sábado, 15 de agosto de 2015

DUAS DÉCADAS SEM MANACÉIA

Em 2015 completa-se duas décadas sem um dos mais expressivos compositores da Portela



“Ah, quantas lágrimas eu tenho derramado/só em saber que não posso mais/reviver o meu passado...”

Quando esses versos estouraram em meados da década de 70, em todas as rádios, na voz da jovem cantora Cristina Buarque de Hollanda, o Brasil, enfim, pôde conhecer o grande compositor Manacéia (Manacé José de Andrade), autor dos sambas-enredo Princesa Isabel (1948), O despertar de um gigante (1949), Riquezas do Brasil (1950) e Brasil de ontem (1952).

Conta quem o conheceu que ele era muito tímido, humilde, sensível, porém muito disciplinador. Foi para a Portela pelas mãos de “Seu” Nicanor, então tesoureiro da escola e marido de uma tia, sempre na companhia do primo Ernani.

Manacéia formava, juntamente com seus irmãos e também compositores Aniceto e Mijinha, um trio muito respeitado na escola. E esse trio acabou por dar origem a uma nobre linhagem de portelenses que dá frutos até hoje.

Casou-se com Dona Neném e teve três filhas, entre as quais a compositora e pastora Áurea Maria. Trabalhou em uma fábrica de gelo em Osvaldo Cruz, onde conheceu sua esposa, foi serralheiro em uma empresa de construção e líder do conjunto da Velha Guarda da Portela.

Com o objetivo de se dedicar à família e não querendo mais ter a obrigação de compor sambas-enredo, afastou-se das disputas em 1953, passando a responsabilidade para os jovens compositores Candeia e Altair Prego. Porém, continuou vivenciando o dia-a-dia da escola. Participou do primeiro disco da Velha Guarda, produzido por Paulinho da Viola, em 1970, tornando-se líder do grupo com a morte de Ventura.

Aconteceram em seu famoso quintal, na Rua Dutra e Melo, em Osvaldo Cruz, os primeiros ensaios da Velha Guarda da Portela, que transcorriam conforme o planejado, apenas com os membros do grupo e alguns mais íntimos e vizinhos, para somente depois - com o tempero de Dona Neném e de Aniceto, exímios mestres da cozinha - todos caírem nas animadas rodas de samba e de partido-alto. Era uma sucessão de pratos que ficaram famosos: galinha com quiabo, corvina de linha (frita ou cozida), churrasco e tripa lombeira.

Além do belo samba “Quantas lágrimas” e dos sambas-enredo já citados, Manacéia compôs Manhã brasileira, gravado por Zezé Motta e Marquinhos de Osvaldo Cruz, e Carro de boi, gravado por Beth Carvalho, assim como Nascer e florescer, Sempre teu amor e Volta, meu amor (em parceria com Áurea Maria), incluídos no CD Tudo Azul.

Já naqueles longínquos anos 40, o talento de Manacéia começava a emocionar as favelas e morros cariocas - lembra Claudionor Santana, o Nonô do Jacarezinho, vencedor 21 vezes consecutivas na sua escola - quando Paulo da Portela, sozinho ou em comitiva, visitava as escolas menores, comandando os ensaios e entoando sambas da Portela:

“Paulo andava de escola em escola e eu também gostava de andar assim por elas. Então, eu via muito a atuação do Paulo da Portela. Nós tínhamos uma senhora que foi uma das fundadoras do Jacarezinho, grande batalhadora, dona Andreza Nogueira, que deixou muita saudade na escola. Então, por intermédio dela, o Paulo da Portela ia sempre lá no Jacarezinho e quando ele chegava comandava o ensaio. De lá íamos para o Recreio de Inhaúma, para o Cenáculo do Samba, que tinha no Cachambi, para os Acadêmicos do Engenho da Rainha, e ele chegava, sozinho ou com aquela comitiva e puxava o samba, entendeu? Quer dizer que ali, no meio da comitiva, os sambas eram deles e daqueles rapazes. Tinha o falecido Caquera, que sempre o acompanhava, Mijinha, então eu posso dizer que foi assim que eu conheci as músicas de Paulo e de outros compositores da Portela. Um samba que ele divulgava muito, que marcou muito o pessoal do Jacarezinho, era o Quando a natureza se aborrece, de Manacéia.” (1)

Nasceu em 26 de agosto de 1921 em Pedra de Guaratiba e mudou-se para Osvaldo Cruz aos 5 anos, onde faleceu em 1995.

Em sua homenagem foi criada a Praça Manacéia, à direita de quem entra no Portelão, ao lado do casarão onde funcionou a cozinha da Tia Vicentina. Antes, havia mesas com guarda-sóis, cadeiras e bancos, circundados por jardineiras. Hoje, resta apenas a placa com seu nome.

(1) in: SILVA, Marília Trindade Barboza da & MACIEL, Lygia dos Santos. Paulo da Portela; traço da união entre duas culturas. Rio de Janeiro: Funarte, 1979.


Bibliografia:
VARGENS, João Baptista M. & MONTE, Carlos. A Velha Guarda da Portela. Il. Lan. Rio de Janeiro: Manati, 2001.

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