sábado, 10 de setembro de 2011

AINDA SELVAGEM? 25 ANOS DEPOIS...

Os Paralamas do Sucesso - Selvagem? (1986)
Por João Barone


“No final de 1985, estávamos ensaiando no apartamento da saudosa Vovó Ondina, local emblemático do começo dos Paralamas. Num intervalo, Herbert resolveu mostrar o esboço de uma nova composição, quando fez um preâmbulo sobre a estranheza que ela poderia causar. Sua expectativa era explicável. Ao longo desse ano movimentado, que começou com o Rock in Rio e terminava com uma turnê com até dois shows por noite, Herbert chamava para si toda a responsabilidade pelo que seria o próximo passo da banda. O cara do óculos vermelho de bermuda em breve se defrontaria com o desafio de superar suas marcas anteriores, começou a aguçar sua inspiração e por mãos à obra. Para ele, era preciso arriscar mais, fugir do óbvio. Para isso, até operou os olhos e se livrou dos óculos, sua marca registrada. No segundo LP, a banda criou e afirmou uma assinatura sonora. Mas, e agora? Isso lhe tirava o sono... Tanto que no final de outubro de 1985, quando tive um acidente de carro em Porto Alegre, Herbert sentiu-se culpado por desejar que algo extraordinário acontecesse para frear nossa agenda...

Foi assim que, durante um pequeno recesso em que eu estava de perna engessada (o que não nos impediu de participar de um show em homenagem aos 20 anos de carreira de Gilberto Gil mesmo assim!), Herbert começou a maturar algumas composições novas, inspiradas no mergulho profundo que fizemos no reggae e na música africana. Bi Ribeiro teve papel determinante nisso, pois comprava todos os discos de reggae e afro que podia, nos apresentando toda hora coisas interessantíssimas que iam além das obviedades, como Mutabaruka, Dr Alimantado, um tal de Yellow Man, Papa Wemba, Salif Keita, King Sunny Adé, para citar alguns poucos. Neste caldeirão também foram adicionadas doses de João Bosco, Gonzaguinha, Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy, Novos Baianos e Gil. Viajando tanto pelo Brasil, vimos e identificamos como a música negra havia se aclimatado aqui, especialmente na Bahia, e fizemos o que alguns críticos entendidos explicaram depois como uma “contra-diáspora negra”, até chegarmos em Londres, via Angola, com escala em Kingston. Para nós, descobrimos um Brasil brazuca, vira-lata. Caímos na real muito antes do Plano Real.

Quando Herbert fez suspense para mostrar pela primeira vez apenas com sua guitarra a melodia da canção que se tornaria conhecida como Alagados, não precisou de tantos volteios. O que gerou a tal estranheza foi a semelhança da música ainda sem letra com um samba-enredo. “E aí? Gostaram?”, perguntou Herbert. “Parece um samba!”, disse Bi, entreolhando para mim, quando exclamamos em uníssono: “Do caralho!”. Isso pareceu aliviar Herbert. O bom astral resultante desse primeiro momento evoluiu na forma de uma demo que Herbert gravou num porta-estúdio (na época, eram pequenos gravadores cassete de quatro canais), quando nos mostrou a canção bem perto do formato conhecido, já com a letra e uma beat box primitiva marcando o tempo. Dali a pouco, estaríamos entusiasmados com várias ideias de músicas que renderiam o repertório do próximo álbum, quando ainda tocávamos no apartamento da Vovó Ondina em Copacabana. Um fato marcante nesse momento foi uma foto que se destacava entre outras, colada na parede do quarto de ensaio, onde aparecia o irmão do Bi, Pedro, estilizado como um índio na frente de uma barraca num acampamento nos tempos de Brasília. Quase que complementando a estranheza que o novo repertório que estávamos compondo poderia causar aos diretores de nossa gravadora, que deveriam estar esperando por uma sequência de Óculos ou Meu Erro, Herbert olhou aquela foto um tanto engraçada e rindo, disparou: “Que tal a gente por ESSA foto na capa do próximo álbum?”. Deu no que deu.

No lado conceitual, estava pronto Selvagem?, que ainda recebeu um ponto de interrogação para tentar aumentar mais a estranheza de seu título. Na época, não planejamos um levante estético, estávamos apenas dando linha ao nosso ideal um tanto inconsequente de fazer o que nos dava na telha. Mas tínhamos noção do contraponto que escolhemos, frente ao modelo estético anglo-saxão tão usado pelos artistas de nossa geração e de algumas bandas que despontavam na época. Nos destacamos da paisagem, como se tivéssemos nos pintado de verde-limão florescente. No lado prático, quisemos nos garantir de que a aventura seria ao menos bem registrada: convidamos Liminha para produzir o álbum, ele ouviu as demos, gostou e topou trabalhar com a gente. Convidamos Gil para cantar em Alagados e ele ainda compôs A Novidade. No estúdio, gravamos usando a percussão de Marçal, Liminha tocou guitarras e teclados, usamos ecos e efeitos dub à la Lee Scratch Perry. Os vídeos de Roberto Berliner para Alagados e A Novidade terminaram de explicar tudo para quem ainda não havia entendido nossa proposta. Vinte e cinco anos depois, não mudaríamos uma nota de nada que foi feito.”

Faixas:
01 - Alagados (Herbert Vianna/ Bi Ribeiro/ João Barone)
02 - Teerã (Herbert Vianna/ Bi Ribeiro/ João Barone)
03 - A novidade (Herbert Vianna/ Bi Ribeiro/ João Barone e Gilberto Gil)
04 - Melô do Marinheiro (Bi Ribeiro e João Barone)
05 - Marujo Dub (Bi Ribeiro e João Barone)
06 - Selvagem (Herbert Vianna/ Bi Ribeiro/ João Barone)
07 - A dama e o vagabundo (Herbert Vianna e Bi Ribeiro)
08 - There's a party ((erbert Vianna)
09 - O homem (Herbert Vianna e Bi Ribeiro)
10 - Você (Tim Maia) - Gostava Tanto de Você (Edson Trindade)
11 - Teerã Dub (Herbert Vianna/ Bi Ribeiro/ João Barone)

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