segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

SEPARADOS POR 70 ANOS, VIOLONISTAS MANTÊM AMIZADE E PARCERIA MUSICAL

Artur Pádua e Mozart Secundino tocam juntos nas rodas de samba e de choro de BH

Por Eduardo Tristão Girão 



“Ele me bota no bolso”, confessa o violonista Artur Pádua, de 22 anos. Ele se refere ao parceiro musical Mozart Secundino, que também toca violão e tem nada menos que 91 anos. Essa diferença de idade chegará a sete décadas em 21 de fevereiro, quando o veterano faz aniversário, mas isso parece não importar muito para ambos. Juntos, eles têm tocado nas rodas de choro de Belo Horizonte, programam apresentação que terá exclusivamente os dois no palco e nutrem admiração mútua que alimenta amizade das mais curiosas. Um ansioso por aprender e o outro apaixonado por viver.

“Comecei a ver o Mozart tocar quando me interessei pelo choro, há uns seis anos. Ele sempre estava nas rodas tocando e eu nem me lembro se fui eu que me apresentei a ele ou o contrário. As coisas que mais me chamam a atenção no violão dele são a qualidade e a segurança no acompanhamento, além do fato de ele só tocar violão de seis cordas. Hoje, a maioria toca violão de sete cordas para acompanhar, parece que atualmente o pessoal não quer mais essa formação de dois violões”, conta Artur.

Mozart, por outro lado, conta que o início da parceria com o jovem violonista, ano passado, reforçou sua relação com as gerações mais novas da capital mineira. “Não costumava falar tanto com pessoas da idade dele. Foi o Artur que me deu oportunidade de nos aproximarmos. Fiquei e estou muito feliz com isso. Hoje, convivo no meio de jovens que me dão oportunidade de estar sempre junto deles. Além de tudo isso, o Artur é ótimo músico”, elogia Secundino, com a humildade e simplicidade que são suas marcas.

Com o recente encerramento da temporada de um ano que o duo fez no bar Godofredo, em Santa Tereza, para vê-lo em ação só restou o Bar do Salomão, na Serra. É lá que o veterano bate ponto nas noites de quinta (e, ocasionalmente, às segundas) para integrar roda de choro com Gustavo Monteiro (violão de sete cordas), pela qual passam vários intrumentistas, sendo Artur um deles. Para ano que vem, estão preparando show especial só dos dois, provavelmente em um festival local de choro.

Como os dois têm gosto musical semelhante, escolher repertório para as apresentações nunca é problema. “E o bom do Mozart é que não há música que ele não conheça”, completa o jovem violonista. Apreciam tocar músicas como Simplicidade (Jacob do Bandolim), Enigmático (Altamiro Carrilho) e Carinhoso (Pixinguinha), fora canções de Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Gilberto Alves e Sílvio Caldas, já que Artur também canta. O programa é sempre recheado exclusivamente de composições antigas.

“Acompanhei Nelson, Orlando, Sílvio, Clara Nunes. Na época, o acompanhamento era feito por dois violões de seis cordas e, quando faltava um no regional da Rádio Guarani, eu era chamado. Em 1964, entrei nesse grupo, com o qual toquei dois anos. A gente acompanhava de calouros a veteranos, era uma escola. Cada hora era uma música e isso me fez evoluir muito. Foi um aprendizado muito bom”, lembra Secundino.

Poucos anos depois, nos anos 1970, o violonista passou a integrar o grupo Diamantina em Serenata, que tinha entre seus integrantes a pianista e compositora Lícia Pádua Coelho, ninguém menos que a tia-avó de Artur. “Tenho um disco vinil deles lá em casa e, um dia, reconheci por acaso o Mozart na foto do encarte”, diz o jovem. As coincidências não param por aí: atualmente, os dois usam violões da mesma marca, a carioca Do Souto, popular entre os chorões.


Receita Se Mozart Secundino faz exercícios para seguir saudável e tocando sem parar? “Zero”, responde o veterano. Ele diz não ter hora para dormir, nem para acordar. Pela manhã, as primeiras providências são tomar café e assistir à TV. Depois do almoço, um belo cochilo até 16h. “Se tiver de sair, é só depois disso que começo a me preparar”, conta. Nos dias de roda de choro, ele ainda estica a noite até A Casa, onde chega à meia-noite para assistir (até o fim) à apresentação da DelegasCia.

“Gosto de cerveja, uísque e caipirinha. Nada disso me faz mal. Tomo antes, durante e depois de tocar, mas não misturo uma bebida com a outra. Nunca tenho ressaca. Nunca tentei misturar, mas acho que elas podem acabar brigando entre si lá dentro”, brinca Secundino. Ele nunca bebe em casa e também não se preocupa tanto com o popular hábito de “forrar” o estômago antes de iniciar os “trabalhos”. “Se consigo lanchar em casa antes, ótimo. Quando não dá tempo, como um salgado no bar e está tudo certo”, diz.


De cabeça

A memória de Mozart Secundino é invejável e o veterano do violão se confessa um tanto indisciplinado para dedicar-se ao estudo do instrumento. “Não que não precise, é que sou preguiçoso mesmo. Não estudo mais. O repertório que toco não varia muito e a gente passa a não ter mais dificuldade para tocar. Conheço mais ou menos quase tudo, e esse ‘quase’ é muita coisa”, diverte-se. Ele nunca tem diante de si uma partitura e, de acordo com o parceiro Artur Pádua, lembra-se de qualquer acompanhamento só de tocar a segunda ou terceira nota de cada música.


Documentário em fase final

Está em fase de edição o documentário Simplicidade – Mozart Secundino de Oliveira, sobre a vida do violonista mineiro, realizado por grupo de amigos do veterano, todos bem mais jovens do que ele. “Ele é um personagem muito rico e muito simples. A gente o vê como amigo nosso, não como um senhor ou avô. Ele gosta de ser tratado como um igual. A gente se liga para tomar cerveja, combina de encontrar. É uma amizade mesmo”, conta a administradora cultural Dani Meira, uma das realizadoras do filme.

Ela e a equipe acompanharam Secundino ao longo dos anos de 2009 e 2010, gravando na casa dele e em locais que frequenta ou fazem parte de sua história. “Também quisemos falar da vida pessoal dele. Já foi taxista, vendedor de doces e carregador de compras no Mercado Central. Lá no mercado, ele encontrou amigos daquela época que ainda estão lá”, diz. Também foi registrado o momento em que ele recebeu título de cidadão honorário na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte, em abril de 2010.

A previsão é que o documentário, que terá cerca de uma hora, seja lançado em 21 de fevereiro, quando Secundino faz aniversário. O projeto, que foi iniciado sem qualquer forma de patrocínio, teve de ser inscrito em campanha de financiamento coletivo na internet para que pudesse ser finalizado. Dos R$ 15 mil necessários para realizar edição, finalização de som e pós-produção, foram arrecadados pouco mais de R$ 17 mil.

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