CAPÍTULO 17
Com Aloysio, passei a frequentar, aos sábados, a casa do Renato Barbosa, maravilhoso personagem boêmio que praticava a medicina porque tinha que ganhar dinheiro, frequentemente investido num bom whisky contrabandeado para receber os amigos.
Naquelas noites encontrei o que mais me fizera falta durante anos, que era, se não um lar, pelo menos um ambiente familiar. Havia um pai, Renato, uma mãe, Dolly, e uma filha de 17 anos, Vera Maria, cujos olhos enormes transmitiam tranquilidade e serenidade, e prometiam um delicioso pecado. Depois de um curto namoro, eu a pedi em casamento, e tive que prometer ao Renato, um pouco assustado, que ela ficaria virgem até o dia do casório, celebrado um ano depois, em 1960, no mosteiro de São Bento. Passamos a lua-de-mel na casa de amigos, em Petrópolis, e assim, de repente, iniciamos uma linda e modesta vida de casados para, como nos contos de fadas, termos filhos e sermos felizes para sempre.
Glenn Wallichs, fundador e presidente da Capitol Records americana, que tinha sido comprada pela EMI-Odeon inglesa, chegou ao Rio com a mulher, em antecipação à turnê que Nat King Cole faria no Rio de Janeiro.
O Nat King Cole Trio havia sido, durante alguns anos, um grupo jazzístico muito sofisticado e de grande sucesso para um público restrito, até que Nat decidiu abandonar o jazz e tornar-se um cantor romântico negro, interpretando com sua voz inconfundível o mesmo repertório que fazia grande sucesso nas vozes brancas do Bing Crosby ou do Sinatra.
Love is the Thing, seu primeiro álbum, com magníficos arranjos de cordas escritos pelo Gordon Jenkins, foi um extraordinário sucesso comercial nos Estados Unidos, além de ser revolucionário. Pela primeira vez um negro conseguia entrar no mercado musical branco pela porta da frente. Nat ganhou muito dinheiro, saiu do bairro negro de Watts e comprou uma casa em Beverly Hills, onde foi recebido com protestos pelos novos vizinhos, que viam degringolar o preço de suas mansões por causa da presença dele.
Posteriormente, reconhecendo o potencial do mercado hispânico nos Estados Unidos, Nat gravou um LP em espanhol, cantando exclusivamente boleros cubanos e mexicanos, o disco mais vendido na história fonográfica da América Latina até então, incluindo aí o Brasil.
A turnê começou com uma apresentação popular no Maracanãzinho, que, pela primeira vez, se transformava de espaço esportivo em palco musical. O ginásio estava repleto e, apesar do sistema de som totalmente precário, podia-se ouvir sua voz aveludada com a mesma nitidez que no sofisticado Golden Room do Copacabana Palace nas noites seguintes. Nat permaneceu mais uma semana no Rio para gravar um segundo álbum em espanhol, com algumas canções brasileiras, em português. Os arranjos de cordas, por serem escritos nos registros graves, foram interpretados pelos 24 violinistas brasileiros com uma inédita afinação perfeita! O segredo, dizia Dave Cavanaugh, o produtor, era evitar os registros agudos das cordas, quando os músicos se defrontavam com dificuldades para afinar seus instrumentos.
Durante a visita, Glenn Wallichs me dedicou um tempo privilegiado, por eu ter lançado o seu selo no Brasil em 1956. E, antes de voltar para Los Angeles, convidou-me para estagiar na Capitol por algumas semanas. Para mim, era um sonho impossível tornando-se realidade. Pois desde os tempos em que vivia em Paris sonhava pisar nos escritórios daquela mágica gravadora, com a qual me identificava tanto.
Após uma viagem de dois dias, voando entre os vales da cordilheira dos Andes, bem abaixo do pico das montanhas, e após escalas em Lima, em La Paz — cidade tão perto do céu que os aviões tinham que subir para aterrissar — e no Panamá, sobrevoei durante horas o interminável tapete de luz que é até hoje a cidade de Los Angeles. Afinal, estava chegando em pleno “País das Maravilhas”. O hotel em Hollywood ficava bem em frente aos escritórios da Capitol, construídos em forma de torre, cujo desenho, revolucionário para a época, dominava Hollywood e Beverly Hills, que, de perto, toda iluminada, era maior e mais bonita do que em minha imaginação...
Mal dormi de tão empolgado. Acordei às seis da manhã, tomei rapidamente banho e o breakfast, atravessei a rua e fiquei lá, esperando horas, com o coração palpitante, para que o dia de trabalho começasse, olhando com paixão os muitos andares à minha frente, que também abrigavam estúdios de gravação espetaculares, construídos no subsolo, que eu tinha pressa em visitar.
Esperei impacientemente até as dez horas, quando as portas se abriram. Apresentei-me à recepcionista, que estava numa enorme mesa que lhe dava um ar de importância solene. O carpete vermelho, que cobria toda a entrada, era o último toque de sofisticação e responsável pelo majestoso silêncio reinante. Fui encaminhado para o último andar, onde o Glenn me apresentou alguns de seus colaboradores, que organizaram o programa do meu estágio, com o qual aprendi muito sobre gravação, publicidade, promoção e vendas.
Assisti a uma sessão de gravação do Stan Kenton, que regia uma orquestra de mais de cinqüenta músicos. Quando entrei na cabine, ele estava ensaiando cada naipe de instrumentos, um por um, com os músicos cantando ou assobiando suas partituras. Depois, pediu aos músicos que cantassem todos juntos, três ou quatro vezes mais, e, em seguida, começou a sessão de gravação com os instrumentos. Dez minutos depois, a gravação da música estava pronta. Eu acabava de presenciar o início da era das gravações em estereofônico.
Um dia, Georges, diretor do departamento internacional, me levou de Thunderbird conversível para passar o fim de semana em Las Vegas e assistir ao show do Nat King Cole, que cantava no Sand’s, um dos mais tradicionais cassinos da cidade.
O mês rapidamente chegou ao fim. Era hora de voltar ao Brasil e, apesar de triste, eu estava
impaciente por colocar em prática esse meu novo saber.
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