Por Elenilson Nascimento
Aproveitando que o “rei” Roberto Carlos proibiu a sua recente biografia, “Roberto Carlos em Detalhes”, numa cena repulsiva digna de páginas policiais e divulgada meses atrás por toda imprensa, onde um imenso caminhão parou diante do depósito da editora Planeta e recolheu 670 caixas com 10.700 exemplares do tal livro, escrito pelo historiador (e fã declarado de RC) Paulo Casar Araújo. Eis o resumo da ópera: o desfecho do caso do livro censurado como resultado do acordo judicial mais escandaloso e esdrúxulo de que se tem notícia é a comprovação da ignorância de alguém com uma carreira artística há mais de quarenta anos, e um sucesso inigualável, que deveria ter ao menos noção da relevância da liberdade de expressão. É inacreditável que num país que se diz livre, em plena vigência do estado de direito democrático, com uma Constituição que assegura a liberdade de expressão, tenhamos uma fogueira queimando milhares de livros. Isso tudo é muito grotesco e vergonhoso. E eu tinha que escrever a minha ojeriza em algum lugar.
Mas se o objetivo do RC era fazer com que ninguém lesse o tal livro, seu plano foi por água abaixo. Centenas de páginas pela internet já estão disponibilizando o material em formato PDF e ainda enfatizando os pontos que incomodaram tanto o RC: o acidente de infância em que perdeu parte da perna (sempre achei que isso fazia parte o folclore), as revelações sobre a sua vida sexual (o cara era mesmo comedor) e o relato da agonia em 1999 de sua mulher Maria Rita. Só não entendo o porquê de tanto blá blá blá, pois todos esses casos já eram conhecidos e previamente publicados por todos os lados. Até Paulo Coelho em artigo na Folha de S. Paulo, censurou a editora Planeta pelo acovardamento que acabou tirando de circulação o livro – além de ter se declarado chocado com a “atitude infantil” do RC. E eu vou logo dizendo que quando eu for rico e famoso, ao contrário da sua estupidez do RC que não deixou ver a sua insensatez, vou exigir também a minha própria biografia não-autorizada, com direito às revelações incomensuráveis e inconfessáveis retiradas das páginas da Caras. Até parece que vou me dá a esse trabalho. Mas, aproveitando essa coisa de biografia, queria inaugurar esse espaço fazendo reverência a uma outra biografia (pouco divulgada, como sempre): o livro de memórias do ex-marido da Elis, o Ronaldo Bôscoli, escrito por Luiz Carlos Marciel e Angela Chaves.
Esse sim é um livro muito interessante (“sem nenhum remorso, sem qualquer rancor”), independente da rasgação de seda em cima do biografado. Bôscoli (em tempos remotos) foi o porta-voz de uma tendência musical que surgia no Brasil: a Bossa Nova. No livro, ele aparece participando de todo o movimento, traçando um panorama humano e artístico dos grandes nomes da música popular brasileira; o seu difícil relacionamento com Elis; a sua infância no internado de São José; algumas fotos com os filhos (muito legal ter visto o João Marcelo menino, pois eu adoro o cara); o depoimento dele dizendo que tinha tudo para ser bicha (muito hilário!); um textozinho sobre Nelson Rodrigues; os ciúmes por causa do envolvimento da Elis com Pelé; a primeira capa de disco da Bossa Nova; Norma Bengell fazendo show na PUC; o sucesso de gente como Juca Chaves, Sylvinha Telles, Zimbo Trio, Os Cariocas, Trio Irakitan, Baden Powel; o preconceito da sociedade contra Elza Soares e as transas com Nara Leão – quem diria, com aquela cara de santa.
Estão presentes também as suas deliciosas histórias com Jobim, Vinícius, Roberto Carlos (quando ainda não deixava que o ego subisse à cabeça), Sérgio Mendes, Wilson Simonal (vale muito a pena conferir o depoimento sobre o Simonal), Roberto Menescal, o chato do João Gilberto, Maysa e outros personagens da noite carioca. Além de coisas sobre a Xuxa, Tim Maia, Telê Santana, Paulo Coelho, Nelson Motta, Milton Nascimento, Bethânia, Lúcio Alves, Juscelino Kubitschek, João Goulart, o maravilhoso João Donato, Jô Soares, Flávio Cavalcanti, Fagner, Fafá de Belém, Fábio Jr., Erasmo, Emilio Santiago, Elizete Cardoso, Caymmi, Djavan, Danuza Leão, Caetano, Boni (da Globo) e o namoro com a atriz Joana Fomm. Tem ainda algumas fotos bem bacanas de Ari Barroso com os “moços da Bossa Nova”, Marcos Vale novinho, com Miéle e do casamento com Elis. Bôscoli também cita Frank Sinatra, Nat King Cole, Johnny Mathias e Julio Iglesias – todos desmistificados por seu olhar de jornalista e observador da história que se construía.
Em tempo: Bôscoli é autor de "Canção que morre no ar” (com Carlos Lyra), "O barquinho" (com Roberto Menescal), entre outras músicas que ficaram na história e estão presentes no repertório de grandes intérpretes. O cara também foi cunhado de Vinicius – pode imaginar isso? (“ELES E EU – MEMÓRIAS DE RONALDO BÔSCOLI” de Luiz Carlos Marciel e Angela Chaves, 286 págs. Rio de Janeiro, 1994 – Nova Fronteira)
0 comentários:
Postar um comentário