domingo, 18 de maio de 2014

10 ANOS SEM DJALMA FERREIRA


Foi um dos mais ilustres personagens da noite carioca dos anos cinquenta, dono de um conjunto dançante que durante vários anos reinou absoluto em várias boates do Rio, uma delas a famosa Boate Drink, do próprio Djalma.

- "Era uma loucura o que se dançava naquela época, recorda ele. A pista ficava cheia das 10 da noite até as 11 da manhã seguinte, quando os pares saiam diretamente da boate para a praia."

Djalma tinha plena consciência de que o afastamento, desde os anos sessenta, do Brasil, vivendo em Las Vegas nos Estados Unidos, tornou seu nome praticamente desconhecido para os frequentadores da noite carioca. Os mais velhos, é claro, não esqueceram e ainda guardam na memória, o som dos Milionários do Ritmo e de seus maiores sucessos:

Já as gerações mais jovens sequer desconfiam de que ele foi, na verdade, o primeiro tecladista brasileiro - numa época em que ainda não se havia importado a expressão teclado, traduzida inevitavelmente ao inglês keyboard. Que tipo de música Djalma teria para mostrar aos jovens? Ele mesmo respondia, sem hesitar:

- "A mesma que eu tocava nos anos cinquenta e sessenta. Os sucessos daqueles tempos, Lamento, Recado, Cheiro de Saudade, Devaneio, Murmúrio, Nosso Samba e alguma coisa que eu compus nos Estados Unidos."

Djalma Ferreira foi casado com, Iza Ferreira, letrista de suas músicas e irmã da famosa atriz de cinema Fada Santoro, tem quatro filhos: Djalma Jr, Luís, Luísa e Izabella.

Luiz foi, durante anos, Oficial da Policial na cidade de Las Vegas, depois de ter cursado, entre outros, um difícil curso na Academia Policial de Los Angeles. Djalma falava de todos com muito orgulho.

- "Luíz toca violão e canta muito bem. Naturalmente, música country."

Também se orgulhava de seus outros filhos.



- "Luiza exerceu por muitos anos, importante cargo de chefia no Flamingo Hilton de Las Vegas. Era uma funcionária muito bem paga para supervisionar todof o jogo do cassino. Extremamente bonita, também chegou a cantar em sua juventude e a integrar meu conjunto numa das muitas temporadas pelos clubes noturnos da cidade de Las Vegas."

- "O mais velho, Djalma é demógrafo, foi consultor junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento e na UNESCO, no Brasil. E Izabella, a caçula, que tocava muito bem violão, afinadíssima como cantora."

Aos 90 anos de idade, Djalma Ferreira ainda falava das saudades e das aventuras, sobretudo das aventuras. Repassava episódios de sua vida com um jeito de gentleman e um sorriso simpático que contrariava a imagem projetada pelo homem sisudo que aparecia nas capas de seus velhos discos. Não contava vantagens e parecia sempre considerar a coisa mais natural do mundo, ter aprendido piano e violino na Itália, ter freqüentado as noites boêmias do Rio na companhia de Noel Rosa, ter conhecido intimamente a vida de todos os grandes cassinos cariocas, haver inaugurado uma boate no Peru e comprado outra na Bolívia, montado uma gravadora, o Drink, e várias casas noturnas no Rio e em São Paulo, e quase morrido com um tiro que tinha outro destino. E depois de tudo isso, ainda se lançar à grande aventura de Las Vegas.

- "Sempre fui de me lançar, de correr riscos de não me acomodar. É um pouco do meu temperamento de jogador - diz ele confessando a paixão pelo bacará - jogo de macho, de quem gosta de emoções."

Djalma, carioca do bairro da Saúde, tinha apenas 12 anos quando mudou-se com a família para a Itália. O pai, Benedito Neves Ferreira, era oficial da Marinha e viajou em comissão do Governo para acompanhar a construção do submarino Humaitá, o primeiro da frota brasileira a cruzar o Atlântico, por sinal com Benedito a bordo.

- "Meu pai era maçom, grau 33, e até hoje dá nome a uma das salas da Grande Loja Maçônica, da Rua Mariz e Barros, na Tijuca."

