sábado, 26 de setembro de 2009

A MEMÓRIA MUSICAL NA REDE

Músicos e blogueiros se empenham para compartilhar seus acervos e salvar raridades do esquecimento.

Por Laila Abou Mahmoud

Muitos dos importantes itens de colecionador só podem ser encontrados por meio de blogs. Um exemplo é A música brasileira deste século por seus autores e intérpretes, editado pelo SESC São Paulo e fora de catálogo. Sem previsão de reedição, muitos dos CDs com gravações do programa Ensaio, de Fernando Faro, podem ser baixados pela internet. Assim, o repertório de importantes representantes da música nacional como Antonio Nássara, Ismael Silva, Hervê Cordovil, Pedro Caetano e Ciro Monteiro podem ser conhecidos. Mais: as biografias dos artistas, assim como as histórias que envolveram suas composições e interpretações, são preservados.

Quase sempre os blogs estão ligados às preferências de seus donos. Essa, que é muitas vezes a razão de existir de vários arquivos, pode ser um problema, já que resulta no fenômeno de que períodos desconhecidos ou menos prestigiados da música continuem pouco disseminados. "Há uma ênfase na década de 60 para cá nessa cobertura, em especial em Bossa Nova", diz Arthur Dapieve, que observa que a internet muitas vezes reproduz o padrão de desigualdade de ofertas do mundo físico. E algumas de suas deficiências também: "Alguns arquivos dos anos 80 tem ainda muita coisa de fã, não são tão críticos", ressalva.

Não é exatamente o caso do Bossa Brasileira, do músico, pesquisador de MPB, restaurador e designer Thiago Mello. O blog existe há três anos e divulga músicas as quais as gravadoras nem sonham relançar. Para resgatar do limbo dos arquivos perdidos esse material, em geral com pelo menos cinqüenta anos de idade, Mello remasteriza os vinis antes de subir seu conteúdo no blog. "É muito trabalhoso, mas o resultado é excelente", orgulha-se.

Os artistas agradecem. É o que conta o dono do blog, que certo dia que recebeu um telefonema da cantora Edith Veiga, sucesso na década de 60, agradecendo o upload de seu disco Faz-me rir, de 1960, pois nem ela mais tinha esse material em seu acervo.

Com 48 mil acessos mensais, o site conquista, segundo Mello, até mesmo jovens que estão interessados em descobrir músicas da década de 50. "A molecada se apaixona, vai no sebo e compra. Um grupo de rapazes começou a ligar para a casa dos artistas da década de 50. Tem menino de 18 anos falando de Emilinha Borba", conta. "A indústria fonográfica perde é em não relançar essas obras", afirma.

Mello trabalha sozinho, às vezes ajudado por um amigo. E de graça. Eles já tentaram patrocínio, mas encontram dificuldades. "A gente os procura e fica aquela visão de 'é só mais um moleque na internet'. Eles poderiam nos apoiar e entender que cada blog tem uma filosofia, um público, uma idéia", enfatiza.

O custo técnico também fica por conta deles. "Em um mês, tivemos mais de 500 downloads e precisamos trocar o servidor. Há discos há três anos no ar que continuam a ser baixados todos os dias", contabiliza. E não é só brasileiro que quer ouvir música brasileira. O blog recebe visitas do Japão, da Letônia, de Hong Kong, das Filipinas, da Tailândia e da Rússia. Há seis meses o blog ganhou um irmão audiovisual, o Bossa-Filmes.

A sobrevivência desses sites encontraria melhores perspectivas caso mecenas e empresas se propusessem a patrocinar as iniciativas de colocar no ar acervos de música brasileira. Alguns já contam com a ajuda de leis de incentivo. Mas muitos projetos poderiam ainda ser viabilizados, como colocar no ar Songbooks como os de Almir Chediak.

Há ainda a questão autoral. Sites como Som Barato, que disponibilizavam discos para download, foram fechados ou mudaram de endereço. Outros têm sido notificados por gravadoras e correm o mesmo risco. Mas a troca de arquivos em mp3 é uma realidade que só tende a aumentar. Com a internet, jovens procuram ouvir e saber mais sobre o que seus pais, avós e bisavós escutavam no Brasil de outras décadas.

Outros despertam para a busca de vinis. Que ainda são donos de um som diferenciado e alvo de fetiche. Segundo os entrevistados, é insubstituível o prazer de adquirir uma raridade cinco minutos antes de um outro colecionador. Esse perfil de apaixonado não vai deixar de existir. Mas a internet pode ampliar o acesso a seus acervos para além das fronteiras de suas salas.

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