Por Mauro Ferreira e José Teles
No início dos anos 60, Milton Nascimento trabalhava num escritório de contabilidade em Belo Horizonte. Ele não viera à capital mineira para se perder em números. Já era músico em Três Pontas e continuava na profissão, tocando na noite. Foi naquele escritório que ele fez suas duas primeiras composições. Uma delas tornou-se um clássico instantâneo da MPB, Canção do sal, que seria lançada pela gaúcha Elis Regina. A segunda, E a gente sonhando, é uma das mais obscuras de sua obra. Foi gravada em 1965 pelo Tempo Trio (Helvius Vilela, Pascoal Meirelles e Paulo Horta). Em 1972, Alaíde Costa a gravou. Ela teve outras gravações ainda menos populares.
Agora a canção esquecida é, literalmente, resgatada do limbo e dá nome ao novo disco de Milton Nascimento, um de seus trabalhos mais peculiares. Uma espécie de Clube da Esquina, só que da esquina de Três Pontas, cidade onde ele passou a infância e adolescência, e na qual vivem ainda seus parentes: “O disco nasceu de um livro encomendado a dois caras, um deles americano. Os dois viajaram pelo Brasil conhecendo a música que se fazia nas principais cidades. Mandaram o livro para mim, e estava assim. Amazonas, capital Manaus, e tal música que se fazia lá. Quando olhei Minas, tinha capital, Belo Horizonte, Três Pontas, e a música que se faz lá”, explica Milton Nascimento, em entrevista por telefone. O livro intitula-se The Brazilian sound: Samba, bossa nova and the popular music of Brazil, assinado por Chris McGowan e Ricardo Pessanha, publicado por uma universidade dos EUA.
Milton Nascimento conta que ficou matutando sobre aquela história da música de Três Pontas divulgada no exterior: “Eu vou sempre por lá, visitar os amigos, parentes, mas não sabia que tipo de música se fazia na cidade. E Três Pontas tem disso, é sempre visitada por japoneses e europeus. Os japoneses descem em são Paulo e vão direto para Três Pontas, visitar os lugares que têm a ver comigo. Com o livro, mais gente certamente iria visitar a cidade. Fui para Três Pontas, chamei um amigo, Marco Elizeo, que divide a produção do disco comigo, e ele reuniu músicos da cidade”. Reuniu três dezenas deles.
Milton diz que ficou impressionado com a qualidade do que ouviu: “São muito bons, no instrumental, nos vocais. Botei na cabeça que iria colocar aquele pessoal numa faixa do meu próximo CD, mas depois achei que deveria fazer um álbum inteiro. Passei a conversar com este pessoal, ficamos muito amigos. Mas o disco não saiu logo”, comenta o cantor. Ele realizou dois projeto antes, o álbum Novas bossas, com o Trio Jobim e o Milton & Belmondo, feito com os irmãos franceses Lionel e Stéphane Belmondo (2009).
Foi numa visita à cidade de sua adolescência que Milton Nascimento resolveu reviver, com os músicos de hoje, a época do Clube da Esquina
Quando o projeto “Três Pontas” foi retomado, Milton Nascimento achou que estava mais complicado de ser posto em prática do que ele imaginava: “O tempo passou e, quando voltei, o pessoal havia se espalhado, estava tocando em outros lugares. Mas conseguimos reunir os músicos. Levei duas vezes um estúdio móvel de gravação para a cidade. Outra parte foi gravada no meu estúdio, em casa, e outra em um estúdio no Rio”, conta o artista, mostrando-se um pouco aborrecido porque os shows com os pessoal de Três Pontas já começaram, mas o disco E a gente sonhando não chegou ainda às lojas. Está prometido para a semana que vem. Por enquanto, a EMI disponibilizou um hotsite (com as músicas, fotos, release, entrevista, etc). Todos os músicos só participaram da estreia em sua cidade: “Selecionei alguns para viajar comigo, já que é impossível viajar com todos os 30”, diz Milton Nascimento.
E aí, voltando à canção composta num escritório contábil e que dá nome ao álbum, como ela foi tirada do fundo do baú e por que? E onde entra o Clube da Esquina na história? Milton Nascimento relembra. “Fui para Três Pontas e me prestaram uma homenagem, em praça pública. Lá se apresentaram todas as bandas da cidade. Tenho um afilhado lá, Pedrinho, um garoto de 16 anos, que também está tocando numa banda, que foi a última a se apresentar. De repente subiu um rapaz para cantar com eles. Ele cantava tão bem, que me deixou totalmente impressionado. Aí lembrei daquela música feita há tanto tempo. Ele deveria ter mais ou menos a mesma idade que eu quando fiz. Achei que ele cantando aquela música era como se estivesse chamando os outros jovens para o sonho de todos, cantar, gravar, viajar. Chamei-o para a casa de minha irmã para a gente conversar. O nome é Bruno Cabral, quando falei que queria que ele gravasse comigo, ele demorou a acreditar. Achei que E a gente sonhando seria a primeira música do disco, aí resolvi que seria também o nome do CD. Senti ali o mesmo espírito que deu origem ao Clube da Esquina”, continua Milton. Por coincidência, Lô Borges tinha a mesma idade do afilhado Pedrinho quando começou a fazer Clube da Esquina, a canção, com o irmão Márcio Borges.
