quarta-feira, 22 de agosto de 2018

10 ANOS SEM MESTRE SALU

Por Paulo Ricardo Mendes


Passarinho/Prefeitura de Olinda


“Papai era aquele cara que pensava e fazia”, afirma Cristiano Salustiano, um dos 15 filhos do saudoso Manuel Salustiano Soares ou como é mais conhecido, Mestre Salu. Cristiano refere-se à versatilidade do pai – músico, artesão, cantor e dançarino – e a herança cultural que deixou como legado para a família e para a cultura brasileira. Passados 10 anos de sua morte, são os familiares que dão continuidade à tradição e mantêm a Casa da Rabeca, em Olinda, sede de encontros de expressões populares criada por Salu.

De origem humilde, antes de ser conhecido como mestre, ele cortava cana nos engenhos de Aliança, na Zona da Mata Norte, para ajudar em casa. Depois vendeu picolé, foi gari e motorista de táxi quando veio se aventurar no Recife no desejo de viver do que sabia fazer de melhor: arte popular. “Meu avô tocava rabeca no cavalo marinho e papai tomou gosto pela coisa, então já sabia manusear alguns instrumentos. O motivo da vinda dele para a capital foi justamente porque queria ser reconhecido pelo seu trabalho artístico”, recorda-se Cristiano.

Não tardou muito para que, aos poucos, Salu fosse reconhecido pelo seu talento e com o passar dos anos agregasse outras manifestações populares, além da rabeca, no legado da família. O maracatu, a ciranda, o coco, o mamulengo e o cavalo marinho fizeram parte da vida do mestre. Salustiano foi considerado Patrimônio Vivo pelo Governo do Estado em 2005, e mesmo após ter falecido em 2008, os 11, dos 15 filhos, dão continuidade ao trabalho do pai em diferentes personagens dos folguedos, apesar de, no dia a dia, cada um exercer profissões diferentes.

Embora tenha aposentado as indumentárias do caboclo de lança e do arreiamá, por motivos de saúde, Cristiano Salustiano, por exemplo, continua participando do maracatu da família, o Piaba de Ouro, como tesoureiro, e integra a administração do espaço construído pelo pai, a Casa da Rabeca, onde acontecem apresentações culturais e de forró. Também imersa desde berço na tradição da família, Beatriz Salustiano (Bia), 15 anos, segue os passos do pai e irmãos. “Eu toco ganzá mineiro, instrumento musical de percussão, no grupo da família Rabeca Encantada, danço no cavalo marinho e no maracatu rural”, conta a caçula dos filhos.

“Essas brincadeiras têm um valor muito afetivo para a família”, emociona-se Cristiano. Entretanto, a falta de valorização é uma das preocupações dos filhos que reclamam da falta de incentivo de órgãos públicos para deixar a sede funcionando e da própria população local, que, segundo ele, não dá importância para esse tipo de tradição. “Costumo dizer que o povo de fora às vezes valoriza mais do que o da terra. No encontro de cavalo marinho, por exemplo, essa comparação é perceptível”, relata Salustiano.

Mesmo com dificuldades, os filhos continuam tocando o trabalho e perpetuando a tradição que começou com o pai de Salu e hoje já chega aos bisnetos. Cristiano lembra que quando o seu pai morreu, as pessoas achavam que a tradição também iria se esvair junto com ele. “Reunimos o máximo de filhos para dar continuidade ao que o Mestre Salustiano começou, porque não seria justo com ele e a cultura popular se nós deixássemos que isso morresse”, defende o filho.

O legado da família é tema do longa-metragem, dirigido por Tiago Leitão, da Opara Filmes, com apoio da Cepe (Companhia Editora de Pernambuco) e Fundarpe e previsão de estreia no segundo semestre. No documentário Salustianos o público poderá conferir a relação de Salu com os 11 filhos e a influência que teve na vida deles. “Ele é uma figura importante para a cultura pernambucana e sempre tive admiração pela sua história, então nada mais justo do que fazer essa homenagem”, justifica Leitão.

Neste ano, quando completa uma década de sua morte, a história de Salu também é lembrada na Fenearte com uma série de atividades e apresentações relacionada ao artista. Quem visitar a feira vai se deparar também com o acervo da família Salustiano: vestimentas, rabeca, estandartes, lanças. O arquiteto e curador do evento, Carlos Augusto Lira conta que o artesão sempre lhe trouxe muita curiosidade. “Ele é daqueles artistas que vão, mas a obra fica, porque ela é muito singular e sinto-me agraciado em desenvolvê-la na Fenearte, uma vez que têm muitos elementos para serem explorados”, diz Lira. O arquiteto acredita que o maior legado dele é o amor pelas brincadeiras que transferiu para os filhos e a visibilidade que Salu deu a elas.

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