quinta-feira, 9 de julho de 2009

ENTREVISTA COM A CANTORA E COMPOSITORA CLÁUDIA CUNHA

Você saiu do Pará e aportou na Bahia. Conte como foi essa mudança, o que significou na sua vida e na sua música?
Cláudia Cunha: Eu cresci numa cidade pequena do estado do Pará onde as festas religiosas e populares constituíam uma referência muito forte na vida dos moradores. Logo, desde cedo eu estava metida naquelas manifestações e acontecimentos, cantando – quando era momento de cantar – e dançando – quando era o momento de dançar. Às vezes, as duas coisas juntas. Vem desse período minha aproximação e encantamento com as tradições musicais do interior e que permanece ainda hoje no meu trabalho.
Nessa cidade havia também um festival de música que acontece já há quase 30 anos e que gerava uma movimentação muito grande de compositores, cantores, etc. Foi nesse festival que comecei a cantar e a ganhar meus primeiros tostões e reconhecimento com a música, por volta dos meus 15 anos, o que acabou me levando a me mudar para Belém em seguida. Já em Belém comecei a fazer o percurso natural pro cantor popular, que é o da noite, cantando em bares, bandas de baile, etc., e, freqüentemente, “defendendo” (expressão engraçada, né?) as composições de amigos em festivais espalhados pelo país. Em 1995 vim fazer uma apresentação aqui em Salvador a convite de uma amiga baiana e arranjei um namorado (Risos). Embora minha história em Belém me trouxesse já um certo conforto enquanto cantora com um trabalho já reconhecido, decidi me mudar pra cá em 1996 e (re)começar uma nova história aqui, o que incluiu entrar pro curso de música da UFBA. Essa mudança não foi fácil no início. Eu já tinha passado pelas etapas da noite, do esquema mais amador e não estava animada a passar por isso aqui, então fiquei voltada pro estudo, pra pesquisa na área de música popular e tradicional e fiquei um tempo sem cantar, alternados com algumas apresentações esporádicas em projetos pequenos (Elas Cantam no T. XVIII; Pelourinho Meio-Dia; Festival de Inverno da Chapada em Igatu; Circuito Cultural UESB e outros.). Entretanto, esse tempo na EMUS (Escola de Música da UFBA) foi importantíssimo, pois me pôs em contato com músicos e compositores talentosos, que se tornaram amigos e parceiros desde então, no fazer e pensar a música.

Quais os aspectos semelhantes e diferentes destes dois universos musicais, o Pará e a Bahia? Quais as suas principais referências na música paraense e na música baiana?
Cláudia Cunha: Sabe que eu não vejo muito as diferenças? Vejo mais coisas em comum, como a forte relação com a dança, com a festa. Se aqui tem o axé, lá tem o tecno-brega. Aqui tem o samba-de-roda, lá tem o carimbó. Já no âmbito da música popular (ô termo complicado!) e da poética dessas músicas, há referências e construções que são muito próprias ao contexto amazônico e que são muito bem trabalhadas, no Pará, pelo Walter Freitas, o Nilson Chaves, o Vital Lima, o Joãozinho Gomes. Sem falar de uma geração de compositores novos que têm feito um trabalho muito bonito lá que são o Floriano, o Leandro Dias, o Felipe Cordeiro, o Ziza Padilha e outros. Dos compositores daqui da Bahia, nossa! tem um caminhão: o Gil, Caetano, Caymmi, Elomar, Assis Valente... dos mais novos, o Luciano Aguiar e Borega (Matita Perê), a Manuela Rodrigues (também grande cantora), o Tiago Rocha, o Rafael Dumont, o Luciano Salvador Bahia e muitos outros. De cantoras, nem se fale! Tanto no Pará como aqui na Bahia, há cantoras maravilhosas! E aqui em Salvador, especificamente, tenho grandes amigas intérpretes, e tem havido entre nós, uma aproximação e troca muito freqüentes e frutífera. Vou citar mas espero que não role ciúmes (risos): Manuela Rodrigues, Márcia Castro, Marilda Santanna (tem alguma transação numerológica aí com a letra M), Ana Paula Albuquerque...


