Carlos Althier de Souza Lemos Escobar (Rio de Janeiro, RJ, 1950). Violonista, compositor e cantor. Ainda criança, ganha de sua tia Ligia o apelido de "Guinga", uma adaptação de "gringo", pelo fato de ter a pele clara e os cabelos escorridos. Do pai, um militar da Aeronáutica, o sargento Escobar (Althier da Silva Escobar), herda o gosto pela música erudita. Outra influência é do cantor Augusto Calheiros, de quem seu pai é fã. Pela mãe, a dona de casa Inalda, aproxima-se de serestas e valsas brasileiras.
O primeiro contato com o violão ocorre aos 11 anos. Entre os nomes importantes em sua formação estão Paulinho Cavalcanti, Hélio Delmiro (1947) e Jodacil Damasceno (1929-2010), com quem tem aulas de violão clássico por cerca de cinco anos. Aos 17, com o nome de Carlos Althier, classifica Sou Só Solidão no 2º Festival Internacional da Canção, com letra de Paulo Faya. Em 1970, passa a acompanhar a cantora Alaíde Costa (1935) e a cursar odontologia, formando-se em 1975. Também acompanha Beth Carvalho (1946), João Nogueira (1941-2000) e Cartola (1908-1980), com quem grava O Mundo É um Moinho, no disco do sambista. Como Carlos Escobar, classifica Pela Cidade, parceria com Marcio Ramos, no 4º Festival Internacional da Canção, em 1971. Três anos depois, tem temas seus e de Paulo César Pinheiro (1949), Conversa com o Coração e Maldição de Ravel, gravados pelo conjunto MPB-4. Com o mesmo parceiro, tem Punhal, registrada por Clara Nunes (1943-1983), em 1974, e Bolero de Satã, por Elis Regina (1945-1982), em 1979.
No ano de 1988, conhece Aldir Blanc (1946), que se torna seu parceiro mais constante. É apresentado a Paulinho Albuquerque, produtor de seus primeiros discos. Tem o primeiro álbum lançado em 1991, Simples e Absurdo, pelo selo Velas, com 11 temas seus e de Blanc interpretados por nomes como Chico Buarque (1944), Ivan Lins (1945), Leila Pinheiro (1960), Leny Andrade (1943) e Zé Renato (1956). Dois anos depois, lança Delírio Carioca, em parceria com Aldir Blanc, e duas composições com Paulo César Pinheiro (Saci e Passarinhadeira) e participação de Djavan (1949), Fátima Guedes (1958), Boca Livre e Leila Pinheiro. Lança Cheio de Dedos, em 1996, com participação de Chico Buarque, Nó em Pingo D'Água e Ed Motta (1971). No mesmo ano, Leila Pinheiro divulga o álbum Catavento e Girassol, com composições de Guinga e Blanc. Em 1997, é contemplado em quatro categorias do Prêmio Sharp. No ano seguinte, lança o disco Suíte Leopoldina, inaugurando parcerias com Nei Lopes (1942), Celso Viáfora e Mauro Aguiar. Como convidados, o próprio Nei Lopes, Chico Buarque, Alceu Valença (1946), Ivan Lins, Lenine (1959), Ed Motta e Toots Thielemans (1922).
Em 2001, ano em que é indicado ao Grammy latino por Suíte Leopoldina, estreia Cine Baronesa, com nova participação de Chico Buarque e Nei Lopes. Dois anos depois, lança Noturno Copacabana, com o registro de seu tema mais conhecido, Senhorinha, parceria com Paulo César Pinheiro. Há temas seus registrados em 2006 por Marcus Tardelli, no disco Unha e Carne. No ano seguinte, lança Casa de Villa, e dois anos depois o álbum Saudade do Cordão, interpretando temas seus com o clarinetista Paulo Sérgio Santos. No exterior, divulga, em 2004, Graffiando Vento, com o clarinetista italiano Gabriele Mirabassi (1967). Em 2008, fora do Brasil, novamente com Mirabassi, lança Dialetto Carioca, desta vez também com Jorginho do Trompete, Lula Galvão (1962) e Paulo Sérgio Santos.
Comentário Crítico
Violonista dos mais conceituados no cenário mundial, depois de ter contato com a obra de Guinga, Paco de Lucia declara que teve vontade de trocar seu universo musical pelo do brasileiro. O espanhol não é o único, já que, ao longo de sua carreira, Guinga recebe elogios de nomes como Tom Jobim, Turíbio Santos, Chico Buarque, Hermeto Pascoal, Sergio Mendes, Michel Legrand, Toots Thielemans, entre outros. Entre as explicações para a obra de Guinga despertar admiração e respeito entre artistas conceituados no Brasil e no exterior, a mais consensual para críticos e especialistas é a sua inventividade harmônica. O fascínio surgido pela obra de Guinga muitas vezes se dá pelas inusitadas formações de acordes encontradas no violão desse canhoto, mas que toca com a mão direita. No meio musical, não são poucos os instrumentistas com dificuldades em compreender e executar os intervalos e inversões propostos por Guinga.
Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural
Convidado para gravar Dos Anjos e Constance, no disco Suíte Leopoldina, de Guinga, o gaitista belga Toots Thielemans declara que, ao colocar as harmonias do compositor brasileiro em prática, sente estar diante de um artista especial. O mesmo ocorre nos Estados Unidos, nos anos 2000, quando Guinga se apresenta com a Filarmônica de Los Angeles, no Disney Hall. Recebendo elogios da crítica internacional e dos músicos pela originalidade de suas harmonias e melodias, ele subverte a ordem do concerto. Em geral, artistas apresentam alguns temas seus com a orquestra, que depois segue o programa sozinha. No caso do brasileiro, os músicos residentes interpretam poucas peças de seu repertório, reservando a maior parte da apresentação para a obra de Guinga. O mesmo respeito tem ocorrido em diversos países da Europa, principalmente na Itália, onde o brasileiro se apresenta com frequência, chegando a gravar nesse país, pela gravadora Egea, seus dois álbuns lançados no exterior.
Em relação à técnica, o violonista está longe de ser um virtuose. Em suas gravações nas quais os arranjos evidenciam mais o violão - como no álbum Graffiando Vento -, frequentemente ouvem-se algumas "sujeiras", o som dos dedos de Guinga raspando as cordas e os trastes do instrumento. Após a gravação de Unha e Carne, realizada pelo violonista Marcus Tardelli sobre a obra do compositor - naquele que é considerado por críticos como o melhor álbum de violão solo dos anos 2000 -, Guinga passa a usar com moderação uma técnica apresentada por Tardelli: utilizar o polegar da mão esquerda na formação dos acordes. Com isso, passa a conseguir novas aberturas e desenhos harmônicos mais amplos.
Mesmo antes da técnica com o uso do polegar da mão esquerda, Guinga já apresenta "achados de harmonia". Alguns alunos de violão - que têm aulas com nomes de respeito no instrumento, como o professor e presidente do Museu Villa-Lobos, Turíbio Santos - chegam a dizer que Guinga "inventa" alguns acordes. Outra característica marcante é o fato de ele transitar com naturalidade entre o erudito e o popular. Herdeiro direto da linhagem musical de Heitor Villa-Lobos, num mesmo disco de Guinga, pode-se escutar frevo, baião, valsa, choro, samba, foxtrote, entre tantos outros gêneros. Tudo criado intuitivamente. Apesar das aulas de violão clássico, ele não lê partituras. Quando especialistas perguntam como um sujeito criado no subúrbio pode ser capaz de tal erudição em alguns temas, ele responde, brincando, que fez um estágio na "Suburbone".
Se para o público a obra de Guinga - mesmo não tão difundida - não soa hermética e de difícil audição, para o meio musical, ela é encarada como sofisticada. Aldir Blanc, parceiro mais constante do violonista e compositor, declara que seus temas são "derruba-letrista", por sua sinuosidade melódica e diversidade rítmica. Guinga não musica poemas. Seu método de composição é criar a música e enviar aos letristas. Em alguns casos, ele cria o tema em duas partes - na estrutura A-B-A-B -, pedindo que o letrista não repita os mesmos versos na volta da canção. Com isso, algumas composições chegam a ter mais de 60 versos diferentes. Além de letristas como Nei Lopes, Chico Buarque, Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Mauro Aguiar e Celso Viáfora, ele faz parcerias com artistas mais jovens, como Edu Kneip, Thiago Amud, Simone Guimarães e Francisco Bosco.
Em relação aos arranjos, os primeiros discos de Guinga, produzidos por Paulinho Albuquerque, contêm muitas cordas e sopros, em geral, com participação especial de intérpretes renomados, já que o próprio produtor se opõe no início a que o autor cante. Isso muda com o passar dos anos até chegar ao álbum Casa de Villa, em que Guinga canta a maioria das faixas.
Ao longo de sua carreira, mais precisamente a partir do terceiro disco, Cheio de Dedos, Guinga grava de forma equilibrada uma quantidade maior de temas instrumentais, contando sempre com músicos conceituados, como Paulo Sérgio Santos, Lula Galvão, Jessé Sadoc, Zé Nogueira, Quarteto Maogani, Jorge Helder, Marcos Suzano, Jurim Moreira, Gilson Peranzzetta.
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