Integrante da formação original da banda, Gira voltou a morar em Peixinhos. Para ele, divisor de água da banda foi a morte de Chico Science
Por Valentine Herold
O núcleo musical embrionário da Nação Zumbi, o Lamento Negro, tinha como um dos pontos de encontro e de exercício da força afro da percussão o Centro de Cultura Daruê Malungo, em Chão de Estrelas. Apenas um pequena ponte separa o bairro de seu vizinho, Peixinhos, local de onde vinha e morava a maioria dos integrantes do Lamento. Dentre eles estava Givanildo, mais conhecido por todos como Gira, responsável desde o início do grupo por um dos três tambores da Nação (com Gilmar Bolla 8 e Jorge du Peixe).
E é bem ali, na divisa entre o Recife e Olinda, as cidades irmãs tão cantadas por Chico Science emDa lama ao caos, que ele voltou a morar. Gira saiu da banda em 2000, três anos após a morte de Chico – fato que ele avalia como o maior divisor de águas do grupo. Com a Nação, ele gravou Da lama ao caos (1994), Afrociberdelia (1996) e CSZN(1998). Mas apesar da longa parceria e dos anos de estrada com a banda, sua saída não foi muito suave. Tampouco ele mantém relações com os integrantes, a não ser com Gilmar, vez por outra. “Ele me ligou outro dia, mas eu não tenho o número dele. É o único que ainda vem falar comigo”, conta.
De origem muito humilde e, ao contrário de alguns de seus antigos colegas de banda, nada privilegiado economicamente, Gira morava em uma das áreas mais pobres de Peixinhos antes de integrar a Nação Zumbi. De lá, saiu para conhecer o mundo: Estados Unidos (o lendário show no Central Park, em Nova Iorque, com Gilberto Gil, em 1995), Alemanha, França e Holanda – entre outros cantos do Velho Continente. De Peixinhos para o mundo, e de volta a Peixinhos. Nesse meio tempo, Gira pode comprar uma casa para a mãe em um local mais abastado da cidade, mas se viu obrigado a voltar ao bairro da infância há alguns anos.
Chegou a desaguar as mágoas na bebida, mas agora “sou crente. Aceitei a Jesus”, diz. Nunca mais tocou tambor nem ouviu os marcantes álbuns. “Não tinha os discos nem um som ou DVD player. Todas as músicas que fiz com a Nação me marcaram e foi minha toda a base dos tambores do Afrociberdelia.” Foi aí que as divergências entre o percussionista e parte do grupo começaram a surgir. “Nunca foi tolo. Começaram a registrar as músicas no nome da banda, como sendo de Chico Science & Nação Zumbi. Mas desde o início eu falava: ‘tem que coloar os nomes de quem compôs’, e eles respondiam: “calma, é só assim para colocar no computador”. Mas eu sabia que estava no meu direito, fui lezado”, desabafa.
LEMBRANÇAS
A primeira vez que viu Chico Science foi quando assistiu a um show dele no Forte das Cinco Pontas. Gira era amigo de Gilmar, que também morava em Peixinhos. “Fiquei admirado com aquele som do caramba e pedi para fazer parte daquilo”, relembra. Passou dois anos no Lamento Negro e participou da transição para Chico Science & Nação Zumbi. “A gente tocava muito na Soparia e em Maracaípe. Lembro bem das gravações do Da lama ao caos no Rio, em meado de 93, com Liminha. O disco ficou bem original, gostei muito.”
O olhar crítico sobre o mangue, a cidade e suas discrepâncias sociais não fazem mais parte do repertório da Nação Zumbi, mas Gira se lembra bem desta preocupação de Chico. “A gente queria ver o progresso da cidade, queria ver o povo bem.” Apesar de receber mensalmente uma pequena e apenas simbólica quantia do Ecad, Gira está atualmente sem trabalhar. A vontade de voltar a tocar e montar um projeto não falta, mas ele reclama da falta de possíveis companheiros de banda. “Mas eu vou voltar.”
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