“Depois de dominar os oceanos por quatro décadas com sua argúcia de velho lobo do mar, o Almirante Vasco Marques agora vive em sossegada reforma, ao lado da sua Rosarinho, num castelo aprazível do Bairro Alto de Lisboa. Quando a noite desce sobre a Península Ibérica, enquanto Rosarinho leva ao forno uma garoupa recém pescada, o Homem do Norte (como o Almirante é conhecido na cidade do Porto) desce à adega suntuosa e mergulha na dúvida torturante: Barca Velha ou Château Margaux? O que beber no jantar? Decide-se, por fim, por um Alvarinho, perfumado e resfriado, que, em vez de constranger, vai enaltecer a garoupa.
"Navegar é o destino dessa raça!...", diz Rosarinho, resignada ante a vocação incontornável do grande marinheiro. O comentário é feito, não por acaso, ao pé da belíssima estátua de Pedro Álvares Cabral que domina o átrio do castelo onde mora o casal. Quando fala em "raça", Rosarinho se refere de forma ambivalente à raça portuguesa e também à raça dos homens indômitos que arrostam os perigos, os presságios e a tempestade e sabem que, depois da tempestade, vem o sossego do conhaque.
O Almirante, sem qualquer vaidade, sabe que pertence às duas estirpes. Ele compreendeu os versos de Fernando Pessoa - "Navegar é preciso, viver não é preciso" - terçando armas com um pirata armênio no tombadilho de uma escuna (antiga embarcação à vela, de mastreação constituída de gurupés e dois mastros): navegar é uma ciência exata e necessária; viver, além de ofício incerto, só é indispensável com honra. Na reforma sossegada, depois da garoupa inexcedível, nos devaneios do conhaque, o Almirante reflete que tem apenas três características que o diferenciam da "raça" portuguesa: 1) detesta bacalhau; 2) detesta pastéis de Belém; 3) detesta piadas de português. Mas sabe rir de si mesmo e considera "uma síntese da pátria" a história do alentejano que foi a Lisboa consultar o médico. Já contei no Café TVCom, e vale recordar aqui. O alentejano, aquele matuto natural do Alentejo, a região mais pobre de Portugal, foi a Lisboa para um exame periódico de saúde. Depois de medir a pressão, censurar a bebida e os charutos, o médico decidiu auscultar sua alma:
- E quanto à vida afetiva, tudo bem com o sexo?
- Uma ou duas vezes por mês - resignou-se o alentejano.
O médico ficou perplexo:
- Sóóóóóó?! Com a sua idade e a sua saúde? Que absurdo! Eu que sou muito mais velho, tenho sexo duas a três vezes por semana.
O alentejano ficou meio sem jeito:
- Pois é, doutor... Mas o senhor é médico em Lisboa e eu sou padre numa pequena vila do Alentejo!
O Almirante Vasco Marques mandou traduzir essa pequena fábula para o latim e determinou sua remessa à Secretaria Geral do Vaticano, como contribuição ao debate sobre castidade e casamento de padres.”(José Antonio Pinheiro Machado)
Agora falo eu: quando residi em Caruaru, na minha mocidade, era hóspede de duas tias, uma mais velha, viúva, e outra solteirona, orfã de pai e adotada pela tia mais velha que não tinha filhos. As duas eram muito católicas, porém tinham uma língua grande que dava gosto!
Naquele tempo, na capela da igreja católica de um determinado bairro, afastado do centro, onde assistiam missas três vezes por semana, havia um certo sacerdote, muito bem vocacionado (segundo as duas) que estaria sendo desviado do bom caminho por uma jovem senhora (casada, lógico!), dona de atributos físicos capazes de colocar qualquer santo na perdição.
Voltavam da missa e ficavam em casa martelando a mesma coisa:
- aquela sujeita não presta, nunca me enganou;
- vai terminar conseguindo... um padre tão bom!
Um dia eu soube pelas duas (que souberam de outras fofoqueiras da igreja) que o jovem marido da envolvente senhora, adoecera gravemente, que, por este motivo, a jovem passou a frequentar a igreja mais fervorosamente, tanto para rezar quanto para falar com o padre e lhe pedir a cura do esposo.
Rezas, confissões, promessas... Fez de um tudo, mas de nada adiantou porque o homem ao cabo de dois meses bateu as botas.
Pronto, foi o suficiente para a viúva visitar diariamente o padre, trancar-se com ele numa sala da casa paroquial e passar horas e horas conversando. Dizia a viúva para as beatas da igreja que buscava consolo. Que precisava de conselhos para criar os dois filhos tão pequenos! Para minhas tias, ela buscava outra coisa.
Não mais do que exatos três meses depois, o padre resolveu pedir uma licença ao bispo diocesano porque precisava repensar a situação de continuar como religioso e celibatário. Não disse, mas o fogo eterno estava lhe ameaçando!
Não voltou mais a rezar missas, distribuir hóstias e ouvir confissões. Mudou-se em seguida para o Recife com a jovem viúva a tiracolo, cidade onde passou a dar aulas de filosofia numa universidade católica. As minhas tias quando souberam do fato viraram duas araras:
- Eu não disse que ela tinha cara de puta! Aquela sonsa nunca me enganou.
- Sujeita vagabunda, é uma serpente. Deve ir arder no fogo do Inferno!
Caros amigos, esta foi a maneira que encontrei para escrever uma pequena homenagem à cantora Clemilda, que foi esposa do saudoso sanfoneiro alagoano Gerson Filho. Pois bem, para minha tristeza, Clemilda, a maior forrozeira de Alagoas, encantou-se anteontem também. Ela era a veia engraçada e irreverente do forró com suas letras nem sempre de duplo sentido: “Seu Delegado, prenda o Tadeu/ Ele pegou minha irmã e... ”A palavra que completava a rima ela não pronunciava de jeito nenhum!
Mas voltando ao assunto de quem “parece e não é” ou de quem parece e confirma, lembro que no início da década de noventa, Clemilda Ferreira da Silva fez um sucesso danado com uma música de duplo sentido de Durval Vieira e dela mesma chamada “A Cara de Tuta”.
É um forró gostoso demais, com boa melodia e letra interessante, até porque na gravação, Clemilda contou com o sacolejado da sanfona de Oswaldinho do Acordeon, o filho de Pedro Sertanejo, um dos grandes mestres do instrumento.
Com ele eu me lembrei de Clemilda que disse adeus faz dois dias em Aracaju, aos 78 anos. Ela vai me deixar saudade, igualmente àquela que sinto das minhas boas tias religiosas e linguarudas. Ninguém é perfeito!
E “a cara de Tuta?” Vão ouvir agora.
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