No seu álbum de 1980, Roberto Carlos gravou um compositor que pouco tempo depois se tornaria uma estrela da MPB: Djavan, que até aquele momento era um nome mais conhecido entre os músicos e cantores do que do grande público.
Quem primeiro chamou a atenção de Roberto Carlos para o trabalho de Djavan foi a cantora Myrian Perachi, back vocal de sua banda. "Roberto, você precisa ouvir um compositor alagoano chamado Djavan, ele é muito musical, tem umas baladas lindas e acho que você vai gostar." De fato, Roberto Carlos procurou ouvir algumas faixas do álbum Alumbramento e ficou muitíssimo bem impressionado com Djavan. Tanto que logo depois o próprio Roberto Carlos ligou para Djavan pedindo uma composição inédita dele para gravar. "Imagina o que é você estar em casa e receber um telefonema de Roberto Carlos? Vai achar que é trote. Eu ouvi aquela voz inconfundível, mas mesmo assim achei que era alguém imitando", lembra Djavan. Mas, com o avançar do papo, ele se convenceu de que aquele era Roberto Carlos de verdade e prometeu que ia atender ao pedido dele.
Entretanto, a composição quase não chegou às mãos de Roberto Carlos porque nesse meio tempo Djavan teve um sério imprevisto. Numa manhã de junho de 1980, ele saiu com Tadeu Fernandes, divulgador da Odeon, e negro como ele, para fazer um trabalho de divulgação no centro de São Paulo. No intervalo, na hora do almoço, foram a uma loja de instrumentos musicais, na rua Direita, porque Djavan queria ver o preço de um piano. Nessa época, a Polícia Militar de São Paulo botou nas ruas a chamada "operação limpeza", que mais uma vez atingia preferencialmente pobres e negros. Pois, assim que os dois entraram na loja, foram abordados por um grupo de policiais, que exigiram: "Mostre seus documentos". Antes mesmo que tivessem tempo de abrir suas carteiras, eles foram agarrados e levados para fora da loja, ficando
próximos de uma parede ao lado. Muitas pessoas se aglomeraram em volta, pois era grande o movimento na rua. Djavan apresentou sua lista de documentos: identidade, CPF, título de eleitor, certificado de reservista, ISS e até uma caderneta de poupança. Os policiais pediram-lhe então a carteira de trabalho, e Djavan mostrou a sua carteira da Ordem dos Músicos. "Isto aí não serve
pra nada", retrucou um policial. Djavan tentou explicar que era músico profissional, mas eles não aceitaram isso e disseram que ele ia cantar no xadrez. E começaram a implicar com o cabelo do artista, que já usava aquele modelo de trancinhas. Isto incomodou muito os policiais, que davam tapas na cabeça dele e diziam "E esse cabelo aí de maluco...". Era um grupo de dez policiais, todos brancos, e um deles agrediu muito Djavan. "Ele implicou bastante com meu cabelo, me chamava de viado e não sei mais o quê. Ele me falou tanta coisa horrorosa. Aquele rapaz não gostou de mim. Eu fiquei pasmo ali olhando pra ele. "Gente, pra que tudo isso?" E ele me xingava, me xingava, me xingava. Teve um momento que ele quis me bater. Chegou pra mim, e me xingou com o nariz dele quase tocando no meu pra ver se eu dizia alguma coisa. E eu
fiquei ali simplesmente olhando para ele." Em seguida eles agarraram Djavan e Tadeu pelo colarinho da camisa e os levaram da rua Direita até a praça da Sé, onde estava parado um camburão enorme, cheio de soldados. "Eu fui carregado sem tocar no chão, porque eles me suspenderam mesmo. Foi uma coisa constrangedora, com todo mundo olhando", lembra Djavan. Chegando lá, eles foram encostados na grade do camburão, enquanto um dos policiais pegava a bolsa que Djavan usava a tiracolo e jogava tudo que tinha dentro no chão.
E entre objetos e documentos pessoais do artista, caiu no chão um peso cubano e fotografias de Che Guevara e Fidel Castro, que ele tinha trazido de recente viagem a Cuba. "Aí complicou tudo. Até eu explicar que 29 não é 30 foi horrível. E eles acabaram me levando preso no camburão."
Depois Djavan teve de arranjar advogado e testemunhas para provar à polícia paulista que ele não era nada daquilo que eles estavam pensando. E isto tudo lhe trouxe muitas dores de cabeça, perda de tempo, e a canção que ele fazia para Roberto Carlos demorou a ficar pronta.
Roberto Carlos já estava prestes a embarcar no avião que o levaria aos Estados Unidos para gravar seu novo álbum quando recebeu uma fita cassete enviada por Djavan. O cantor viajou com o repertório do disco praticamente fechado, mas, ao chegar ao hotel em Nova York, não deixou de ouvir aquela fita. E se encantou com a canção que Djavan fez para ele gravar: A ilha. Ficou incomodado apenas com um dos versos, que dizia: "Um cheiro de amor empestado no ar a me entorpecer". Roberto Carlos jamais canta a palavra "empestado" porque remete a peste. Então telefonou para Djavan e pediu para trocar aquela palavra por "espalhado", resolvendo o problema.
Roberto Carlos (1979)
Faixas:01 – Na Paz Do Seu Sorriso
02 – Abandono
03 – O Ano Passado
04 – Esta Tarde Vi Llover
05 – Me Conte A Sua História
06 – Desabafo
07 – Voltei Ao Passado
08 – Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo
09 – Costumes
10 – Às Vezes Penso
Roberto Carlos (1980)
Faixas:01 – A Guerra Dos Meninos
02 – O Gosto de Tudo
03 – A Ilha
04 – Eu Me Vi Tão Só
05 – Passatempo
06 – Não Se Afaste de Mim
07 – Procura-se
08 – Amante à Moda Antiga
09 – Tentativa
10 – Confissão
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