Em Salvador você teceu estreitas relações com o Choro e o Samba, participando do grupo “Mandaia” e se apresentando como convidada do grupo “Os Ingênuos”, e participando de projetos como o “Coletivo Circo dá Samba”. Como ocorreu essa aproximação com o Choro? E como tem sido participar de projetos de valorização do samba em Salvador?
Cláudia Cunha: O samba é uma escola (olha o clichê!). Minha experiência cantando com o grupo Mandaia por dois anos, todas as semanas, quase sem férias, foi fundamental pro meu crescimento como intérprete. E aí nem importa se no meu CD eu decidi não gravar samba e choro – que era o que muita gente esperava e que, no final das contas, seria mais confortável pra mim. Essa vivência com os chorões, com um repertório imenso e maravilhoso, e com um público fiel e conhecedor que não se deixa enganar, foi um dos mais ricos nesse meu percurso. E depois de um tempo convivendo com esses músicos incríveis e se você é aceita e aprovada entre eles, ah! que delícia. Seu nome cai na roda! Porque a oralidade é um elemento fundamental nesse universo e é de uma força gigante.

Em 2007 você conquistou três importantes prêmios na cena independente da música baiana: O Troféu Caymmi de Melhor Cantora, o prêmio de Melhor Intérprete do V Festival da Educadora FM, e o Prêmio Braskem de Música. Este último revelou nos últimos anos os talentos de Mariene de Castro e de Márcia Castro, e assim como a essas duas, lhe possibilitou gravar seu primeiro CD. Como foi participar de cada um deles e o que eles significaram na continuidade da sua carreira?
Cláudia Cunha: Menino, esse ano de 2007 foi uma coisa, né? O que poderia parecer meio estranho essa concentração de prêmios num mesmo ano, nada mais foi que, esse era o meu ano! Lembrei da música do Chico, Sentimental: “este ano vai ser o seu ano ou senão/ o destino não quis/ ah eu hei de ser, serei feliz”. É claro que colocado assim fica parecendo que é algo que foge totalmente ao meu controle, e não é bem assim, já que eu venho atuando há algum tempo. Essa coisa de cantar e fazer música – e tudo o mais que envolve essa atividade, desde que eu passei a fazer isso profissionalmente – sempre teve a minha dedicação, seriedade e todo meu coração. Então um dia a resposta e o reconhecimento vêm, né? Essas premiações me deixaram muito feliz por tudo o que elas representam pra cena musical de Salvador. O show que eu concorri em 2005 ao Troféu Caymmi, o Mesa Farta, acho que foi o ponta-pé de tudo o que se seguiu depois. Foi um show muito bem amarrado, muito bonito, de uma riqueza rítmica! Ali eu comecei a encontrar a direção do repertório e do conceito que veio a resultar no CD. E foi com esse show que pisei pela primeira vez no palco principal do TCA, já que ele foi selecionado para o Circuito Cultural Banco do Brasil. Nós dividimos a noite com a Leila Pinheiro e foi muito lindo! O TCA inteiro, lotado, de pé, aplaudindo! Ah! Em janeiro de 2007 eu voltei a pisar no palco principal do TCA, dessa vez pelo MPB Petrobrás, abrindo o show do Ed Motta. E voltou a ser lindo e o show já se chamava Responde à Roda (música minha e de Manuela Rodrigues). Mas, acredite, depois disso, eu não fiz mais nada nesse ano em termos de show. Tava já me batendo um nervoso (risos) quando decidi gravar uma música minha:
No girar de Alice, que eu fiz pra minha filha; fui e inscrevi no Festival da Rádio Educadora. O impulso de realizar e de acreditar que aquele ano ainda ia me trazer alguma coisa boa me fez me lançar então com muita determinação na construção do meu projeto do CD pro Prêmio Braskem Cultura e Arte 2007. Agora perceba que até aqui eu só gastei, não ganhei nada! Hahaha. Então, em novembro sai o resultado! E aí, tipo duas semanas depois sai a premiação do Caymmi, e alguns dias depois veio junto a premiação da Rádio Educadora. Então, eu tô num momento muito especial da minha carreira e muito feliz com as possibilidades que estão se abrindo a partir desses prêmios. De certa forma ainda é recente, o CD acabou de sair, mas estou agora voltada pra realizar o show de lançamento aqui em Salvador, e a partir daí, levá-lo pra outros estados.

