sábado, 20 de junho de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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Salgueiro

“Se eu for falar no Salgueiro,
é porque são muitas palavras que eu quis
pois não basta um idioma inteiro
para dizer o que o Salgueiro diz...”
CLÁUDIO JORGE e ALDIR BLANC, “Lua sobre sangue”


O ano de 1953 ficou na história para a comunidade do Salgueiro. Diferente das outras regiões onde surgiram escolas de samba a partir de blocos, no morro do Salgueiro havia três pequenas escolas constituídas: Unidos do Salgueiro, Depois Eu Digo e Azul e Branco. Todas competiam e dividiam a atenção dos tijucanos. 
Em 1953 as escolas do Salgueiro amargaram uma fragorosa derrota no desfile carnavalesco: com o primeiro lugar indo para a campeoníssima Portela, a Unidos do Salgueiro ficou em 6o lugar, com o 13o para a Depois Eu Digo e o 21o para a Azul e Branco. Era preciso mudar!
Após inúmeras reuniões com os integrantes das três agremiações, com polêmicas sobre a cor ideal da escola, surgiu o vermelho e branco do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro. Para muitos de seus admiradores, uma escola nem melhor nem pior, apenas diferente, como dizia Nelson Andrade, um dos seus primeiros presidentes. Mas a Unidos do Salgueiro só se incorporaria às outras duas escolas poucos anos depois.
Sua maior contribuição para o carnaval carioca está na reestruturação do desfile. Procurando uma temática que fugisse da tradicional valorização dos temas patrióticos, a escola passou a destacar figuras históricas de nossa herança africana.
O primeiro carnavalesco a fazer essas mudanças foi Fernando Pamplona, “o pai da revolução visual nas escolas de samba”,13 que trouxe para os desfiles os temas artísticos, folclóricos e épicos. Mas Pamplona ainda formou ótimos carnavalescos: Arlindo Rodrigues, o primeiro a colocar roupas ligadas ao tema no pessoal da bateria, e Joãozinho Trinta, bamba revolucionário do carnaval carioca, com seus grandiosos carros e alegorias, cheio de inventividade e criatividade.
Os principais carnavalescos contemporâneos passaram pelo Salgueiro: Rosa Magalhães, Maria Augusta, Clóvis Bornay, Renato Lage e Max Lopes, entre outros.


Geraldo Babão

“Vamos embalançar a roseira
dar um susto na Portela, no Império, na Mangueira
Se houver opinião, o Salgueiro apresenta
uma só União...”
GERALDO BABÃO

Foi esse samba aí de cima, sem nome conhecido, do compositor Geraldo Babão, que apontou em 1953 o surgimento da Escola de Samba Salgueiro. Geraldo desempenhou no Salgueiro um papel proporcional ao de Cartola na Mangueira: batalhou para que as três pequenas escolas da comunidade se unissem a fim de competir em pé de igualdade com as rivais Mangueira, Portela e Império Serrano.
Geraldo era um craque na arte de compor sambas. Em 1964, seu samba-enredo “Chico Rei” levou a escola ao segundo lugar. Um ano depois, compôs “História do carnaval carioca”, com o qual o Salgueiro conquistou o primeiro lugar; em 1973, o Salgueiro desfilou mais uma vez com um samba seu, garantindo um honroso terceiro lugar: “Eneida, amor e fantasia”.
Geraldo Soares de Carvalho, de apelido Geraldo Babão por conta do que acontecia quando tocava flauta, nasceu no morro do Salgueiro e deu duro desde jovem como carregador de engradados de cerveja, trocador de ônibus, entregador. Sua eficiente “estratégia de marketing” era usar a flauta para que as crianças ouvissem suas composições e passassem a divulgá-las pelo morro. Em 1974, chegou ao mercado o LP História das escolas de samba: Salgueiro, do selo Marcus Pereira, no qual Geraldo Babão interpretava algumas de suas composições. Dois anos depois, sua composição “Samba do sofá” foi registrada por Roberto Ribeiro no LP Arrasta povo, com aquela picardia característica do co-autor Dicró: “Ontem eu a encontrei/ beijando outro em meu sofá/ Veja que raiva eu senti/ Hoje bem cedo peguei o sofá e vendi...” Para finalizar, destaco então um trecho daquele samba de Geraldo Babão emblemático para o surgimento de sua escola: “Na roda de gente bamba/frequentadores do samba vão conhecer o Salgueiro/ como o primeiro em melodia/ A cidade exclamará, em voz alta/ – Chegou, chegou a Academia!”


“Peguei um Ita no norte”

Em 1993, o Salgueiro foi campeão do carnaval carioca com o samba-enredo “Peguei um Ita no norte”, de Demá Chagas, Arizão, Bala, Guaracy, Celso Trindade e Quinho. O samba conta a história de um nortista que deixou sua terra (em um Ita, navio que fazia o transporte de passageiros do Norte para o Sul) para vir morar no Rio de Janeiro, fazendo uma referência à música do baiano Dorival Caymmi: “Peguei um Ita no Norte/ pra vir pro Rio morar/ adeus meu pai minha mãe/ adeus Belém do Pará...” De fato, as condições socioeconômicas das regiões Norte e Nordeste levavam a população empobrecida a tentar a sorte no chamado “Sul Maravilha”. Além do acelerado crescimento industrial e urbano do Sudeste nos anos 1970, que atraía a mão-de-obra barata, a televisão passou a vender a imagem do Rio de Janeiro e de São Paulo como cidades glamorosas, terras de artistas, belezas naturais, luxo, riqueza e oportunidades. Mas a vida que os migrantes encontravam não era fácil: trabalho de mais de 12 horas por dia, geralmente sem garantias trabalhistas, e residência em locais que passaram a constituir o cinturão de pobreza das principais metrópoles – as favelas e periferias. O sonho de muitos acabou virando pesadelo.
Por outro lado, o belo samba do Salgueiro narra a visão festiva da viagem do Norte para o Sul: “Lá vou eu.../ me levo pelo mar da sedução/ sou mais um aventureiro/ rumo ao Rio de Janeiro/ adeus Belém do Pará/ Um dia eu volto, meu pai/ não chore pois vou sorrir/ felicidade o velho Ita vai partir/ ...Chego ao Rio de Janeiro/ terra do samba, da mulata e futebol/ Vou vivendo o dia-a-dia/ embalado na magia/ do seu carnaval/ Explode coração/ na maior felicidade/ é lindo o meu Salgueiro/ contagiando, sacudindo, esta cidade...”






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