terça-feira, 22 de setembro de 2009

15 ANOS DO ÁLBUM DA LAMA AO CAOS

Em abril de 1994 Chico Science & Nação Zumbi colocou Pernambuco na vanguarda da música brasileira com o lançamento de seu álbum de estreia, “Da Lama ao Caos”. Mais do que representar o estado para o resto do país, o grupo criou um novo movimento musical, o manguebeat, que ultrapassou as fronteiras do Brasil.
Quando partiram de Olinda em 1993 para gravar o no “Estúdio Nas Nuvens”, no Rio de Janeiro, com supervisão de Liminha, os integrantes da Nação Zumbi abandonaram suas antigas profissões, com a intenção de registrar o primeiro trabalho e torcer para conseguir lançar o segundo. “A gente era muito novo, não sabia se ia lançar o segundo disco. Sabíamos que queríamos aquele disco. Mas a gente não sabia se ia continuar tocando. A partir do segundo disco [‘Afrociberdelia’, de 1996] que a ficha foi caindo”, conta Dengue.
Quinze anos. Fase boa. Hormônios em fúria, o pai é um ditador, a mãe não apóia. Os amigos são o paraíso, a casa o inferno. A rua a glória. Bem, não passei por essa fase. Não desta maneira. Pegava onda, ouvia rock nacional dos anos 80, jogava bola! Hoje a molecada com 15 anos está enchendo a cara e traçando geral.
Quando tinha 15 anos, e isso faz 15 anos, descobri uma tal de Açucena. Caiçara gordinha que vivia no litoral cearense. Loirinha bonitinha que foi enganada por um playboy. Também tinha uma tal de Adrenalina que sempre estava ao lado de Pessoa. E Adrenalina além de bonita era meio pirada. A dupla sempre que aparecia era embalada por uma música com tambores hipnóticos. Eu escutava Camisa de Vênus, Titãs, Engenheiros, Ultraje a Rigor, Ira!. A fina flor do rock oitentista nacional. O Nirvana já estava estourado, destronando o Rei do Pop, hoje morto. Mas aqueles tambores não existiam em lugar algum. Foi um fascínio que até hoje não acabou. Faz 15 anos. Açucena já foi professora e surfista. Adrenalina é namorada de Tuco. Nós temos 30 anos. Será que eles gostam de Chico Science & Nação Zumbi?
Comemorar 15 anos não é pouca coisa. Se estão comemorando é porque entrou para a história. Em 1994 ainda existiam grandes gravadoras. E bandas se multiplicando por todo o Brasil. Se tudo se passasse hoje, todas estariam na ativa. Mas numa época de falta de perspectiva, sem festivais por todo o país para dar suporte, quase todas estão extintas. As que resistiram são heroínas. Caso da Nação Zumbi, até então banda de Chico. Banda com personalidade, não fosse teria acabado com a trágica morte do cantor caranguejo. “A Praieira”, música tema da novela Tropicaliente, ainda é minha preferida. Busquei a trilha sonora da novela e lá estava aquela música hipnótica. “Uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor”. Sempre é bom. Comprei o vinil, hoje relançado por quase R$ 90.00. A indústria enlouqueceu.
O disco seguinte, Afrociberdelia, trouxe “Manguetown”. Virou hit. A banda circulou o Brasil, ganhou a Europa. Mas quem lembra desse disco? Veio com três remixes, sinais dos tempos? Chico morreu. A banda parou. Voltou. Mudou. Consolidou-se como uma das mais importantes do Brasil, talvez a mais. O Maracatu, o Côco de Roda, a Ciranda foram dando espaço aos bits mundiais. Jorge Du Peixe não tem o carisma de Chico, mas a banda nunca tentou trilhar um caminho igual. Prova disso são discos tão distintos como Rádio S.Amb.A e Fome de Tudo. Talvez o mais importante, e que pouca gente se lembra, é que com Da Lama ao Caos, o Nordeste ganhou ouvidos de novo. Nos anos 70 várias bandas do Nordeste ganharam o Brasil, mas nos anos 80 não. A década de 90 foi a ressurreição. Graças a mistura de hip hop, samba-reggae, pós-punk e ritmos regionais.
Será que Liminha, ex-baixista dos Mutantes, quando gravou o disco tinha consciência do que aquilo viria a ser? Ele até já falou que na época captar os tambores, as alfaias na verdade, não foi fácil. Fez história. Quem não pegou o bonde da história foi Canhoto, que tocava caixa. No primeiro disco não tinha bateria. Qual o sentimento que Canhoto tem hoje? O que faz? Bem, ele ao menos fez parte do disco mais importante da década de 90 do Brasil e um dos mais importantes de todos os tempos no país. “Banditismo por Uma Questão de Classe”, “Rios, Pontes & Overdrives”, “A Cidade”, “A Praieira”, “Samba Makossa”, “Da Lama ao Caos”, “Maracatu de Tiro Certeiro”, “Lixo do Mangue”, “Computadores Fazem Arte”, “Coco Dub (Afrociberdelia)”. Dez músicas excelentes entre treze. É um clássico.
Quinze anos depois, com tantas ferramentas virtuais, muitos tentam produzir discos relevantes. Alguns passam do primeiro e continuam na ativa, conta-se nos dedos os que entram para o rol da imortalidade. Ainda dá tempo de ouvir e reverenciar Da Lama ao Caos. Disco, manifesto, movimento.

Manifesto "Caranguejos com cérebro"

Mangue, o conceito.
Estuário. Parte terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo.
Estima-se que duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies comercialmente importantes dependem do alagadiço costeiro.
Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas-de-casa, para os cientistas são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.

Manguetown, a cidade

A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex)cidade *maurícia* passou desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição de seus manguezais.
Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de *progresso*, que elevou a cidade ao posto de *metrópole* do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade.
Bastaram pequenas mudanças nos ventos da história, para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos setenta. Nos últimos trinta anos, a síndrome da estagnação, aliada a permanência do mito da *metrópole* só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.

Mangue, a cena
Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.
Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um *circuito energético*, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.
Hoje, Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência.
Bastaram poucos anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e começarem a se espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de energia gerou uma cena musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram programas de rádio, desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco a pouco, as artérias vão sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas veias da Manguetown.

Chico Science e Nação Zumbi – Da Lama ao Caos

Chaos/Sony Music

Produzido por Liminha
Direção Artística: Jorge Davidson
Coordenação de Produção: Ronaldo Viana
Engenheiros de Gravação: Vitor farias, Liminha, Guilherme Callcchio
Assistente de estúdio: Renato Munoz
Mixagem: Vitor Farias e Liminha
Assessoria Técnica: Ricardo Garcia e Alberto Fernandes
Masterizado na Future Disc por Steve Hall e Eddy Schreyer

Faixas:
01 - Monólogo ao Pé do Ouvido (Chico Science)
02 - Banditismo por Uma Questão de Classe (Chico Science)
03 - Rios, Pontes & Overdrives (Chico Science)
04 - A Cidade/Boa Noite do Velho Faceta (Chico Science)
05 - A Praieira (Chico Science)
06 - Samba Makossa (Chico Science)
07 - Da Lama ao Caos (Chico Science)
08 - Maracatu de Tiro Certeiro (Jorge du Peixe, Chico Science)
09 - Salustiano Song (Lúcio Maia, Chico Science)
10 - Antene-se (Chico Science)
11 - Risoflora (Chico Science)
12 - Lixo do Mangue (Lúcio Maia)
13 - Computadores Fazem Arte (Fred Zero Quatro)
14 - Coco Dub (Afrociberdelia) (Chico Science)

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