Por Julinho Bittencourt
O álbum, lançado em julho de 1968, trazia reunidos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão, Tom Zé, Os Mutantes, Gal Costa, Capinam, Torquato Neto e Rogério Duprat
Neste ano faz 50 anos que foi lançado o disco/manifesto “Tropicália ou Panis et Circenses”, que reunia Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão, Tom Zé, Os Mutantes, Gal Costa, Capinam, Torquato Neto e Rogério Duprat.
Com o intuito inevitável de provocar, sob o signo da insolência, jovens e talentosos artistas que marcaram definitivamente a vida nacional para a próxima metade de século, construíram neste álbum, muito mais do que música, uma atitude que, por mais irônico que pareça, ficou completamente fora do eixo nestes dias tão enquadrados.
Mas a música também vale, e muito, sobretudo toda e qualquer música. Caetano cantar a grandiloquente e dramática “Coração Materno”, de Vicente Celestino equivaleria a algo como regravar Márcio Greyck, Odair José ou um funk das favelas do Rio, coisa que o inquieto baiano faz até hoje.
Mas o disco tem mais, muito mais. Com a capacidade de ir do extremo lírico ao extremo popular, passando pela arrasante canção “Geleia Geral”, onde Gil declama e interpreta os profusos versos de Torquato Neto, o disco faz jus à lenda que gerou, tanto pela qualidade sonora, pelos arranjos de Rogério Duprat quanto pela pura provocação em si mesmo.
Trata-se, conforme confessou Gilberto Gil anos depois, de um projeto de Caetano Veloso. O leonino provocador com a sua sede por polêmicas, transformações e reviravoltas, liderou a fuzarca. Ao lado dos meninos Mutantes e Tom Zé, reinventou sons que iam de Beatles às rumbas caribenhas, macumba e Hino ao Senhor do Bonfim. Toda essa reapropriação cultural que veio a explodir décadas mais tarde já era prevista pelos tropicalistas.
Agregadas, as lindas vozes femininas de Gal Costa – com as transformadoras “Baby” e “Mamãe Coragem” – e Nara Leão, com a enigmática “Lindonéia”, inspirada na obra Lindonéia, a Gioconda dos Subúrbios, de Rubens Gerchman, reequilibram o lirismo e a cultura pop, conflito de gerações e erudição.
A prosaica marcha “Parque Industrial”, contribuição do baiano Tom Zé, reinaugura a narrativa do escárnio satirizando a publicidade e seus produtos, garotas propaganda, jornalismo popular e o banco de sangue engarrafado, tudo made in Brazil.
A emblemática faixa título foi uma das tantas do disco que ganhou carreira própria. Foi regravada várias vezes e o seu refrão se repete sempre que nos pegamos repetindo o passado: “Essas pessoas na sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer”.
No final das contas, o disco fica centrado em desmontar e recriar tradição, pátria e família em “Miserere Nobis”, de Gil e Capinam, onde a Bíblia e o fuzil se misturam em trocadilhos sem cerimônia. Restava passear escondido, enquanto seu lobo não vem, enquanto a canção faz a nem tão ingênua menção aos clarins da banda militar de Caymmi.
Um disco que merece ser ouvido pela revisão histórica que faz, pela irreverência e qualidade poética, pelos arranjos, pelos cantores e as composições. Um disco que sempre vai nos ensinar muito sobre o Brasil.
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