A bailarina anunciou na noite desta terça-feira (26), a saída do Afoxé Oxum Pandá para os Filhos de Dandalunda. Conheça a trajetória
Por Samuel Calado
A artista anunciou a saída do Oxum Pandá após quase duas décadas de dedicação para participar do Afoxé Filhos de Dandalunda. Foto: Fernando Azevedo/Divulgação
Quem vê Joana D’arc Santana, de 41 anos, encantando multidões ao interpretar o orixá Oxum nos carnavais, não imagina a força e a representatividade que a artista tem. Ela é mãe, negra, bailarina e produtora cultural. Sua história está ligada diretamente a força das periferias e a divulgação da cultura afro. O sorriso no rosto e os movimentos milimetricamente planejados por ela, são executados com a expertise de quem divulga a beleza da religiosidade de matriz africana por três décadas.
A trajetória de Dadá começou bem cedo, no final da década de 1980, quando frequentava as aulas do Instituto Social Daruê Malungo, na Campina do Barreto, bairro onde nasceu, na Zona Norte do Recife. Lá ela aprendeu a dançar, a cantar e criar. “No Daruê eu descobri o que era a cultura conheci a força da minha ancestralidade”, revela. Foi naquele espaço que a artista se encontrou no universo artístico negro e aprendeu também a se defender das várias expressividades do preconceito.
Posterior à vivência no Daruê, Joana participou de outros grupos. No ano de 1999, integrou o corpo de balé do Afoxé Alafin Oyó, onde interpretou o orixá Iansã. Pouco tempo depois foi convidada para participar do Afoxé Oxum Pandá, onde vestiu a roupa do orixá regente por quase duas décadas e assumiu a diretoria do grupo. “No tempo em que estive no afoxé, busquei me dedicar ao máximo e defender a cultura negra com unhas e dentes. Acompanhei a transição de várias gerações ao longo desse tempo. Posso afirmar, sem sombra de dúvidas que o afoxé foi uma escolinha para mim”. Nesta terça-feira (26), Joana anunciou a saída do grupo à direção, que poucas horas depois, anunciou nas redes sociais a substituição da bailarina. Ela teve algumas participações especiais também nos Afoxés Omim Sabá e Omo Inã.
A notícia pegou alguns admiradores da bailarina de surpresa, principalmente aqueles que visitavam o Pátio do Terço no domingo de carnaval para vê-la dançar na Noite do Encontro de Afoxés. “Quem assiste Dadá fica emocionado. Ela parece a própria divindade africana das águas em terra”, relata o professor Júlio Fernando. A decisão de sair do quarto afoxé mais antigo de pernambuco para participar do Filhos de Dandalunda deu-se por questão religiosa. “Hoje estou seguindo um novo caminho. Eu fui feita por Pai Moacir de Angola e me entreguei de corpo e alma a minha ancestralidade. Quero seguir um afoxé que carrega a minha essência. Confesso que foi uma dor muito grande, pois lembrei de vários momentos que passei na antiga casa. Agora, quero alcançar voos maiores e novos desafios”, relatou.
Aos 41 anos de idade, Joana tem um currículo cultural que dispensa comentários. Foto: Divulgação
Uma coisa é certa: o brilho de Joana transcende os limites do afoxé. Os fãs e admiradores da artista poderão conferir a mesma essência ou até mais intensificada dentro do Afoxé Filhos de Dandalunda, que realiza um importante trabalho de promoção à cultura e a religiosidade afro em Pernambuco, entre eles, o Oscar da Cultura Negra, que tem a intenção de valorizar os artistas defensores da identidade africana no Brasil. “É uma grande honra receber Joana em nosso grupo. Ela que também é filha de santo da casa, agora está redescobrindo a essência e o encanto da religiosidade de matriz africana. Temos certeza que será muito feliz”, ressaltou o sacerdote Moacir de Angola, presidente do grupo.
O trabalho de Dadá é reconhecido dentro e fora do país. Somente no ano de 2012 ela produziu o espetáculo África em nós, que foi apresentado na Suécia e na Inglaterra. Em sua trajetória, produziu diversos trabalhos junto ao companhia de dança “Oxum Omim Neuá”, que coordena há mais de 15 anos. A artista é bastante engajada com as questões sociais. Atualmente, oferece atividades gratuitas de dança através do grupo Oxum Omim Neuá. Ela já foi homenageada pelo artista plástico Bóris no especial Mulheres Negras e recebeu das mãos dele uma tela, com valor incalculável, que tinha o seu rosto pintado. No final de 2018, foi agraciada com troféu Abebé de Prata, em reconhecimento ao envolvimento com a militância negra no estado.
Viver da cultura não é fácil. E, quando o assunto é a matriz africana, a dificuldade ganha outros reforços negativos, como por exemplo: o racismo e a intolerância religiosa. Neste cenário, vários artistas e grupos surgem como fortalezas para combater as discriminações. O sorriso e o brilho de Joana nas apresentações revelam a grandiosidade de sua força e forte representatividade. “Onde eu estiver, continuarei levando a minha essência e a força dos meus antepassados. A militância negra é uma questão de todos. Tenho muito orgulho em servir como representatividade e ter tantos admiradores”, disse.
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