Severino Dias de Oliveira (Itabaiana, Paraíba, 1930 – João Pessoa, Paraíba, 2006). Começa a tocar sanfona aos 9 anos, como autodidata, e, aos 15, vai para Pernambuco, quando participa de programas de calouros. Logo se destaca e passa a apresentar-se na Rádio Clube de Recife. Ali permanece por três anos, assumindo o nome artístico de Sivuca.
Em 1948, é contratado pela Rádio Jornal do Commercio, em que atua até meados da década de 1950. Em 1949, é convidado para gravar com a cantora Carmélia Alves (1923-2012) em São Paulo. Carmélia é a primeira a gravar, em 1951, o baião “Adeus Maria Fulô”, composição de Sivuca e Humberto Teixeira (1915-1979). A música também é interpretada pelos Mutantes, em 1968. Estreia em 78 rpm em 1951, com Carmélia Alves, lançando o baião “No Mundo do Baião”, um pot-pouri de composições de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1912-1989), o choro “Tico-Tico no Fubá”, de Zequinha de Abreu (1880-1935) e o frevo “Vassourinhas”, de Matias da Rocha (1864-s.d.) e Joana Batista Ramos (1878-1952).
Em 1955, vai morar no Rio de Janeiro, contratado pelas Emissoras Associadas de Rádio e Televisão Tupi. Estuda durante 3 anos com Guerra Peixe (1914-1993), com quem aprende teoria musical e harmonia. No ano seguinte, lança Eis Sivuca, primeiro disco solo, e participa em trabalhos de outros artistas. Também em 1956, grava seu choro “Homenagem à Velha Guarda” e parte para a primeira temporada de shows pela Europa com o grupo Os Brasileiros. Em 1959, produz um disco de música angolana, Duo Ouro Negro. No início de 1960, ao lado de Waldir Azevedo (1923-1980), apresenta-se com o grupo Brasília Ritmos, com o qual já havia gravado no Brasil. Em Portugal, lança o disco Vê se Gostas. Entre 1960 e 1964, reside em Paris e participa no filme Le Diable et les Dix Commandements (O Diabo e os Dez Mandamentos), do francês Julien Duvivier (1896-1967).
Em 1964, muda-se para Nova York a convite da cantora Carmen Costa (1920-2007), onde vive por 12 anos. Ali, atua como diretor musical, arranjador e violonista da cantora africana Miriam Makeba (1932-2008), com quem grava três discos e realiza turnês internacionais, lançando a música “Pata-Pata”. Em 1969, assume a direção musical e realiza o espetáculo Joy, com o norte-americano Oscar Brown Jr. (1926-2005) e Jean Pace, para o qual compõe “Mother Africa’s Day” em parceria com Oscar Brown Jr.
Na década de 70, compõe trilhas para filmes em curta-metragem da televisão educativa americana, trabalho pelo qual é indicado ao Grammy. Nesse período, faz parcerias com artistas como Hermeto Pascoal (1936) e os norte-americanos Bette Midler (1945), Paul Simon (1941) e Harry Belafonte (1927). Em 1972, em meio às turnês com Belafonte, grava, em Nova York, o LP Sivuca e lança um espetáculo de música brasileira no Village Gate, que alcança projeção internacional, originando o LP Live at the Village Gate (1973).
Em 1975, casa-se com a compositora e médica Glorinha Gadelha (1947), com quem desenvolve parcerias artísticas. Nessa época, volta para o Rio de Janeiro e participa na série de espetáculos Seis e Meia, no Teatro João Caetano, com o show Sivuca e Rosinha de Valença. Este, gravado ao vivo, torna-se o primeiro registro do baião “Feira de Mangaio”, parceria com Glorinha. Considerado um clássico do forró, a composição tem êxito na voz de Clara Nunes (1943-1983) em 1979.
Em 1977, Chico Buarque (1944) escreve a letra para a melodia composta em 1947, dando origem a “João e Maria”, única parceria dos dois compositores, sucesso em um duo de Chico e Nara Leão (1942-1989) nesse mesmo ano.
Em 1985, Sivuca escreve a primeira peça sinfônica: Concerto Sinfônico para Asa Branca, inovando ao mobilizar a orquestra pela ótica do acordeonista. Além dos projetos e apresentações nacionais que desenvolve na década de 1980, grava Rendez-vous in Rio (1985) com o gaitista belga Toots Thielemans (1922-2016) e a cantora sueca Sylvia Vrethammar (1945), Chiko’s Bar (1986) com Toots Thielemans, e Bad Boys From Brasil (1986) com o sueco Rune Öfwerman Trio. Em janeiro de 1992, lança na Dinamarca o CD One Good Turn, com Erik Petersen. Sivuca regressa à Europa para novas turnês e apresenta-se na inauguração do teatro Cité de la Musique, em Paris, 1994.
