Quando os advogados da Philips mandaram aquela música para a aprovação da Censura Federal não tinham a menor expectativa de liberação. Mas o censor cochilou, ou era muito burro, ou não notou que a música era de Chico Buarque. E “Apesar de você” foi liberada e gravada imediatamente. Assim que as rádios começaram a tocar, tornou-se um sucesso instantâneo, o disco começou a vender como A banda. Ninguém acreditava no que ouvia: um samba extrovertido, guerreiro, alegre, dizendo o que tanta gente queria dizer e ouvir: era um recado à ditadura, corajoso, abusado, contundente, num grande samba que lavou a nossa alma: “Apesar de você amanhã há de ser outro dia e eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia, como vai proibir quando o galo insistir em cantar...
... você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar.” Em poucos dias o Brasil inteiro estava cantando “Apesar de você”, como um hino da resistência, como um desafio e uma esperança, a primeira que experimentávamos desde 1969. Mas a alegria durou pouco: os militares não eram burros como o censor e logo perceberam o tamanho da encrenca e tomaram providências: a música foi sumariamente interditada e os discos
confiscados.
Mas já era tarde: mais de 100 mil discos já tinham sido vendidos e mesmo que a música não tocasse mais no rádio todo mundo já tinha aprendido e cantava, cada vez mais, com mais força, em qualquer lugar, a qualquer pretexto.
Pela segunda vez André Midani viu a fábrica de discos da Philips, no Alto da Boa Vista, cercada por tropas do Exército. A primeira tinha sido quando “Je t’aime moi non plus”, um dueto erótico de Serge Gainsburg e Jane Birkin, foi proibida pela censura e André, recém-chegado ao Brasil, achou que podia empurrar com a barriga e ir enrolando enquanto o disco vendia.
Os discos foram recolhidos, ele levou uma descompostura de um coronel furibundo e quase foi preso. Com “Apesar de você” não foi muito diferente: com a habitual truculência, a fábrica foi invadida e todos os discos com a música de Chico foram apreendidos e destruídos. Menos a matriz...
“Apesar de você” era a proibição mais pública do Brasil, o que a fazia ainda mais popular.
Chico, mais uma vez, foi chamado a dar explicações e, cínica e deslavadamente, disse a seu interrogador que o samba era para uma mulher muito mandona e muito autoritária. E era impossível provar que não fosse. Gol de placa da guerrilha cultural.
0 comentários:
Postar um comentário