segunda-feira, 31 de outubro de 2016

MORRE O VISIONÁRIO JOSÉ ROZENBLIT, FUNDADOR DA FÁBRICA DE DISCOS ROZENBLIT

Empresário chegou a manter no Recife a principal fábrica de discos fora do eixo Rio-São Paulo, aberta até meados dos anos 1980

Por Larissa Lins


José Rozenblit manteve a principal gravadora de discos fora do eixo Rio-São Paulo até meados dos anos 1980. Fotos: Heitor Cunha/Arquivo DP 


Morreu na noite deste sábado (29), aos 89 anos, o empresário José Rozenblit, fundador da Fábrica de Discos Rozenblit, uma das maiores fábricas de discos do país, fundada em 1954 no Recife. Ex-presidente do Sport Club do Recife, Rozenblit nasceu em família judaica tradicional da cidade e liderou com pioneirismo o mercado fonográfico nacional por anos. Um dos selos mais importantes de sua gravadora, o Mocambo, nome pelo qual a empresa ficou conhecida popularmente, registrou trabalhos simbólicos de ícones do frevo, como Capiba e Nelson Ferreira. Foi homenageado pelo Carnaval do Recife em 2003, e, há alguns anos, mantinha postura reservada e sofria complicações de um acidente vascular cerebral.

Para o historiador pernambucano Jacques Ribemboim, a importância de Rozenblit - cujo nome tem origem russa - para a cultura do estado vai além da música. Em Boa Vista, o berço das artes plásticas pernambucanas, Ribemboim cita a família Rozenblit, que residia no Centro do Recife, onde José Rozenblit viveu até o casamento, quando mudou-se para a Av. 17 de Agosto, em Casa Forte - endereço tombado hoje como referência da arquitetura modernista local. 

"Muitos artistas locais só conseguiram lançar seus discos no mercado graças à [Fábrica] Rozenblit. Mas o legado foi além. Ele promoveu artistas locais ao encarregá-los da concepção das capas desses discos. Entre os chamados 'capistas' da Rozenblit, se lançaram grandes artistas plásticos locais. Ele contratou, por exemplo, Wilton de Souza, hoje com 82 anos. Souza, junto com Lula Cardoso Ayres, que por sua vez não chegou a integrar o quadro de funcionários da fábrica, foi um dos principais precursores do design pernambucano. Um pioneiro", explica Ribemboim. A Rozenblit lançava os discos pelos selos Mocambo (regional), Passarela(coletâneas), Arquivo (coletâneas especiais), Artistas Unidos (artistas do Sul e Sudeste do Brasil) e Solar(música experimental).

O artista plástico Wilton de Souza, que fundou o Clube da Gravura e o Ateliê Coletivo em parceria com Abelardo da Hora, Gilvan Samico, José Cláudio e outros nomes das artes plásticas do estado, via em Rozenblit um incentivador. Foi, por muitos anos, encarregado de coordenar o departamento de artes da fábrica. "Perdemos um elemento de grande sensibilidade, não somente pela música, pela divulgação do nosso frevo, dos ritmos locais, mas pela arte de maneira geral", observa. Aos 82 anos, Souza se recorda do teste para trabalhar na Fábrica, um desenho que seria encartado em LP, e dos conselhos trocados com o empresário em relação à indústria da música e aos nomes dos discos prensados na Rozenblit. Em entrevista ao Viver, se emociona: "Falar sobre Rozenblit é, para mim, uma oportunidade de devolver um pouco do que ele me proporcionou", diz.

No documentário Rosa de sangue, com direção, roteiro e produção da jornalista e produtora cultural pernambucana Melina Hickson, a história da gravadora se revela em detalhes. Premiado com o 1º lugar de melhor documentário da XXV Jornada Internacional de Cinema da Bahia e 3º Lugar na categoria documental do VI Festival de vídeo de Teresina, em 1998, ano em que foi lançado, o filme reúne depoimentos de músicos locais e nomes ligados à indústria fonográfica, como Zé da Flauta, Lula Cortes e Zé Ramalho. Nele, é reforçado o valor histórico da Fábrica Rozenblit, naquela época o maior parque industrial fonográfico do país fora do eixo Rio-São Paulo.

