quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

CLAUDIA AMORIM - ENTREVISTA EXCLUSIVA



Em descontraído bate-papo a cantora e compositora carioca revela-nos peculiaridades sobre sua carreira, dentre as quais a participação dos músicos Luis Cláudio Ramos e do saudoso Perinho Santana.


Por Bruno Negromonte

Certa vez o Mario Quintana escreveu: "O poema é uma garrafa de náufrago jogada ao mar. Quem a encontra salva-se a si mesmo". E o que falar quando através de uma talentosa intérprete a música contextualiza-se sem tirar nem por ao poema do grande literato gaúcho? Pois bem, talvez não seja necessário falar, mas ouvir e captar a mensagem trazida por esta artista nascida no Rio de Janeiro e que já conta com três álbuns em sua coesa carreira musical. Assim como o poema de Quintana"Sede", terceiro e mais recente álbum de Claudia Amorim, deixa de modo subentendido transparecer essa ideia. De modo análogo a imagem de uma garrafa próxima ao mar no projeto gráfico do disco é a maior tradução dessa afirmação além de outras características como pode-se conferir aqui mesmo em nosso espaço através da pauta "CLÁUDIA AMORIM SACIA SUA SEDE EM PROFÍCUAS FONTES".  Hoje a artista volta ao nosso espaço para uma informal e descontraída conversa onde aborda, dentre diversos assuntos, a sua parceria com nomes como Luiz Claudio Ramos, Danilo Caymmi e Perinho Santana; a participação de sua filha, a sua atuação como produtora entre outros assuntos. Excelente leitura para quem a mensagem trazida pela artista.



Você iniciou a sua carreira ainda bastante jovem ao participar de dublagens e outros eventos mais voltados para a área da publicidade e da propaganda. A ideia de seguir carreira como cantora surgiu a partir desses projetos ou você viu a partir deles a oportunidade de ascensão dentro do contexto ao qual queria alcançar, que era a ser cantora?

Claudia Amorim - Não partiu dessa experiência como vocalista não. Eu decidi que queria cantar aos 10 anos. Meu primeiro trabalho com dublagem foi aos 11 ou 12 não me lembro bem e com publicidade aos 13. Mas era muito tímida, tinha vergonha de cantar sozinha, então só participava de coros. Mais tarde fiz parte de um Quinteto Vocal chamado Cor e Canto, cantamos profissionalmente por 6 anos. Foi com este grupo que trabalhei com Tavito, Sandra de Sá e num disco da Leila Pinheiro. O Cor e Canto era o vocal deles. Até que um dia, o Danilo Caymmi e o produtor Mairton Bahia ouviram uma gravação minha e disseram que eu tinha um timbre de voz muito peculiar, que minha voz era muito bonita, com um vibrato delicado e uma dinâmica muito legal, que eu devia ser solista. Que eu devia cantar sozinha até porque cantar em grupo é muito complicado em termos de administração de carreira, de desavenças e coisas e tal. Resolvi tentar e parti pra carreira solo. Tinha amadurecido não o suficiente, que cantor se faz no palco, mas achava que estava na hora e fui. Danilo me deu 2 músicas de presente pra gravar, um delas entrou no meu primeiro cd, e fez comigo meu show de estreia. Devo a ele muito, sou muito grata.


Antes de sua carreira solo você atuou durante alguns anos como back vocal de alguns nomes da MPB. Como surgiu essa oportunidade?

CA - A nata da MPB frenquentava o Bar que o Cor e Canto cantava. Naquela época ( eu cantei dos 17 aos 22 com o grupo) a noite do Rio era muito agitada, havia um grande investimento em bares com música ao vivo e o Club 1, onde a gente cantava, era point de todos os artistas. As pessoas iam la, ouviam a gente e chamava pra ser coro deles. Foi assim com Tavito e com a Sandra de Sa. Tavito na época levou a gente pra gravar um mundo de anúncios pra radio e Tv e foi ele quem botou a gente no coro da música Anima no cd Alma de Leila Pinheiro. Ficou a coisa mais linda do mundo.


Qual foi o momento em que você decidiu que era hora de abandonar a segunda voz e partir para a carreira solo?


CA - Houve algum acontecimento específico? Momento de vida mesmo, amadurecimento natural do canto e a intervenção do Danilo Caymmi como falei na resposta um. Queria mais liberdade de trabalho artístico também, escolher o próprio rumo da minha vida como cantora.





Em seu primeiro disco (“Dia branco”) você assina uma versão de uma canção do Cantor e compositor espanhol Pedro Guerra. De lá para cá não há em seus discos mais nenhum registro de canções e/ou versões de sua lavra. Há alguma razão específica para isso?


