sábado, 6 de junho de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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Feijoada, comida da casa-grande

Para quem acha que a feijoada é um prato tipicamente oriundo das senzalas brasileiras, cabe aqui uma retificação histórica. Um dos pratos mais característicos do Brasil, a feijoada, ganhou sua forma e seu gosto no interior da casa-grande. O feijão era já cultivado pelos índios brasileiros, diferente dos feijões europeus e africanos. Nas senzalas, os escravos comiam feijão com farinha. Foi a influência da culinária européia, que misturava as carnes dando grande valor ao pé e à orelha de porco, como no cozido, que deu feição ao prato. Essa forma saborosa conhecida como feijoada conquistou a sociedade no século XIX e nunca mais saiu do cardápio do brasileiro – de qualquer classe social.
Samba e feijão sempre andaram de mãos dadas, desde os tempos da Cidade Nova. E os encontros organizados pelas “tias” do samba das escolas, as famosas festas regadas a feijão, samba e cachaça, mantiveram essa tradição viva durante grande parte do século passado. “Provei o famoso feijão da Vicentina/ só quem é da Portela é que sabe que a coisa é divina”, diz Paulinho da Viola na letra de “No pagode do Vavá”. A portelense Vicentina, irmã do mítico Natal da Portela, nos traz a lembrança das lendárias tias da Praça Onze: cozinheira de mão-cheia, desfilou anos na ala das baianas da Portela, ficando imortalizada pelo tempero de seu feijão na composição de Paulinho.


Império Serrano

“Menino de 47
de ti ninguém esquece
Serrinha, Congonha, Tamarineira
nasceu o Império Serrano
o reizinho de Madureira...”
NILTON CAMPOLINO e MOLEQUINHO, “Menino de 47”

O “reizinho de madureira”, como diz o samba, foi fundado em 1947, mas sua história começou na década de 1920, na escola de samba Prazer da Serrinha.
A Prazer da Serrinha seguiu o roteiro das escolas cariocas: surgiu após a união de componentes de vários blocos carnavalescos que existiam no morro da Serrinha: Bloco da Lua, Borboleta Amorosa e Cabelo de Mama. Esse último era controlado por Alfredo Costa, e tornou-se o núcleo da escola.
O comando pouco democrático de Alfredo e sua família gerou um movimento de insatisfação dos outros componentes, capitaneados por Sebastião Molequinho. Abaixo-assinados, reuniões e protestos contra os desmandos de “seu” Alfredo levaram à fundação da escola de samba Império Serrano, na casa da dona Eulália, irmã de Molequinho, na rua da Balaiada, no coração do morro da Serrinha.
Lá estavam Silas de Oliveira, Fuleiro, João Gradim, Manula, Fumaça, Mano Elói, Antônio Caetano. Molequinho escolheu o nome da escola. Mas suas cores prediletas, azul e amarelo-ouro, perderam para as consensuais verde e branco. A escola foi campeã em seu primeiro desfile e hoje acumula nove campeonatos.


Silas de Oliveira

“Vejam essa maravilha de cenário
é um episódio relicário
que o artista num sonho genial
escolheu para este carnaval...”
SILAS DE OLIVEIRA, “Aquarela brasileira”