Era, também, um grande democrata, que não quis que o filho estudasse nas escolas italianas, com medo de que ele se contaminasse com as idéias fascistas. Preferiu entregá-lo ao professor de música Rafaelli Romano que, um dia, impaciente decretou:

- "Seu filho, senhor Ferreira, não dá prá música."

Djalma explicava que detestava o estudo teórico, confundia-se todo entre notas e pautas e não se adaptava à disciplina rígida do professor. Mas já tocava, de ouvido, seus sambinhas no piano. Inclusive, para espanto geral, um arranjo seu para a Giovinezza, hino fascista.

Tinha 18 anos, em 1932, quando voltou para o Rio. Apaixonou-se pelos sons que Carolina Cardoso de Menezes arrancava do piano, passou a imitá-la e conseguiu um lugar não remunerado na antiga Rádio Educadora, onde continuou exercitando-se por conta própria, "nada de teoria", repetia. Em 1936, já era profissional. Vem dessa época, em especial dos programas que faziam no rádio, sua amizade com Noel Rosa, Henrique e Marília Batista e outros nomes da música popular.

A distância do Brasil, durante tantos anos, deixou-o sem notícia de vários amigos, mas não lhe modificou a admiração por eles:

- "Noel Rosa? Insuperável. É o nosso Cole Porter."

Em 1938, passando férias com Newton Teixeira e Cristóvão de Alencar, em São Lourenço, compôs seu primeiro samba. Cristóvão faz a letra, nascendo assim um dos sucessos do ano e um dos clássicos de sempre:

"Que saudade, nessa solidão.
Ela tão longe,
Longe dos olhos e perto do meu coração..."



Francisco Alves, o cartaz da época, fez questão de gravar Longe dos Olhos no exato momento que o ouviu de Newton Teixeira.

- "Ele teve tanta pressa para gravar que nem ouviu direito. O arranjo é muito pobre. Foi gravada por Silvio Caldas, 15 anos depois."

Os tempos dos cassinos abertos, de grande movimento na vida noturna, de famosos cartazes internacionais se apresentando na Urca, no Atlântico, no Copacabana, Djalma já tinha seu próprio conjunto. Ele no piano, Chuca Chuca no vibrafone (um instrumento que Djalma descobriu jogado fora, nos estúdios da Mayrink Veiga e foi por ele apresentado ao até então pianista, Chuca Chuca), Badeco no violão, Gugu no baixo.

- "Como eu não podia pagar um contrabaixista, paguei ao Gugu, Gumercinco Silva, e o convenci a trocar o cavaquinho pelo baixo."

Tudo improvisado, o espírito inovador de Djalma prevalecendo. Seria assim, também, que ele descobriria o solovox, instrumento com o qual conseguiria, em 1945, seu primeiro sucesso em disco: Bicharada, muito mais uma brincadeira instrumental, uma imitação de animais em ritmo de samba do que propriamente um candidato ao sucesso.

Os cassinos lhe deram a oportunidade de conhecer Joaquim Rolas, outra de suas admirações. Homem empreendedor, colocado à frente dos cassinos como testa-de-ferro de políticos importantes, acabou driblando um por um e ficando ele mesmo como dono do negócio.

- "Fundei o Cassino da Pampulha, onde conheci minha mulher, eu tocando, ela dançando, e, mais tarde, o Quintandinha, onde eu costumava dormir debaixo do piano, naqueles primeiros dias de funcionamento."

Os hotéis de Petrópolis, como ainda lembra Djalma, viviam superlotados, todos atrás do jogo e das atrações musicais como a Orquestra de Carlos Machado, os grandes grupos instrumentais nacionais e estrangeiros. Mas Djalma, entre todos os grupos, conjuntos e orquestras, sem dúvida era o que mais atraía gente para a pista de dança.

- "Eram orquestras pesadas, 20, 30 músicos, tocando um som inspirado nas big bands americanas, Glenn Miller, Tommy Dorsey, Harry James, aquele pessoal todo. Então eu achei que os pares estavam querendo coisa mais suave e criei um conjunto melódico, menos barulhento."