O CD já estava com o repertório e a pré-produção encaminhada quando você conquistou o Prêmio Braskem de Música, ou foi realmente o prêmio que viabilizou todas as fases de produção do CD “Reponde à Roda”? Como você chegou aos compositores (as) do disco e às participações especiais de Zé Renato e Roberto Mendes?
Cláudia Cunha: Foi o prêmio que possibilitou realizá-lo do jeito que foi, e isso ainda antes de vencê-lo. Vou explicar melhor. Ao inscrever meu projeto eu tinha que apresentar quatro gravações (aliás, das quatro, só uma acabou não entrando pro CD, embora tenham sido regravadas depois com novos arranjos ou com o tempo e o cuidado que não receberam antes). Com esse material pronto aproveitei e abri uma página no MySpace. E essa foi a melhor coisa que eu podia ter feito! Foi incrível a resposta das pessoas e os contatos que se desenrolaram a partir disso. Inclusive, com o Sérgio Santos, que é um violonista, compositor e arranjador maravilhoso, e que se tornou depois, junto comigo, o produtor musical do CD. Foi ele quem trouxe pro CD talentos admiráveis como o Zé Renato, o André Mehmari, o Nailor Proveta, o Ferragutti e outros, além de fazer comigo esse trabalho de buscar e selecionar repertório. Aliás, trabalhou muito bem, aquele moço de Minas (risos). Da minha parte e da Bahia vieram o Roberto Mendes, de quem sou grande fã e que me deu a honra da presença (porque esse caboclo lá de Santo Amaro é muito enjoado (risos); o Luciano Salvador Bahia, o Ivan Bastos, a Manuela Rodrigues, o Tom Zé, o Jurandir Santana, Ramiro Musotto e todos os músicos talentosos que tocaram no CD, muitos dos quais já me acompanham pelos palcos.



Considerando que o CD pode ser interpretado como “um extrato do show” o que esperar de um show de Cláudia Cunha? Quem você é no palco?
Cláudia Cunha: Ah, pode esperar um show lindo! (risos). O CD tem músicas e arranjos primorosos. O cenário e a direção artística são do Rino Carvalho. E tanto o CD quanto o show tem uma unidade e construção bem brasileira. Agora, eu não sei como responder quem sou eu no palco...O que eu posso talvez é me localizar dentro de uma linhagem de cantoras brasileiras. Pensando a partir desse viés, eu poderia dizer que meu canto e minha forma de me relacionar com a canção trazem desde a brejeirice de uma Carmem Miranda ao sentimento de uma Elizeth Cardoso, ambas ma-ra-vi-lho-sas e emblemáticas na forma de abordar a canção. No mais, é ver pra saber.

Gostaríamos de agradecer pela entrevista e desejar todo o sucesso. Sempre terminamos a entrevista com um último recado do(a) artista para os leitores (as) do Blog, fique à vontade.
Cláudia Cunha: Adorei a chance de falar para os leitores deste blog.
Ah, quero dizer que todos temos uma ou várias músicas que parecem ter saído de nós; vozes que são também as nossas vozes! E é apaixonante ouvir e descobrir músicas que se afinam – às vezes instantaneamente – com nossas sensibilidades. Mas pra isso acontecer, tem que se abrir pra ouvir!

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