sábado, 4 de agosto de 2012

PATATIVA DO ASSARÉ, UMA DÉCADA DE SAUDADES


Por Bruno Negromonte


Ao longo do mês passado, duas datas me chamaram a atenção no calendário musical que costumo organizar: a primeira tratava-se dos 30 anos sem Jackson do Pandeiro. A outra é a que eu vou me prender nesta publicação, pois no último dia 09 de julho completaram-se uma década sem um dos mais expressivos nomes da cultura popular nordestina. São dez anos sem o agricultor e poeta Antônio Gonçalves da Silva, que tornou-se nacionalmente conhecido como Patativa do Assaré (o pseudônimo recebido por volta dos vinte anos, quando teve sua poesia comparada à beleza do canto dessa ave).

Na contra-capa do seu primeiro registro fonográfico intitulado “Poemas e canções”, dirigido e produzido por Raimundo Fagner a partir do espetáculo que aconteceu no Theatro José de Alencar em março de 1979 e lançado à mesma época, o próprio patativa sintetiza um pouco de sua história:

“O meu nome é Antonio Gonçalves da Silva. Nasci no dia 5 de março de 1909, no sítio Serra de Santana, município de Assaré, Ceará. Sou filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. O meu pai, um pobre agricultor, morreu muito moço, quando eu tinha apenas oito anos de idade. Somos cinco irmãos: Antonio, José, Pedro, Juaquim e Maria. Ficamos órfãos em completa pobreza, continuando na mesma agricultura, trabalhando em um diminuto terreno que herdamos de nosso pai. Perdi a vista direita, no período de dentição, em consequência de uma moléstia conhecida por dor d’olhos. Embora eu tenha facilidade de fazer versos desde menino, nunca quis fazer profissão do meu dom poético. Até hoje tenho sido o mesmo pobre agricultor, morando na mesma Serra de Santana. Nunca passei um ano sem botar a minha rocinha, só não botei roça no ano em que fui ao Pará. Posso dizer que sou um apaixonado pela poesia, porém tenho a poesia como um passatempo ou distração na minha vida de pobre camponês, prezando desta maneira o meu dom. Os meus livros de poesia foram publicados por iniciativa de homens de letras, interessados pesquisadores da cultura popular. Sou quase analfabeto, li apenas o primeiro e o segundo livro do famoso professor didático Felisberto de Carvalho. Emprego minha rude lira cantando as coisas da minha terra e a vida da minha gente sofrida, pois acho que só assim poderei agradecer a Deus o dom que Ele me deu. Não sou político, sou apenas um simples poeta roceiro que fala contra as injustiças e quer a verdadeira democracia.”

Serra de Santana, Assaré – 16 de abril de 1979.

Vale trazer ao conhecimento dos leitores também que até o início dos anos 50 ele pouco escrevia seus versos, as raras exceções da época limitavam-se aos cordéis editados. O poeta, detentor de uma excelente memorização, assim como muito dos poetas populares, confiava suas criações à memória até o dia em que por estímulo do latinista José Arraes de Alencar, que ouviu suas improvisações na Rádio Araripe, resolveu, com o aval do poeta, organizar em livro alguns dos poemas do improvisador. E assim surgiu a primeira publicação do poeta cearense custeada pelo próprio Alencar. O livro intitulado de "Inspiração Nordestina", que foi publicado em 1956 e contribuiu para que a fama de Patativa aumentasse significadamente, superando inclusive as divisas do Estado do Ceará.

A partir daí Antônio Gonçalves da Silva, passou a ser muito mais reconhecido por Patativa do Assaré do que pelo próprio nome de batismo, chegando ao conhecimento daqueles que admiram e se alimentam da cultura popular em sua forma mais genuína, como foi o caso do rei do baião, que do poeta cearense gravou dois grandes clássicos: “A triste partida” (cujo a primeira audição, por parte de Gonzaga, dos seus 152 versos se deu a partir de um violeiro em Campina Grande) e alguns anos depois “Vaca Estrela e boi Fubá”. Hoje, uma década após sua morte o que podemos observar como legado foi a sua significante contribuição para a consolidação da cultura popular a partir da singeleza de suas canções e poemas, tendo esse reconhecimento por parte do mundo acadêmico ou “letrado” como ele mesmo costumava se referi a partir, dentre outras coisas, dos títulos Doutor Honoris Causa (concedido a patativa por cinco vezes) e pelos estudos dedicados a sua obra pela universidade francesa de Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel.

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