Deu certo, Djalma ficaria a vida toda tocando nos cassinos se, primeiro, uma briga com o superintendente do Quintandinha não o levasse a romper o contrato com Rolas, e depois, se o jogo não acabasse.

- "O fim do jogo foi uma tragédia para os músicos no Brasil."

Mas Djalma sobreviveu. Andou pela América do Sul, inaugurou a boate Embassy em Lima, ao lado de Josephine Baker, apresentou-se na Casanova, em Santiago, Chile, e comprou a sua própria casa noturna, a Gong, em La Paz.

De volta ao Brasil, encontrou um Rio de Janeiro muito dançante, nos anos 50. E as boates se multiplicando pela Zona Sul. Trazia na bagagem, muitos planos e pelo menos um sucesso a caminho, Samba Que Eu Quero Ver, que ficaria assim como uma espécie de marca registrada.

Seguiram-se anos em que tudo dava certo. Os crooners que Djalma lançava ou acompanhava: Helena de Lima, Luís Bandeira, Miltinho, Jair Rodrigues não tardariam a fazer carreira por conta própria embalados pela credencial de se terem apresentado ao seu lado ou mesmo feito parte dos Milionários do Ritmo. Atuou em São Paulo, continuou gravando, um êxito após outro. Sua Boate Drink transformou-o num homem rico.

- "E só por isso eu pude ir para os Estados Unidos, ficar dois anos à espera de uma oportunidade, sem que minha família tivesse problemas financeiros. Todos os meus filhos estudaram lá."

Um dia, chegando em sua casa de praia, em Araruama, o caseiro confundiu-o com um ladrão e puxou o gatilho da espingarda. Djalma foi atingido no estômago e caiu. Com muito sacrifício conseguiu levantar-se e entrar no carro para, ele mesmo dirigindo, chegar ao Hospital Antonio Pedro, em Niterói. Foi salvo por milagre. Grato ao atendimento que tivera por parte dos médicos, doou Cr$150 mil para as enfermarias do Hospital, então precárias, daquele pronto socorro. Graças a essa doação pôde ser comprado um medicamento caro que um menino, filho de um soldado, necessitava para salvar-se. Mais tarde o menino lhe diria:

- "Seu Djalma, graças a Deus o senhor levou aquele tiro."



Enfim, Las Vegas. A cidade o atraía por mil e uma razões, mas sobretudo por suas mesas de jogo e pelas oportunidades que oferecia aos músicos. Passados os dois primeiros anos difíceis, Djalma conseguiu se firmar, ganhou contratos, tocou com gente importante, tornou-se parceiro de Leonard Feather (My Place, I'm Happy Now, You Can't Go Home Again, Piece of Mine), da própria mulher (Lady From Leblon), de si mesmo, fazendo músicas que ainda não são conhecidas aqui. Chegou a fazer temporadas de quatro apresentações por semana, na base de 3 mil dólares.

A última vez que Djalma se apresentou no Brasil foi em 1981 quando Chico Recarey mandou buscá-lo, depois de dois anos de tentativas, para uma reentrée. Já em 1979, Djalma esteve no Rio para visitar a mãe e deu uma canja no Chico's Bar. A oportunidade voltava a surgir com a inauguração do Un Deux Trois, no Leblon, uma casa que procurava reviver o espírito daquela boate onde se dançava música suave até as 11 da manhã.

O conjunto foi então formado especialmente para acompanhar Djalma e estava afinado com o seu estilo: Neco (guitarra), Maurílio (piston), Tião Marinho (baixo), Ronaldo (ritmo), Luís (bateria) Julie Janeiro (cantora) e Aécio Flávio (piano). Dentro desse reencontro com a noite carioca, outro reencontro: Miltinho foi o crooner deste conjunto, depois de mais de 20 anos sem se apresentar com Djalma, ao lado de quem começou a fazer sucesso.

Djalma Ferreira faleceu dia 28 de setembro de 2004 em Las Vegas, aos 91 anos, ao lado dos filhos Djalma, Luiz, Luiza e Izabella e de sua esposa Iza Ferreira, companheira de 60 anos de convivência e autora de letras de algumas de suas músicas.

1 comentários:

Antônio F. Queiroga. disse...

Excelente texto sobre o lendário Djalma Ferreira.

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