Unanimidade entre os fãs da música popular romântica, cantor e compositor citado e gravado por diversos cantores presentes nesta série, Bartô Galeno é tratado como rei por onde passa. Humilde, a voz macia e a cabeleira farta, é ainda um dos mais requisitados cantores de seu gênero, com uma agenda que pode chegar a cinco shows semanais. Aqui, acompanhado pela esposa Socorro, ao seu lado desde o início de sua carreira, Bartô fala sobre sucesso, bebida e uma possível - e sempre protelada – aposentadoria.
Sentando no camarim improvisado, Bartô Galeno não acreditava: eram 7h30 da manhã de um domingo e o Largo do Arouche, região central de São Paulo, concentrava uma multidão. Esta tinha um caráter universal particular: era formada pelos novinhos, os coroas, os de mãos dadas, os solteiros, os que haviam acabado de chegar, os que, latinha na mão e pouco sóbrios, passaram a noite à procura de algo que não sabiam identificar. Mulheres e homens chamavam por seu nome. Quando ele entrou, os cabelos em dramáticos cachos, veio o barulho: palmas, gritos, fotos, “Bartô!”, “Bartô!”. Era uma recepção e tanto, principalmente para um horário malvado daquele. O cantor, era verdade, estava acostumado a um público efusivo: trinta anos antes daquele 3 de abril de 2009, estava em um camarim improvisado no garimpo de Serra Pelada. Escutou os novinhos, os coroas, os vários solitários, todos homens e poucos sóbrios, as garrafas de cerveja na mão. Chamavam por seu nome. Palmas, gritos, “Bartô!”, “Bartô!” e tiros. Muitos tiros. Se assustou, a voz tremeu, se acalmou quando explicaram os disparos: “É porque gostam de você”. Era verdade: no fim do show, jogavam pepitas de ouro aos seus pés.
Das apresentações nos garimpos da selva amazonense (“era tanto nordestino ali isolado do resto do mundo”) até o show realizado na Virada Cultural paulistana, Bartô, nascido em 1950, 40 anos de carreira, esteve em frente a milhões de pessoas que o tratam como um rei. Modesto, nunca reclamou para si o título relacionado tanto àquele que é sua grande inspiração (Roberto Carlos) quanto a outro cantor que compartilha de sua seara musical (Reginaldo Rossi). Mas a coroa, note-se, não é necessária: um exemplo é que o cantor e compositor de Sousa, na Paraíba, foi constantemente citado tanto pelos artistas que aparecem nesta série quanto pelos fãs da música popular romântica do País. Bartô chama atenção por onde passa: foi assim no dia da entrevista para esta reportagem, marcada em um shopping center no bairro do Meireles, em Fortaleza. No jardim do restaurante no qual a foto que ilustra esta página foi feita, um grupo de garçons reuniu-se para ver o cantor posar acompanhado por uma fita cassete. Antes, quando se dirigia ao local, um relógio dourado no pulso, o blue jeans à 70, acenou para fãs nos corredores. Fotos e “Bartô! Bartô!”
Não é fácil precisar a afetividade instantânea que sentimos pelo cantor e compositor a partir de qualquer contato mais aproximado (em um show, em uma simples audição ou em uma entrevista de duas horas). Baixa estatura, magrinho, o cabelo meio RC nos anos Lady Laura, a voz amaciada e meio tremida, ele é dono de uma conhecida simplicidade. Personifica o cara boa-praça que assume o tom conciliatório quando os egos ficam mais alterados, o moço simpático que não precisa sorrir mais alto, nem falar por último, nem mostrar que é o mais sagaz do grupo. Simplificando: Bartô é gente boa. Um exemplo foi a postura do cantor durante esta conversa: várias de suas respostas foram interceptadas pela esposa, Socorro, com quem está casado desde 1975. Perguntou-se quando ele deixou a Paraíba para morar no Rio. “Ah, foi em 1969, no dia 2 de julho de 1969, eu...” “Ah, foi no dia em que a Apollo chegou à Lua... Ele sempre conta essa história.” O cantor sorri, toma outro gole de água e só responde: “É, foi, foi”. (A expressão em repeteco seria usada várias outras vezes nos momentos em que Socorro tomou a fala para si.)
