por José Teles
“Mancha de dendê não sai”, é um ditado baiano cuja veracidade Moraes Moreira comprovou, no ano passado, quando, depois de uma década, voltou a ser uma das maiores atrações do Carnaval baiano. Os foliões o aclamaram: “Rei, rei, rei, Moraes é o nosso rei”, na noite da sexta-feira, em sua estreia no circuito Barra/Ondina, oficialmente o circuito Dodô, músico que com Osmar, foi o criador do trio elétrico, há 60 anos.
Moraes Moreira fechava um círculo, iniciado 35 anos antes, quando deixou Os Novos Baianos, partindo para carreira solo, e ajudando Dodô & Osmar a colocar a velha fubica na estrada novamente, como o primeiro cantor de trio elétrico.
Sua história com o trio de Dodô & Osmar, da explosão do Carnaval, a partir de 1974, sua reação contra a axé music, e sua reconciliação com uma das mais maiores festas populares do mundo, ele conta no livro Sonhos elétricos (Azougue Editorial), dedicado aos mestres Dodô e Osmar, que lança dia 23, com um pocket-show na Livraria Cultura.
Se com Os Novos Baianos, Moraes Moreira carnavalizou a MPB, com o trio, seu nome ficou indefectivelmente ligado ao Carnaval. Quando Caetano Veloso, em 1969, fez o Brasil inteiro tomar conhecimento da existência de uma manifestação musical da folia baiana com o frevo Atrás do trio elétrico, o grupo de Dodô & Osmar não saía às ruas há quase dez anos.
Armandinho o músico virtuoso, filho de Osmar Macedo, tocava na banda que Moraes Moreira montou, para gravar o primeiro disco solo, lançado pela Som Livre em 1975: “Escolhi uma banda base para me acompanhar, formada por Armandinho, Dadi, Gustavo e Mú, que fez então a sua estreia como profissional. Não tinha consciência, naquele momento, que estava ali reunindo os componentes da futura banda A Cor do Som”. Em 1950, Antonio Adolfo Nascimento, Dodô, e Osmar Álvares Macêdo saíram nas ruas de Salvador, numa fubica Ford, com instrumentos elétricos ligados à bateria do automóvel. No ano seguinte, o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas, do Recife, que fez uma apresentação especial em Salvador, numa escala de sua histórica para o Rio de Janeiro. Foi o incentivo para a dupla se transformar em trio, e dar uma cara ao carnaval baiano.
No entanto, o trio pioneiro só gravou o primeiro disco 25 anos depois: “Aproveitando a boa relação que tinha com Alberto Byington, pela qual havia gravado os dois últimos discos que de que participei com Os Novos Baianos, propus a ele que fizéssemos o primeiro disco do Trio Elétrico Dodô & Osmar”. Ele canta em duas faixas do álbum. A música dos trios elétricos até então era exclusivamente instrumental. “Uma música especialmente me chamou atenção por sua linda melodia. Era uma mistura de marcha brasileira, dobrado e paso doble espanhol. A música fazia uma referência ao código Morse e por isso mesmo Osmar chamou de Double Morse”. A música composta por Dodô e Osmar, em 1952 receberia letra de Moraes Moreira, em 1976, e seria o primeiro grande sucesso nacional do Carnaval baiano, com o título de Pombo correio.
Contado em forma de crônica, intercalado com cordel, fotos coloridas, Sonhos elétricos tem muito de Pernambuco, até porque o frevo era o cerne da música dos trios. Um dos capítulos tem o título Assim pintou Pernambuco, e trata dos dez anos em que animou o Carnaval pernambucano, um exílio que marcou o auge do cisma entre duas gerações de música da Bahia. A ascensão da axé music, e consequente desprestígio dos trios elétricos o levou a bater de frente com os novos donos da festa. “...As multinacionais perceberam que ali estava a salvação da lavoura e investiram pesado. Naquela voracidade lançavam mão de métodos digamos assim nada republicanos, praticando de foram escancarada o já conhecido jabá”. Até o “exílio” pernambucano, ele continuou a participar, com trio independente, do Carnaval de Salvador. No de 1997, deu uma fustigada sonora no prefeito Antônio Imbassahy, no frevo Desembaça aí.
Contra a descriminação do axé
Tsunami cultural, a axé music saiu arrastando tudo que encontrou pela frente. Moraes Moreira detalha em Sonhos elétricos como os trios foram alijados do Carnaval de Salvador, depois das bandas de blocos, que passaram a utilizar os caminhões turbinados para animar a folia, com vultosa injeção de dinheiro das multinacionais, abadás, cordas, seguranças, e compra de horário das rádios. “Foi assim que nosso Carnaval tornou-se uma festa elitista e totalmente divorciada do seu verdadeiro caráter de festa do popular. O espaço público foi sitiado, transformando-se- em verdadeiros condomínios, frequentado apenas por uma elite branca, de boa aparência e de maior poder aquisitivo”, escreve Moraes Moreira.
No início dos anos 90, ele participou do Carnaval pernambucano e conta sua experiência. “Vivendo o Carnaval do Recife em sua plenitude, me lembrava da Bahia, imaginando até que ponto valia a pena as inovações, o advento dos blocos de cordas e abadás, e consequentemente todo aquele monopólio que promovia de forma acelerada a padronização da festa”.
Muito astros da axé music foram influenciados por Moraes Moreira, a exemplo de Durval Lelys, da Asa de Águia, ou Bel Marques, da Chiclete com Banana, que dá um depoimento sobre esta influência no livro. O cachimbo da paz foi fumado no circuito Barra/Ondina, no domingo do Carnaval do ano passado: “A sensação já era de dever cumprido, mas ao mesmo tempo era hora de dar aquele gás, para fechar com chave de ouro o Carnaval que marcou a minha volta e que, sem qualquer dúvida, foi dos mais felizes da minha vida”.
Infelizmente, a volta triunfal do trio elétrico pioneiro, não foi vista pelos criadores, Dodô e Osmar, falecidos, respectivamente, em 1979 e 1997. Quem testemunhou a entrada do trio Armandinho, Dodô & Osmar no circuito principal do Carnaval de Salvador, de um camarote da praça do Farol, foi outra personagem histórica da cultura baiana, Orlando Campos, o seu Orlando do Trio Tapajós, o segundo mais famoso da Bahia, e o primeiro trio com LP gravado.
» Sonhos elétricos – Azougue Editorial, 219 páginas, R$ 36
2 comentários:
Oi bonita este blogue parece muito posicionado.........Boa pinta :/
Adorei Continua assim !!
quero comprar!!
Postar um comentário