digamos, digestão. São projetos feitos para uma audição propositalmente superficial. Letras fáceis de refrão pegajoso são rotineiramente difundidas enquanto aquilo que de fato importa vai tornando-se pérola aos poucos que buscam para além do convencional. Paradoxalmente, enquanto a música instrumental segue margeada aos holofotes nacionais, mostra-se profícua e vem arrebatando plateias e mais plateias ao redor do planeta. Nomes como Egberto Gismonti, Spok e sua Frevo Orquestra, Hamilton de Holanda, Yamandú Costa e tantos outros são provas incontestes dessa afirmação. Antes destes, no rol dos grandes nomes, estão instrumentistas como Pixinguinha, Naná Vasconcelos, Dilermando Reis, Canhoto, Jacob do Bandolim, Raphael Rabello, Paulo Moura, Moacir Santos, Vítor Assis Brasil entre outros que fizeram escola e, mesmo sendo peculiar, conseguiram trilhar um caminho e abrir portas para outras relevantes figuras do cenário instrumental brasileiro contemporâneo como é o caso Alfredo Dias Gomes, artista que vem alargando as fronteiras entre os gêneros que constitui a sua obra. Universal, o baterista não se perde ao explorar os nuances e sutilezas que caracteriza cada uma das variações que o seu alargado talento é capaz de abranger. Sua música, seja ela autoral ou como intérprete, o permite pautar-se em uma perspectiva contemporânea, onde as distintas veredas musicais encontram-se para firmar-se em uma unidade coesa e original, produzindo assim uma música original que transcende qualquer tipo de rótulos que venham a sugerir.
Filho de dois ícones da teledramaturgia nacional (Janete Clair e Dias Gomes), o jovem preferiu seguir outro viés para dar vazão ao seu talento. Com pouco mais de quatro décadas de estrada, Alfredo Dias Gomes iniciou a sua carreira profissional com pé direito ao lado de um mais relevantes e conceituados instrumentistas brasileiro de todos os tempos: Hermeto Pascoal. Ao lado do "bruxo", o baterista então com 18 anos, gravou o disco "Cérebro Magnético" e participou de inúmeros shows, com destaque para o "II Festival de Jazz de São Paulo" e o "Rio Monterrey Festival". Ao lado de nomes como Ivan Lins, Lulu Santos, Ritchie, Kid Abelha, Sérgio Dias e outros substanciou a sua arte nos mais distintos gêneros que compõem a música popular brasileira. Já dentre os nomes que compõe o cenário instrumental brasileiro, Alfredo atuou ao lado de conceituados nomes como é o caso de Arthur Maia, Nico Assumpção, Ricardo Silveira, Victor Biglione, Torcuato Mariano dentre outros. Sem contar os projetos pessoais como o grupo Heróis da Resistência, que ao lado Leoni, Jorge Shy e Lulu Marti foi responsável por sucessos do rock nacional dos anos de 1980 como "Dublê de Corpo", "Só Pro Meu Prazer", "O Que Eu Sempre Quis" entre outros. A ideia de lançar-se em carreira solo começou a permear sua cabeça ainda na década de 1980 quando em 1985 lançou o single "Serviço Secreto". No entanto, só a partir da década seguinte o músico percebeu que já era hora de alçar esse vôo. Deste seu primeiro projeto solo que contou com a participação especial do Ivan Lins até os dias de hoje já soma-se 11 álbuns, dentre os quais, "Solar", seu mais recente projeto e que reitera a abrangência de sua sonoridade.
O disco abre com o baião "Viajante" (Alfredo Dias Gomes e Widor Santiago), faixa que faz jus ao nome ao imergir nos grotões que costuram a sonoridade brasileira. Composta em 1980, a canção foi feita sob encomenda da mãe, Janete Clair, para um personagem da novela "Coração Alado". Agora, depois de Dominguinhos a eternizar na trilha sonora televisiva, o autor a eterniza de modo instrumental. Na faixa é possível identificar da batida do maracatu às tradições musicais nordestinas, onde metais em consonância com outros instrumentos de sopro expõe toda a versatilidade que o título da canção sugere. Outra composição confeccionada para trilha sonora é “El Toreador”, feita em 1993 para a peça teatral de mesmo nome e que escrita por sua mãe, a canção traz como marca maior as influências hibéricas. A viagem segue com faixas como a que dá nome ao projeto e traz como relevante destaque o sax de Widor Santiago; composta em 7/4, “Solar” apresenta uma melodia caracterizada pela sonoridade que traduz a nossa música. Já "Corais" conflui com o sistema sensorial, onde a suavidade e a doçura permitem-se levar pela canção. O disco ainda apresenta faixas como “Trilhando”, “Smoky” e “Alta Tensão” e “Finale”, que é caracterizada pelo duo de bateria e sax em ritmo de samba. Apresentando em sua ficha técnica além de Alfredo Dias Gomes (Bateria, Teclados, composições e na produção), o nome de Widor Santiago que ficou responsável pelos sopros (Sax tenor, sax soprano e flauta), "Solar" foi gravado no próprio estúdio do artista, no Rio de Janeiro e mixado por Thiago Kropf e masterizado por Alex Gordon no Abbey Road Studios. 11º disco solo, "Solar" sucede o bem sucedido “Jam”.
Assim sendo, "Solar" apenas reitera um talento que vem sendo lapidado ao longo das últimas quatro décadas a partir de distintas experiências vivenciadas por Alfredo Dias Gomes, um músico imbuído de talento e por que não podemos dizer também resiliência, uma vez que sua música não faz concessão mercadológica. Talvez o músico siga à risca um preceito daquele que enxergou o seu potencial ainda na mais tenra idade, daquele que sempre buscou fazer músicas para além dos adjetivos e que é autor dessa antológica resposta quando foi questionado a respeito de música e mercado fonográfico: “Se as gravadoras não levam meu trabalho para as rádios, se ele não toca em nenhum lugar, para que eu faço música? Não tive e nem vou ter nenhum retorno financeiro por minha obra, mas meu prazer, minha alegria, continua sendo tocar. Por isso, as minhas músicas eu quero mais é que sejam pirateadas. Quero mais é que as pessoas toquem, ouçam, a conheçam. E, pra mim, quem reclama da pirataria é quem faz música apenas para vender. Meu valor não são as notas [de dinheiro]. São as notas musicais”.
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