Agora a canção esquecida é, literalmente, resgatada do limbo e dá nome ao novo disco de Milton Nascimento, um de seus trabalhos mais peculiares. Uma espécie de Clube da Esquina, só que da esquina de Três Pontas, cidade onde ele passou a infância e adolescência, e na qual vivem ainda seus parentes: “O disco nasceu de um livro encomendado a dois caras, um deles americano. Os dois viajaram pelo Brasil conhecendo a música que se fazia nas principais cidades. Mandaram o livro para mim, e estava assim. Amazonas, capital Manaus, e tal música que se fazia lá. Quando olhei Minas, tinha capital, Belo Horizonte, Três Pontas, e a música que se faz lá”, explica Milton Nascimento, em entrevista por telefone. O livro intitula-se The Brazilian sound: Samba, bossa nova and the popular music of Brazil, assinado por Chris McGowan e Ricardo Pessanha, publicado por uma universidade dos EUA.
Milton Nascimento conta que ficou matutando sobre aquela história da música de Três Pontas divulgada no exterior: “Eu vou sempre por lá, visitar os amigos, parentes, mas não sabia que tipo de música se fazia na cidade. E Três Pontas tem disso, é sempre visitada por japoneses e europeus. Os japoneses descem em são Paulo e vão direto para Três Pontas, visitar os lugares que têm a ver comigo. Com o livro, mais gente certamente iria visitar a cidade. Fui para Três Pontas, chamei um amigo, Marco Elizeo, que divide a produção do disco comigo, e ele reuniu músicos da cidade”. Reuniu três dezenas deles.
Milton diz que ficou impressionado com a qualidade do que ouviu: “São muito bons, no instrumental, nos vocais. Botei na cabeça que iria colocar aquele pessoal numa faixa do meu próximo CD, mas depois achei que deveria fazer um álbum inteiro. Passei a conversar com este pessoal, ficamos muito amigos. Mas o disco não saiu logo”, comenta o cantor. Ele realizou dois projeto antes, o álbum Novas bossas, com o Trio Jobim e o Milton & Belmondo, feito com os irmãos franceses Lionel e Stéphane Belmondo (2009).
Foi numa visita à cidade de sua adolescência que Milton Nascimento resolveu reviver, com os músicos de hoje, a época do Clube da Esquina
Quando o projeto “Três Pontas” foi retomado, Milton Nascimento achou que estava mais complicado de ser posto em prática do que ele imaginava: “O tempo passou e, quando voltei, o pessoal havia se espalhado, estava tocando em outros lugares. Mas conseguimos reunir os músicos. Levei duas vezes um estúdio móvel de gravação para a cidade. Outra parte foi gravada no meu estúdio, em casa, e outra em um estúdio no Rio”, conta o artista, mostrando-se um pouco aborrecido porque os shows com os pessoal de Três Pontas já começaram, mas o disco E a gente sonhando não chegou ainda às lojas. Está prometido para a semana que vem. Por enquanto, a EMI disponibilizou um hotsite (com as músicas, fotos, release, entrevista, etc). Todos os músicos só participaram da estreia em sua cidade: “Selecionei alguns para viajar comigo, já que é impossível viajar com todos os 30”, diz Milton Nascimento.
E aí, voltando à canção composta num escritório contábil e que dá nome ao álbum, como ela foi tirada do fundo do baú e por que? E onde entra o Clube da Esquina na história? Milton Nascimento relembra. “Fui para Três Pontas e me prestaram uma homenagem, em praça pública. Lá se apresentaram todas as bandas da cidade. Tenho um afilhado lá, Pedrinho, um garoto de 16 anos, que também está tocando numa banda, que foi a última a se apresentar. De repente subiu um rapaz para cantar com eles. Ele cantava tão bem, que me deixou totalmente impressionado. Aí lembrei daquela música feita há tanto tempo. Ele deveria ter mais ou menos a mesma idade que eu quando fiz. Achei que ele cantando aquela música era como se estivesse chamando os outros jovens para o sonho de todos, cantar, gravar, viajar. Chamei-o para a casa de minha irmã para a gente conversar. O nome é Bruno Cabral, quando falei que queria que ele gravasse comigo, ele demorou a acreditar. Achei que E a gente sonhando seria a primeira música do disco, aí resolvi que seria também o nome do CD. Senti ali o mesmo espírito que deu origem ao Clube da Esquina”, continua Milton. Por coincidência, Lô Borges tinha a mesma idade do afilhado Pedrinho quando começou a fazer Clube da Esquina, a canção, com o irmão Márcio Borges.