CA - Ainda não sinto que seja o momento de compor, ainda não despertou em mim essa veia. Mas vai acontecer, já estou sentindo que vai. De toda forma tenho tanta admiração pelos compositores que nós temos que gosto da ideia de ficar anos escolhendo repertorio pra gravar. Meu caminho na música não é compor é cantar. Composição seria algo bem secundário. No momento não to me preocupando com isso. Na época do Pedro Guerra, eu estava indo a Espanha com muita frequência e ouvindo muitos artistas de la. Amei o trabalho do Pedro e queria gravar mas não em espanhol então pensei: " porque não fazer uma versão?" Pedi ajuda pra uma amiga poetisa, Ivana Barreto, e fizemos juntas a letra que foi aprovada por ele. Foi uma experiencia ótima que me aproximou de Pedro Guerra de quem gosto muito.


Sede”, seu mais recente trabalho, apresenta característica que o assemelha, em dado momento, aos seus discos anteriores. Seja a partir da escolha de um excelente repertório ou até mesmo por conta de sua sonoridade, que perpassa pelas mais diversas regiões do país. É mais ou menos por aí a proposta do disco? 

CA - É sim, mas a grande força sonora vem do Rio e Nordeste, os ritmos afro-nordestinos e a música carioca, em especial o universo Buarquiano e tudo que o influenciou que me influencia também. O som e a cultura do nordeste já estavam em mim desde que nasci, sou neta de baiana, e amo o nordeste. A música e os artistas de lá sã muito criativos, cheios de ritmos e letras em geral com um toque de sofrimento por ser mesmo uma região mais carente e sofrida. Mas o povo nordestino é forte, trabalhador, lutador e eu adoro. Alem disso, o SEDE é o resultado dos meus últimos 5 ou 6 anos de shows e gravações e do meu trabalho com o trio eu + Perinho Santana + Renato Piau, dois nordestinos que trouxeram qualidade e influencias de la pra mim. Agora somos dupla, Perinho faleceu em 2012 logo após o lançamento do cd que ele produziu com tanto esmero e cuidado. Mas minha parceria com Renato Piau cresce a cada trabalho, a cada projeto, temos muita identidade artística.


Este projeto traz, entre as inúmeras características a participação de sua filha em uma das faixas presentes no disco. Este já seria o primeiro sinal de um possível encaminhamento para a vida artística?

CA - hahahhhhahaha, seria. Ela canta muito bem, tem uma voz linda, senta no piano e toca sem ter tido nenhum estudo, mas acho que ela não vai seguir essa carreira não. Muita luta, muita dificuldade, muita frustração. Tem que ser muito carne de pescoço. Ate o momento ela segue a parte administrativa ligada à cultura. Cursa Administração com foco em Entretenimento na ESPM e trabalha numa rádio de ponta aqui do Rio. Temos uma empresa de produção cultural que gerencia minha carreira e outros projetos chamada Rit'me Produções Artísticas juntas. Descobri que adoro produzir.


Este disco conta com dois arranjadores, e um deles é o Perinho Santana. Pouco tempo depois do lançamento do disco o Perinho veio a falecer. Qual a marca maior (ou aquela característica que você acha mais perceptível) deixada por ele neste que foi um dos seus últimos projetos?

CA - As maiores características de Perinho são o extremo bom gosto nos arranjos, nas soluções que ele arruma pra musica, a guitarra maravilhosa que ele tocava e o suingue. Perinho era o rei do suingue. Fez esse cd com muito empenho, carinho e esmero, pensando na parte artística e na parte comercial sem perder o bom gosto. Como a gente já trabalhava juntos ha muitos anos, ele conhecia bem o meu jeito de cantar, a minha proposta como artista, o que eu queria dizer nas letras e no projeto como um todo.


Como se deu a ideia de convidar o Luiz Claudio Ramos?