Nascido e criado em Madureira, bairro do subúrbio do Rio, Silas de Oliveira ia para as rodas de samba escondido do pai, professor e pastor protestante, acompanhado de mestre Fuleiro, Antônio Rufino, Aniceto do Império e do sambista e pai-de-santo Mano Elói. Seu pai tentou, em vão, transformá-lo em professor de português. Mas era tarde demais. Apaixonado por uma aluna, Elaine dos Santos, com ela e com Mano Décio da Viola começou a frequentar as rodas de samba das casas das “tias”.
E foi com Mano Décio que Silas compôs seu primeiro samba, “Meu grande amor”. Mano Décio foi também o responsável por levar Silas para a escola de samba Prazer da Serrinha, onde começou tocando tamborim e chegou a ser diretor de bateria. Ao lado de mestre Fuleiro, Antônio Rufino e outros sambistas, fundou o Grêmio Recreativo e Escola de Samba Império Serrano.
De 1950 até sua morte, em 1972, compôs mais de dez sambas-enredos para o Império. Um deles o consagraria como um dos mitos do gênero: “Aquarela brasileira”. Foi seu maior sucesso e também um dos sambas mais tocados em rádios e cantados nas rodas. Silas é também autor de sambas que sem dúvida estão gravados na história, como “Pernambuco, leão do Norte”, “D. João vi” e “Medalhas e brasões”. O último carnaval em que o Império desfilou com um samba de Silas foi o de 1969, com “Heróis da liberdade”, em parceria com Mano Décio e Manoel Ferreira (“Ô ô ô ô/ liberdade, Senhor!/ Passava a noite, vinha dia/ o sangue do negro corria, dia a dia/ de lamento em lamento, de agonia em agonia/ ele pedia/ o fim da tirania ... Samba, meu samba/ leva essa homenagem/ aos heróis da liberdade”). Em maio de 1972, Silas foi a uma roda de samba com o intuito de conseguir algum dinheiro e com isso pagar a inscrição da filha no vestibular. Quando cantava seu samba “Cinco bailes da história do Rio”, teve um ataque cardíaco fulminante. Em seu enterro, seu samba “Heróis da liberdade” foi cantado para homenageá-lo. A partir daí, essa música passou a ser executada em funerais de sambistas. Silas foi gravado por Elza Soares, Roberto Ribeiro, Jamelão e Martinho da Vila.


Mano Décio da Viola

“Joaquim José da Silva Xavier
morreu a vinte um de abril
pela independência do Brasil
foi traído e não traiu jamais
a inconfidência de Minas Gerais...”
MANO DÉCIO DA VIOLA, “Exaltação a Tiradentes”

Décio Antônio Carlos nasceu em Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Muito pequeno ainda, saiu de lá e foi morar em Juiz de Fora, mas pouco tempo depois a família mudou-se para o Rio de Janeiro, para o morro de Santo Antônio, Centro da cidade. Logo sua família seria a responsável pelo desfile do rancho Príncipe das Matas, e chegou a desfilar também no bloco Vai como Pode, que deu origem à Portela.
Com cerca de 12 anos, Décio foi morar sozinho no morro da Mangueira, trabalhando como jornaleiro no Largo da Carioca, no Centro do Rio. Foi nessa época que começou a frequentar as rodas de samba do Buraco Quente, na Mangueira, ao lado de bambas como Cartola e Carlos Cachaça. Por volta de 1934 foi morar na Serrinha, e frequentando a Prazer da Serrinha ganhou do amigo Mango o pseudônimo de Mano Décio da Viola. Esse mesmo ano é marcado por um episódio triste em sua vida: trabalhava no cais do porto descarregando latas de creolina quando uma delas estourou, deixando-o cego de um olho. O samba “Cego e surdo” foi inspirado nesse incidente.
Durante alguns anos, entre 1934 e 1940, viveu de vender seus sambas, como “Vem, meu amor”, que tem uma história curiosa: Mano Décio ouviu a valsa “Os patinadores” numa sessão de cinema e decidiu colocar letra. A composição acabou sendo registrada em nome de Bide e João de Barro.
Em 1948, Mano Décio deixou a Prazer da Serrinha e se juntou a Silas de Oliveira no Império Serrano. E já no ano seguinte essa escola se consagraria campeã do carnaval com um samba seu, “Exaltação a Tiradentes”, em parceria com Penteado e Estanislau Silva. A partir daí, o Império ganhou vários carnavais com sambas de Mano Décio ou de Silas de Oliveira, seu parceiro mais constante, ou dos dois juntos.
Uma das histórias mais interessantes acerca dessa parceria aconteceu no ano de 1960, em que a escola desfilou com o samba “Medalhas e brasões”. Conta-se que o Departamento de Turismo censurou a composição, porque o samba chamava o ditador paraguaio Solano López de... ditador! E isso não pegava bem para as relações diplomáticas entre Brasil e Paraguai. Sob protesto, a letra foi mudada, o que ocorreria alguns anos mais tarde também com o samba “Heróis da liberdade”.
É preciso registrar, porém, que entre 1964 e 1969 Mano Décio trocou o Império pela Portela sem, entretanto, compor nenhum samba-enredo pela Azul-e-branco.
“Heróis da liberdade” marca a última parceria de Mano Décio e Silas de Oliveira; nessa época os tempos do samba-enredo eram outros, e Mano Décio preferiu se afastar da escola por não concordar com as mudanças que estavam ocorrendo. Com a morte do parceiro Silas, em 1972, continuou compondo, embora desligado das escolas de samba.




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