DISCO
E a gente sonhando é ao mesmo tempo um disco de inéditas e de intérprete, além de ser um projeto especial, primeira parceria entre o selo Nascimento Música e a EMI. Dos músicos de Três Pontas, Milton Nascimento gravou três canções: Olhos do mundo (Marco Elizeo/Heitor Branquinho), Eu pescador (Clayton Prosperi/Haroldo Jr.), Do samba, do jazz, do menino e do bueiro (Ismael Tiso/Miller Rabelo de Britto). Na trinca sente-se a influência que Milton exerceu sobre os garotos de Três Pontas. São canções de harmonias sofisticadas. Ele completa o repertório com uma inédita apenas dele Sorriso, outra feita com Pedrinho do Cavaco, Gota de primavera, e Amor do céu, amor do mar, uma bela e singela canção, com citação a eterna amiga, Elis Regina, parceria com o mineiro Flávio Henrique.
Ainda que seu repertório seja pontuado por regravações de temas próprios e alheios, ... E a Gente Sonhando pode ser considerado o primeiro álbum de inéditas de Milton Nascimento desde Pietá (2002), último título de vigor em discografia que teve seu ápice nos anos 70. Criado com espírito gregário que remete a um dos clássicos da obra fonográfica deste artista carioca de alma mineira, o álbum duplo Clube da Esquina (1972), ...E a Gente Sonhando flagra Milton nostálgico da modernidade de sua juventude. Ao se rodear de cerca de 25 jovens músicos, cantores e compositores de Três Pontas (MG), a cidade que o viu crescer, Milton funda de certo modo um clube que lhe empresta o espírito juvenil perseguido ao longo das 16 faixas do álbum produzido pelo próprio Milton ao lado do violonista Marco Elizeo Aquino. Ao unir forças e vozes em coro que dá vida a temas como Estrela, Estrela (Vítor Ramil) e O Sol (Antônio Júlio Anastácia), destaques entre as incursões de Milton por searas alheias, a turma trespontana cria de certa forma uma camada protetora em torno do anfitrião que atenua e disfarça a progressiva anemia criativa do compositor e a perda de viço e volume da voz outrora classificada como divina por Elis Regina (1945 - 1982), a intérprete-paixão citada nominalmente por Bituca na letra de Amor do Céu, Amor do Mar, parceria de Milton com Flávio Henrique. Repleto de versos que falam de sonhos, cores e flores, o repertório de ...E a Gente Sonhando revisita duas bonitas parcerias de Milton com Fernando Brant que passaram quase despercebidas nas vozes de Simone e Gal Costa. Me Faz Bem - apresentada em tons sensuais por Gal em gravação de 1987 - ganha suingue que dilui a sensualidade do tema. Música lançada pela Cigarra em 1989, no ápice de seu flerte com o brega, a bela Espelho de Nós é convite à união que reitera o espírito fraterno que norteia o disco. A faixa é cantada por Milton com Bruno Cabral, uma das vozes masculinas a que dá projeção em ...E a Gente Sonhando, cuja música-título, também gravada com Cabral, vem dos anos 60, tendo sido a primeira música de Milton a ser gravada, em registro instrumental de 1965, pelo Tempo Trio. Também solista, Ismael Tiso Jr. (parente de Wagner Tiso, co-autor dos arranjos e pianista de 11 das 16 faixas) divide com Milton os vocais de uma parceria sua com Miller Sol, Resposta ao Tempo, tema que cai mais para o samba do que para o jazz. Terceiro cantor do clube, Paulo Francisco, o Tutuca, é o convidado da supra-citada Amor do Céu, Amor do Mar. Nesse confronto com o passado, a pálida regravação do bolero Resposta ao Tempo (Cristóvão Bastos e Aldir Blanc), lançado por Nana Caymmi em 1998, entra em sintonia com o espírito do disco. Em tom mais expansivo, Adivinha o quê? (Lulu Santos) funciona como lembrança dos tempos juvenis em que Milton atuava como crooner nas boates, bares e salões de Belo Horizonte (MG), evocados através dos metais orquestrados por Vittor Santos. Reminiscências dos tempos escolares (Otema composto por Milton e Brant para peça inspirada no livro homônimo do escritor Raul Pompéia) e de alegrias do passado (Sorriso, música apenas de Milton) reiteram a nostalgia de álbum em que desabrocha com certa classe a Flor de Ingazeira (João Bosco e Francisco Bosco, 2000) e que adquire tom quase interiorano quando Milton toca sua sanfona em Gota de Primavera, boa parceria do compositor com o jovem Pedrinho do Cavaco. "As janelas estão abertas pra rua / Quem é capaz de fechar os olhos do mundo?", questiona Milton em versos de Olhos do Mundo (Marco Elizeo e Heitor Branquinho). Ao fim, a belíssima Eu Pescador (Cleyton Prósperi e Haroldo Jr.) faz ...E a Gente Sonhando mergulhar num mar de lirismo e poesia, mostrando que os olhos trespontanos do menino Milton ainda continuam abertos para o mundo, na esperança de sonhar com sua turma sonhos que nunca envelhecem.
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