Em 2003, volta à Paraíba, onde segue trabalhando. No ano seguinte, em Recife, grava com a Orquestra Sinfônica da cidade, Sivuca Sinfônico. Três anos depois, compõe seu último arranjo sinfônico, Choro de Cordel, com Glorinha.
Análise
Além de compositor e arranjador, Sivuca é um mestre da sanfona, instrumento do qual é um dos principais divulgadores na música nacional e internacional.
Desde jovem, viaja pelo interior do Nordeste brasileiro, tocando música regional com músicos locais, período de aprendizagem e experimentações, que lhe concede o conhecimento do universo musical nordestino. Segundo o artista, essa vivência entre músicos da cultura popular fornece as bases de sua obra. Apesar de decisiva, a arte de Sivuca não se resume à influência regional, transitando entre diversos gêneros da música nacional e internacional. A experiência é tão diversificada que se torna impossível estabelecer seu perfil estilístico com base em determinado movimento ou gênero. Seus trabalhos podem ser identificados com a bossa-nova, jazz, forró, choro, baião, maracatu, frevo. No entanto, predomina o virtuosismo no acordeom e o improviso musical, característico de expressões da Paraíba, como os cantadores de coco.
Nas primeiras décadas do século XX, o acordeom estava associado à música tradicional. É necessário um longo trabalho para sua aceitação na música popular moderna e para ser considerado um instrumento de concerto. Esse instrumento tem destaque na produção musical de Sivuca, que se define como: “um ser humano diferente dos outros porque tinha um membro-extra, o acordeon”1. Ele não o abandona, nem ao transitar pela bossa-nova, rock ou jazz, apesar da dificuldade inicial de aceitação do instrumento, o que o força, por vezes, a optar pelo violão para se manter no mercado musical. Busca demolir tais barreiras, com habilidade e inovação artística. O reconhecimento do acordeom é uma luta que Sivuca empreende ao longo da vida: “Agora é que o preconceito está acabando. E eu, sem querer me vangloriar, trabalhei muito por isso. Mas, preconceitos à parte, eu continuo tendo, como instrumento principal, a sanfona”2.
Tal aceitação relaciona-se à difusão por meio do rádio, desde os anos 1930, de estilos musicais rurais, dentre os quais a música nordestina é um exemplo. Divulgada com o sucesso do baião, na década de 50, chama a atenção da indústria fonográfica para seu potencial comercial, o que favorece a presença do acordeom no cenário musical. O trabalho de Luiz Gonzaga, exemplifica esse processo que, simultaneamente, leva a música do campo às cidades e busca um novo sotaque para este som, de forma a adaptá-lo e torná-lo mais palatável ao público urbano. No período, as rádios constituem laboratórios musicais, promovendo intercâmbios e experimentações ao reunir, em seus estúdios e auditórios, distintos gêneros musicais e seus representantes, cada qual com sua formação instrumental. O ambiente é importante para Sivuca durante a sua permanência em Recife, pois, além do contato com diversos gêneros e artistas, permite que estude teoria musical com os músicos da orquestra das rádios. Ali, torna-se aluno do maestro e compositor Guerra-Peixe, aprimorando suas noções de harmonia, fundamental para a produção sinfônica que inicia nos anos 1980 e mantida por toda a vida. Nesse contexto, Sivuca conhece também, a música das Big Bands norte-americanas, que influenciam sua obra.
O artista também se destaca pela atuação como produtor musical de discos, espetáculos e trilhas sonoras. Com seu trabalho, divulga a música brasileira no cenário internacional, colecionando admiradores e prêmios. Em 2006, o Ministério da Cultura, reconhece a importância de seu trabalho em prol da música brasileira, concedendo-lhe a Ordem ao Mérito Cultural.
Notas
1. FREITAS, Dulcivânia. A Paraíba é o maior celeiro musical do Brasil. O Norte, João Pessoa, 25 dez. 1996. Caderno 2, p.1.
2. RODRIGUES, Elinaldo. Sou músico universal. Jornal da Paraíba, João Pessoa, 12 jul. 2003. Caderno de Cultura, p. 1
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