Mas antes de o homem chegar à Lua e Bartô ao Rio, há, é claro, a gênese do mito: o filho de João de Deus e Carlota foi pequeno, 10 anos, morar em Mossoró, Rio Grande do Norte (terra fértil dos cantores da música popular romântica, como atesta esta própria série). A família, que passava por dificuldades financeiras, logo montou um tabuleiro de frutas em uma pequena feira local. Bastinho Silva, o futuro Galeno, ajudava a vender os produtos enquanto começava a tocar violão e a cantar. A voz agradava e chegou aos ouvidos de um locutor da Rádio Rural, Manuel, dono de um programa de auditório. Bastinho terminou lá no palco, aplaudido (começava ali sua relação de amor com o público). Aí veio 1969: enquanto a Ditadura Militar provocava dor e assombro para alguns e felicidade e segurança para outros, o rapaz vencia o concurso A Mais Bela Voz. O título foi a mola que o impulsionou para o Recife. “Fiquei por lá somente duas semanas.” Trabalhou em um restaurante, arrumou as malas, foi para São Paulo, se aquietou no Rio. Não foi uma chegada solitária, é verdade: quem estava por lá era Oséas Lopes, o futuro Carlos André (presente nesta série), que mais tarde viraria estrela com Se meu amor não chegar. Era, no entanto, já prestigiado por conta do Trio Mossoró – o grupo já havia encontrado o menino de Sousa em São Paulo, e foi lá que Bastinho morreu para dar vez a Bartô. “Isso não é nome de artista”, disseram. Na operação do rebatizado, o Bartolomeu tomou o rumo natural do Bartô, mas o sobrenome era um problema. Pensaram até em manter o Silva, mas era simplicidade demais para concorrer com os Adrianis e Sorianos do momento. Aí surgiu o Galeno, bom reforço para o desenvolvimento da gênese do mito.
No Rio, Bartô escreveu canções para nomes como Odair José e Genival Santos (o homem do Eu lhe peguei no flagra, presente nesta série), também para Carlos André e Fernando Mendes. Seu parceiro mais comum era Antônio Pires (irmão do cantor Roberto Müller, outro dos sete cantores de coração partido trazidos neste especial). Havia uma espécie de fraternidade entre os diversos cantores nordestinos que tentavam ocupar um espaço legítimo em meio a imensa produção fonográfica carioca. “Era tudo muito difícil, mas nós nos ajudávamos. Escrevíamos à mesa, saíamos para beber e compor”, lembra. Começou a ganhar dinheiro com a composição, mas não havia esquecido do título de Mais Bela Voz. Queria cantar. Como era comum na época, passou pelos programas de auditório, entre eles, é claro, o de Chacrinha. Bartô lembra-se bem da longa fila para o teste, no qual a triagem era baseada em um enorme pragmatismo: “Esse canta, esse não canta, esse só tem boniteza, bota ele pra cá”. Com a ajuda de Carlos André, que estava trabalhando na Copacabana, conseguiu ser apresentado aos produtores da gravadora Tapecar. Em 1975, gravou o LP Só lembranças, lançado no ano seguinte. O álbum, relançado em 1978, fez sucesso: Cadeira vazia e Amor vagabundo tornaram-se hits. Em 1977, veio Pelo menos uma palavra, que antecedeu aquele que seria o Sgt. pepper's, o Dark side of the moon de Bartô: o LP No toca-fitas do meu carro, cuja faixa-título o elevou para o panteão da música popular romântica nacional. A música, autobiográfica, foi inspirada nos momentos de solidão que o cantor passou enquanto dirigia seu Chevette, o primeiro carro que comprou na vida.
Sucesso
Bartô diz que praticamente sustentava toda a Tapecar com a venda dos seus discos – o sucesso fez com que o cantor passasse por gravadoras maiores, como a WEA, a Continental, a RGE (nos anos 90, ele também foi lançado pela recifense Polydisc). Vendas e cabeleiras fartas, ele manteve a mão no freio e não deixou o sucesso provocar abalroamentos: continuou a prezar pela própria humildade. Mantinha, também, o hábito de beber com os colegas cantores e compositores. Socorro, que compartilhava a entrevista e uma água mineral com o marido, conta que era uma época difícil. “Ele saía e não voltava, passava dias fora de casa.” Enfrentava, não em um Chevette, mas em casa, a solidão quando o marido saía em turnê. “Eu chorava, me sentia só.” Bartô, lembrando-se das farras e dos shows com os amigos, pensa alto o que talvez não devesse ser verbalizado: “Era tão bom...”
