A histórica e primeira apresentação do consagrado compositor paulista na cidade do Rio de Janeiro.
Por Nelson Tangerini
Será que ninguém faz música hilariante? Será que ninguém faz música para teen-agers? Será que ninguém faz música romântica neste país? Sim, Guilherme Arantes, um jovem paulistano que aos poucos vai conquistando um lugar ao sol, nessa tão confusa, tão mal humorada, ranzinza, discutida, dissecada, conturbada e decantada música brasileira.
As pessoas que estão politizadas até a alma, certamente não gostariam de ver Guilherme Arantes, compositor e tecladista, cantando A cara e a coragem, um hino à rebeldia e à inquietação dos adolescentes. Enfim, um lamento infanto-juvenil.
Gui, como é chamado pelos amigos, é uma pessoa tímida e cheia de carinho com o público, na sua grande maioria uma garotada que vai dos 10 aos 20 anos. Momentos antes do show, o telefone não parava de tocar: “Eu tenho 14 anos, será que dá para eu entrar?”.
Nos primeiros dias, o panorama era assustador. A minoria privilegiada que assistiu aos shows tomou ciência de uma coisa: que o Gui é uma virtuose no piano e no sintetizador.
Muito bem acompanhado de Luiz (bateria), Pedrão (baixo), Ivo (guitarra) e Judy Spencer (teclados da iluminação), o paulistano só fez desfilar um repertório que vai de baladas românticas e marchinhas de carnaval (com participação da Rainha do Rádio, saudosa Emilinha Borba). Mas o público o acompanhou mesmo em Amanhã, Cuide-se bem, 14 anos, Loucos e caretas (marchinha de carnaval com uma overdose de bom humor) e O meu mundo e nada mais. Além de dar um banho de romantismo e hilaridade, Gui deixou bem claro que o Brasil, como sendo um país tropical e terra do sol e do som, esse povo multicolorido prefere um som mais simples, mais franco e mais objetivo, somado a uma linguagem mais franca, mais honesta e juvenil-sensual.
Gui faz hoje o que Roberto & Erasmo fizeram no início da Jovem Guarda. É um novo porta-voz da criançada.
Em sua primeira apresentação no Rio, mais precisamente no Teatro Tereza Rachel, o artista mostrou-se um pouco nervoso. As falhas técnicas não o impediram de mostrar o seu talento como cantor-compositor-pianista-tecladista.
“Gente, é a primeira vez que apresento um show meu para os cariocas. Sou um artista paulistano e limitado única e exclusivamente a São Paulo. Vou fazer o possível para que o show seja do agrado de vocês”.
Após essa terapia, de conversa com o público, Guilherme Arantes emendou Lira de um caboclo, onde diz: “Eu sou um caboclocidadão da capital, da grande província do sertão industrial. Desde a minha infância, eu sigo a lira mágica, signo da inocência a me impelir à música”.
A letra, como a música, é pequena, mas em tão poucas palavras dá a noção do que seja o Parque Industrial. Mas o Gui não fica só aí. Canta uma música de Walter Franco, Respire fundo e convida o público a assistir aos show do A Cor do Som: “É um show lindo. Eu vi em São Paulo e adorei. Infelizmente não vou poder ver, porque não vou ter tempo”.
Quando Gui dá os primeiros acordes de Respire fundo, o artista apresenta a música como sendo de um amigo, um artista paulistano que muito o sensibiliza e que muito o agrada. Trata-se de Walter Franco, o autor da caleidoscópica Cabeça, que criou o maior ti-ti-ti no FIC.
Em 1980, num papo informal, Guilherme Arantes contou algumas mágoas que guarda dos críticos e dos programadores de rádio.
Tangerini: Sua música não é divulgada nas rádios. Pelo menos no Rio é assim, não?
Guilherme: Lá em São Paulo estão tocando minhas músicas. No Rio, o pessoal só toca a turma daqui. Eles não tocam o pessoal de São Paulo. Não sei o porquê.
Tangerini: Mas já tocou bastante Guilherme Arantes nas rádios...
Guilherme: Sim, quando eu fazia temas de novelas da Globo.
Tangerini: O que você acha dos críticos?
Guilherme: Muito chatos. Muito fechados. Inclusive Ana Maria Baiana se trancou. O Tárik de Souza se fechou e abriu de novo. Tinhorão é aquilo que todos já sabem. Os críticos aqui caem de pau. Eu estive em Nova Iorque e fiquei bobo. O crítico lá constrói o cara numa boa. Olha, aqui, está faltando isto...
* Nelson Tangerini, nasceu no Rio de Janeiro a 21 de maio de 1955. É professor de Língua Portuguesa e Literatura, jornalista, escritor, poeta, compositor e fotógrafo. Tem livros e matérias publicadas e uma música gravada, Energia Azul, de parceria com Adalberto Barboza, pela banda Suburblues. Em 1980, Tangerini fazia faculdade de Comunicação-Jornalismo e tinha 25 anos.
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