"José Rozenblit foi um visionário. Ele estava recluso há muitos anos. Não falava à imprensa, o que reforça o valor documental de Rosa de sangue, para o qual ele abriu as portas por vários dias de registros e gravações", explica Melina. Ela aborda, nas filmagens, não somente as memórias da fase áurea da gravadora, mas também sua derrocada. "As cheias do Recife levaram muito material dele por água abaixo. Ele foi processado por muitos músicos, ficou muito abatido", conta a pernambucana. Por vezes, enchentes quase destruíram a empresa, causando enormes prejuízos a José Rozenblit, que optou pelo encerramento das atividades da fábrica em meados dos anos 1980. A situação era insustentável: praticamente todo o acervo de fitas matrizes havia sido perdido em sucessivas inundações nas décadas de 1960 e 1970.

Na internet, familiares compartilham o luto. "Tenho, na sua história de vida e de garra, elementos suficientes pra sentir um orgulho danado. Um avô que só me traz recordações incríveis dos fins de semana e das histórias que ele contava quando foi presidente do Sport. Fundador da Fábrica Rozenblit, ajudou muito a música pernambucana e nordestina. Orgulho!", publicou um dos netos no Facebook, Daniel Ribas Rozenblit.


>> DEPOIMENTOS

"Os irmãos Rozenblit, em especial José Rozenblit, iniciaram um trabalho no mercado fonográfico que foi, provavelmente, o mais importante para a música nordestina. Era para o Recife que convergiam todos os artistas nordestinos. Aqui, eles gravavam seu trabalho e Rozenblit os lançava para o país. Primeiro, na Rua da Aurora, prensaram os primeiros discos em 78 rotações. Depois, ele fundou e comandou a Fábrica Rozenblit, sempre com enorme disposição. Era um homem de Pernambuco, para Pernambuco e por Pernambuco. Contou com a colaboração preciosa de nomes como Expedito Baracho, Nelson Ferreira e Capiba. Com artistas locais, ele fez história na música regional. Brilhantemente. Resgatou tradições folclóricas do Norte e Nordeste, como as emboladas e o bumba meu boi. Coisas que o Sul e Sudeste não conheciam. Foi um homem que mereceu todos os aplausos. Ele enalteceu o Nordeste, abriu um mercado que resiste até hoje. Um grande industrial pernambucano." (Renato Phaelante, produtor, escritor e pesquisador fonográfico)


"Sou grata porque ele me abriu as portas pra a construção de Rosa de sangue. Além de visionário, ele era dinâmico. Os artistas chegavam à Fábrica com ideias e saiam com os discos debaixo do braço. Isso porque ele fazia questão de manter não somente a prensa, mas uma gráfica, com designers, e todas as etapas da cadeia produtiva de um álbum. Ele fazia o processo completo. Era algo impressionante." (Melina Hickson, produtora cultural e diretora e roteirista do documentário Rosa de sangue, dedicado à história da Fábrica Rozenblit)


"Trabalhei por quase dez anos com ele. Ainda me lembro de quando fiz uma prova a convite dele para ser desenhista da fábrica. Terminei sendo aprovado. O meu primeiro teste, o projeto de capa que eu fiz, foi impresso em LP e eu garanti meu emprego. Um momento inesquecível. Permaneci lá por quase dez anos. E ele foi, além de meu chefe, um grande amigo. Ele me chamava para ajudar a escolher títulos de discos. Eu recebi muita confiança da parte dele. Desenvolvemos grande amizade, que perdurou até hoje. Perco um grande amigo, um grande incentivador. Ele me permitiu coordenar o departamento de ambientação da loja. Eu também dirigi o departamento de arte e design da Fábrica, criei a Galeria de Arte Rozenblic, através da qual houve um grande movimento artístico, e ele sempre foi um grande apoiador da nossa cultura. Perdemos um elemento de grande sensibilidade, não somente pela música, pela divulgação do nosso frevo, dos ritmos locais, mas pela arte de maneira geral. Eu me emociono nesse momento. Falar sobre Rozenblit é, para mim, uma oportunidade de devolver um pouco do que ele me proporcionou. Da confiança dele, do carinho dele. Me emociono muito." (Wilton de Souza, artista plástico)

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