CA - Em 2007 fui convidada pra produzir junto com a Guitarra Brasileira, empresa do Renato Piau, um show em homenagem a Chico Buarque. Tínhamos carta branca pra escolher quem a gente quisesse pra compor o elenco e a parte técnica. Esse show foi realizado pela OAB RJ, o presidente da OAB na epoca, Dr. Wadih Damus, era fã incondicional de Chico e do Luiz Claudio. Eu era fã do Luiz de ficar doida vendo ele no palco e o Piau já tinha trabalhado com ele. Então não tinha duvida, era ele. Ele aceitou o convite, montamos todo o lindo espetáculo que ocupou uma noite no Canecão com uma plateia gigante que lotou o lugar, 16 pessoas no palco, uma equipe enorme. Foi a coisa mais linda do mundo aquele espetáculo. Foi uma aula de produção e de canto pra mim. Você pode imaginar que quase infartei depois né? Tanto trabalho em cima de mim, mas foi excelente. Conseguimos trazer pro projeto uma parte da banda que acompanha o Chico, em especial o Wilson das Neves, baterista, e ainda botamos eu, Quarteto em Cy, Ruy Faria e Chico Faria como os interpretes. Assim conheci o Luiz e ficamos amigos. Quando fui fazer o cd, convidei pra dois arranjos e a escolha de uma musica do Chico foi inevitável já que ele arranja Chico Buarque há mais de 20 anos. Essa foi uma das minha parcerias profissionais das quais mais me orgulho. Aprendi imensamente com ele e realizei o sonho de estar pertinho de meu ídolo. Outro artista que eu era e sou louca e pirada de tanto ser fã, é Geraldo Azevedo. A vida também me deu a felicidade de ter ele no meu primeiro cd cantando comigo. Como diz o Wilson das Neves: ô sorte!!


E escolha das faixas produzidas por ele? Quais foram os critérios mais relevantes?

CA - Ele ser especialista no universo Buarquiano do qual faz parte ha mais de 20 anos e a outra foi amor a Dominguinhos mesmo que eu e ele tínhamos.




Além do palco, você também tem um trabalho paralelo a ele ao lado da Taissa Maia na questão da produção artística a partir da Ritme. Você poderia nos contar, além de como é atuar nesse lado burocrático, um pouco mais sobre a Ritme Produções Artísticas?


CA - Hoje em dia o artista tem que se produzir. Parece que virou uma exigência do mercado de uns tempos pra ca. A produção do seu próprio trabalho virou um braço do trabalho artístico. Não existe mais aquela figura do artista que fica em casa só criando, pensando, musicando, sem que ninguém possa atrapalhar... Essa figura definitivamente acabou. Hj os artistas se produzem, gravam seus próprios cds, tem estúdios, escritórios, fazem seus próprios acertos de distribuição...enfim. Nesse contexto surgiu a Ritme Produções Artísticas, minha empresa de produção cultural em sociedade com a Taissa Maia. Com o tempo a gente foi diversificando e atendendo outros artistas, principalmente na parte de consultoria de novos trabalhos e projetos especiais. Hoje a Ritme tem duas outras empresas parceiras que se associam quando necessário: a Guitarra Brasileira de Renato Piau e a SPPS Marketing. Eu também adoro produzir. E o artista que se produz e gerencia sua própria carreira tem um controle muito maior sobre o seu trabalho.



Em sua discografia há longos hiatos de um projeto para o outro. Você pretende manter-se neste contexto ou aqueles que acompanham a sua carreira já podem sonhar com algo novo em um intervalo de tempo menos que os sete anos entre o álbum “...Para entender as estrelas” e “Sede”?

CA - hahahahah não sei. O nome desse hiato, amigo, é grana. Eu produzo meus discos e negocio depois. Sem grana não tem cd. De toda forma sinto que um cd precisa de um tempo grande pra ser trabalhado e pra vir o caminho artístico natural do disco seguinte entende? Não sei se eu conseguiria fazer um por ano, não sei se eu teria demanda artística pra isso. O tempo grande é em função de poder também trabalhar um cd por uns 3 anos ou 4 e levar tempo pra pensar no projeto seguinte e na escolha de repertorio que no meu caso demora um pouco, porque garimpo muito com compositores novos, a nova safra entende? Testo muito novas canções no show também. Por enquanto, algumas ideias pro novo trabalho ja estão começando a pintar. Vai ter novidade pra 2015. Com certeza meu novo clipe sairá no ano que vem. Fora projetos interessantes que tenho com outros artistas, Angela RoRo e Renato Piau são os mais presentes. Gostaria muito também de realizar algum show com Vander Lee, meu amigo ha anos. Tenho dado entrada em editais. Aguardem novidades. E o novo clipe vai chegar. Só gostaria de concluir dizendo que tenho a honra de trabalhar com gente muito experiente e que só aprendo com eles a cada trabalho. Aprendo também a cada projeto bem sucedido e a cada frustração. Essa é a maior felicidade de fazer parte da MPB, conhecer e trabalhar com tantos talentos, famosos ou não, arranjadores, produtores musicais, cantores, músicos e técnicos de alto nível. Sou abençoada nesse sentido. E aproveito também pra dizer que tem muita coisa boa na MPB, muita mesmo, que não aparece porque a grande mídia não deixa. Somos ainda o país que faz uma das melhores músicas do mundo. E temos grandes compositores novos e cantores novos também.

Brigada Bruno, adorei falar contigo.





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