Hoje, com a saúde mais frágil, ele jura ter deixado a bebida para trás. Precisa de fato cuidar de si para dar conta da agenda apertada: há noites em que faz três shows. “Eu penso em parar, mas, quando acaba um mês, já tem outro todo lotado.” Geralmente, vende as apresentações em uma espécie de “pacote”: três shows comprados por determinado cliente saem por R$ 15 mil. Se for um show único, o preço é elevado. Apresenta-se bastante no Sudeste, onde vive (Rio de Janeiro).
Os shows são concorridos e é comum, segundo ele, encontrar jovens que estão o descobrindo agora. Os depoimentos dos novos fãs por vezes provocam o riso do cantor. “Eles dizem ‘meu pai, quando era vivo, gostava de você’, ou então ‘Ele não bebe mais, mas quando bebia, curtia muito seus discos’”, conta. Outra gafe comum – e que Bartô adora falar – é confundirem músicas populares de outros cantores como sendo dele. “Bartô, canta Fuscão preto, Bartô, canta no hospital, na sala de cirurgia.” Ri de novo. Pouco depois, quando lhe pedem para se enrolar na fita cassete que remete ao seu maior sucesso, ele se anima. Apesar de meio abatido (Bartô estava doente no dia da entrevista), apesar de estar há poucas horas de realizar mais um shows, ele passa quase uma hora posando para fotos. No final, enrola toda a fita magnética. “Vão precisar dela? Quero pra mim.” Levou a fita como uma espécie de suvenir de mais um dia de trabalho. Como se a celebridade, quem devesse ser cortejado e lembrado, não fosse ele.
“No toca-fita do meu carro? É a melhor que tem!”, diz o agente de saúde Antônio José de Melo, 61 anos, outro fã que conhece profundamente não apenas a obra de Bartô, mas de cantores também importantes como Waldick Soriano e Evaldo Freire. Sua iniciação começou em meados dos 70, quando começou a trabalhar na Fundação Nacional de Saúde (FNS). Visitava frequentemente povoados pouco urbanizados, sítios onde o consumo musical era pautado basicamente pelas canções dramáticas dos cantores populares. Passava dias nestes locais e, à noite, ia se divertir nos bares, onde a tríade cachaça, música romântica e dor de cotovelo predominava. Durante anos na estrada, Antônio terminou levando, à sua maneira, uma vida parecida com aquela experimentada por Bartô, este andando no Chevette particular, o outro, nos carros institucionais do Governo Federal. A convivência auditiva com os cantores tornou-se paixão e o agente de saúde iniciou a compra de vinis – tem alguns raríssimos, entre eles alguns do próprio Bartô. Vivendo há décadas em Carpina (Zona da Mata Norte), ele também passou a conferir, aos sábados, as apresentações que vários desses artistas realizavam no programa apresentado pelo radialista Paulo Marques. A compra de vinis virou um hábito.
Conhecido na cidade por seu enorme interesse nas canções românticas populares, Antônio chegou a receber em casa a visita do cantor José Ribeiro (presente nesta série), que estava na cidade para um show. Lamenta, no entanto, nunca ter visto uma apresentação de Bartô. “Ele não aparece por aqui. Se eu encontrasse ele, ia perguntar porque é que não grava mais”, diz.
Com o aparecimento do CD, passou a investir na mídia e deixou de ouvir seus discos de vinil (“É bom ouvir estes discos mais alto, e hoje tá mais difícil”). Também adquire coletâneas vendidas na rua, mais acessíveis. Como outros entrevistados, reclama tanto do preço dos CDs vendidos em lojas quanto da homogeneização da música popular atual. “É aquele bando de mulher gritando, ninguém sabe quem é quem.”
Contato para Shows
(21)8668-0623 - (21)2558-5191 - (91)8170-4640 (falar com Naldo Kleber)
Fonte: JC online
Fonte: JC online
0 comentários:
Postar um comentário