quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Por Luiz Américo Lisboa Junior



Orquestra Armorial  (1975) 

A produção artística brasileira sempre esteve ligada a movimentos ocorridos nas principais cidades do sul do país, mesmo que seus protagonistas fossem de outras regiões e isso é facilmente explicado pelo fato de o Rio de Janeiro e São Paulo oferecerem toda a estrutura e visibilidade necessárias para o lançamento e popularização de todas as manifestações surgidas. A primeira foi ate 1960 capital do país e a segunda seu eixo financeiro mais forte, conseqüentemente nelas concentravam-se as gravadoras, principais estações de radio, jornais, os mais importantes museus, enfim quem quisesse vencer na vida artística tinha que emigrar para o sul do país, alcançando o sucesso, ele se estenderia ao resto do território e tornava-se portanto um elemento unificador da cultura nacional representada por seus expoentes das varias regiões. Foi assim que o fenômeno Luiz Gonzaga nos anos cinqüenta se estabeleceu, e o Brasil de norte a sul ouviu seu canto e conheceu melhor e mais profundamente a cultura do Nordeste.

Muitos movimentos estabelecem um percurso contrario, ou seja, surgem em seus locais de origem e depois de consolidados são divulgados nos centros mais desenvolvidos, apesar de não ser uma regra eles ocorrem quando se verifica que a força regional e a qualidade da sua produção cultural se tornam unânimes em sua comunidade e o seu lançamento e posterior divulgação em escala maior é apenas a continuação de um trabalho já cristalizado, contribuindo assim para diminuir a dependência dos centros mais prósperos e valorizando a capacidade local de se fazer ouvir com mais intensidade, proporcionando um movimento descentralizador e independente, fenômeno que se ocorreu com menos intensidade nos anos setenta e oitenta, veio com o crescimento das regiões metropolitanas a afirmar-se criando um mercado próprio e auto sustentável.

As manifestações de caráter regional que tomou conta do país foi batizado de Movimento Armorial tendo entre seus idealizadores Ariano Suassusa e Cussy de Almeida. Com uma proposta de divulgar a arte nordestina na musica, teatro, literatura e artes plásticas, foi buscar em nossas tradições mais profundas o seu sentimento nativista produzindo uma expressão artística tipicamente nacional fundada em nossos mitos e na cultura popular. No dizer de Ariano Suassuna a Arte Armorial Brasileira "é aquela que tem como traço comum principal a relação com o espírito realista e mágico dos folhetos do Romanceiro Popular do Nordeste, Literatura de Cordel, com a música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus cantares e com a xilogravura que ilustra suas capas, assim como o espírito e a forma das artes e espetáculos populares com esse romanceiro relacionados".

O especifico da musica criou-se, a Orquestra Armorial de Câmara cuja estréia deu-se em 18 de outubro de 1970 na igreja de São Pedro dos Clérigos em Recife, data também do lançamento oficial do Movimento. Com uma sonoridade que traduz todo um sentimento de brasilidade nordestina, a música armorial se propõe a realizar uma arte brasileira erudita a partir de raízes populares, utilizando instrumentos típicos de nossa ancestralidade musical que remontam o barroco do século XVIII, como a rabeca, a viola, o clavicórdio e a viola de arco.

Em 1975 a Continental lançou o primeiro LP da Orquestra Armorial e o que era um movimento artístico regional localizado tornou-se numa das maiores expressões nacionais de cultura dentro da vanguarda artística contemporânea brasileira. Com um repertório composto de 12 peças, destacam-se de Cussy de Almeida o principal compositor do movimento a Abertura (em duas partes), Nordestinados, Aboio e o Kyrie. O maestro Guerra Peixe um de seus mais entusiásticos divulgadores comparece com Galope e Mourão. Capiba um dos mais representativos compositores pernambucanos contribui com Sem lei nem rei, o flautista Jose Tavares de Amorim com Ciranda armorial e Pífanos em dobrado, ambas executadas com pífanos populares feitos de taboca. Por fim temos Terno de pífanos, de Clóvis Pereira e Repentes, de Antonio Jose Madureira.

A importância do Movimento Armorial é fundamental para a compreensão das nossas raízes culturais fincadas no imaginário popular, sua musica forte, doce e contemplativa nos remete a vastidão das terras nordestinas, proporcionando-nos um retorno a nossa ancestralidade e retomando uma linha evolutiva de nosso cancioneiro que deságua na exata dimensão da compreensão plural de um país que se completa e se agiganta com suas múltiplas expressões culturais, unificando-o em sua diversidade e fortalecendo sua identidade.

O disco da Orquestra Armorial lançado originalmente em 1975 foi um marco nessa proposta renovadora das artes brasileiras, surgiu de uma necessidade de se revisitar a cultura popular a partir do Recife e indo parar nos mais importantes centros do país como a legitima expressão de uma arte que nos representa em plenitude.

Hoje em dia talvez sejam poucos os que conhecem a musica armorial, no entanto é necessário que ela se revitalize para que com todas as facilidades de comunicação que temos ela se faça mais presente para sedimentar em nós o sentido da nossa afirmação enquanto brasileiros.


Músicas: 
01 - Abertura (Cussy de Almeida)
02 - Galope (Guerra Peixe)
03 - Ciranda armorial (Jose Tavares de Amorim)
04 - Nordestinados (Cussy de Almeida)
05 - Repentes (Antonio Jose Madureira)
06 - Terno de pífanos (Clóvis Pereira)
07 - Aboio (Cussy de Almeida)
08 - Mourão (Guerra Peixe)
09 - Pífanos em dobrado (Jose Tavares Amorim)
10 - Sem lei nem rei - 1º. Movimento (Capiba)
11 - Kyrie (Cussy de Almeida)
12 - Abertura (Cussy de Ameida)


Ficha Técnica
Produtor fonográfico: Discos Continental
Coordenação geral: Ramalho Neto
Assistente de produção: Waldemar Farias
Estúdio de gravação: Conservatório Pernambucano de Música - Recife
Técnico de gravação: Aloísio Mello
Equalização: Estúdios Haway
Arte da capa: Ariano Suassuna
Texto da contra capa: Ariano Suassuna
Regências: Cussy de Almeida 

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