quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O COMPOSITOR E A CORUJA

Por Bruno Negromonte


O título deste mal traçado artigo remete-nos aos nossos primeiros primeiros anos de nossa vida escolar, quando por intermédio da saudosa e tenra professora tínhamos a oportunidade de ler ou ouvir as curtas composições literárias onde os mais diversos animais protagonizavam histórias imbuídas de caráter educativo e quase sempre em analogia entre o cotidiano humano com as  vivenciadas pelas personagens e que sempre ao final da narrativa trazia alguma lição onde prevalecia a moral. No entanto, talvez nem Esopo, escravo da Grécia antiga a quem atribui-se oficialmente a criação de tal gênero literário, fosse capaz de mensurar que o título que aqui se encontra surgiu com o propósito de eternizar, de modo escrito, o imenso carinho e a mais singela cumplicidade existentes entre duas pessoas: a incondicional fã e um dos mais expressivos nomes da MPB de todos os tempos.

O início de tal fato ocorreu a exatamente dezessete anos atrás, quando em Aracaju, capital sergipana, o cantor, compositor e instrumentista Geraldo Azevedo apresentava mais um dos seus inesquecíveis shows... e este tinha uma razão a mais para tornar-se inesquecível para uma das centenas de pessoas presente naquela noite de música, poesia e intensa alegria: uma fã em especial levava uma pequena e singela peça artesanal a qual pretendia presentear seu ídolo ao final daquela apresentação. Tal objeto ganharia especial atenção do ídolo pois passaria a acompanhá-lo daquela data em diante como uma espécie de amuleto, quem saber por conta de toda a simbologia contida naquele presente que longe de um alto valor material passou a ter um alto valor representativo por expressar um pouquinho do muito carinho que o seu público o dedica ao longo das mais de quatro décadas que vem trilhando esse belíssimo caminho, que apesar dos percalços ele celebra sempre com um sorriso no rosto.

Toda essa teoria faz-se necessária para que possa chegarmos ao cerne deste relato, a partir de um fato ocorrido em sua última apresentação na capital do seu estado natal. Em sua passagem por Boa Viagem, zona sul da cidade do Recife, Geraldo trouxe ao palco do Parque Dona Lindu toda a amálgama sonora que constitui sua obra ao apresentar canções de sua própria lavra e interpretou números de autoria de conterrâneos tais quais Luiz Gonzaga, Jorge de Altinho e Zé Dantas, inebriando de modo singular àqueles que, mesmo com o tempo propício à chuva, não deixaram de comparecer ao evento para entoar, de modo uníssono com o cantor, canções como "Dia branco", "ABC do sertão", "Sabor colorido", "Bicho de sete cabeças", "Petrolina Juazeiro" e tantas outras que permeiam as mais distintas estórias e histórias do heterogêneo público presente. 

Após cerca de uma hora e meia de apresentação o artista despediu-se de um público já ansioso por sua volta. Após o merecido descanso em seu camarim, Geraldo Azevedo caminhava para a van que o levaria ao hotel localizada nas imediações do local da apresentação. Ao sair do teatro foi abordado por pelo menos uma dúzia de pessoas que o assediaram para registrar em fotografia aquele momento e para relatar as mais distintas estórias, dentre elas a da coruja. Sempre solicito, Geraldo Azevedo procurando atender a todos aqueles que o abordavam, em dado momento, escuta uma jovem relatar-lhe: "Geraldo, sou sua fã faz muitos anos. Inclusive, em Aracaju, eu lhe dei uma corujinha de presente a uns dezessete anos atrás...". Para surpresa da fã, Geraldo a questiona: "E foi você quem me deu a coruja? Até hoje eu tenho ela! Inclusive ela está aqui comigo. Vou lhe mostrar... comigo é assim: eu mato a cobra e mostro o pau.Para surpresa das pessoas presentes Geraldinho abriu uma pequena necessaire e mostrou para a emocionada fã o presente dado a quase duas décadas atrás: a réplica de um pequeno animal que para muitos simboliza a sabedoria.

São situações como estas que atestam veementemente a razão pela qual Geraldo Azevedo é tão amado por seu público e atrai uma legião de fãs por onde passa mesmo não estando presente com tanta frequência nos grandes meios de comunicação. Sua relação de cumplicidade com aqueles que o acompanham ao longo de sua trajetória artística é passada e construída a partir de gestos como este, onde a intransponível barreira e protocolos existentes entre artista e fã inexiste. E é nesta relação arraigada por nobres adjetivos e substantivos diversos tais quais carinho, gentileza e delicadeza ao longo de tantos anos que Geraldo Azevedo é admirado não apenas pelo seu público, mas também pelos colegas de profissão. E é sob a égide da máxima colhemos justamente aquilo que plantamos que o artista hoje vive. Colhendo os frutos de uma vida inteira semeando amor.

P.S. - Hoje, mostrando-se também um pouco “coruja” em sua condição de pai, Geraldinho vem mostrando o espetáculo "Em família", apresentação onde o artista pernambucano consegue reunir no palco e fora dele sua prole em diversas apresentações pelos quatro cantos do país. Em diversas apresentações é possível vê-lo ao palco acompanhado por seus talentosos filhos Lucas Amorim, Tiago Azevedo e Clarice Azevedo. Além de Gabriela Azevedo, nos bastidores em sua produção.

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