quinta-feira, 12 de maio de 2011

RICARDO MACHADO - ENTREVISTA EXCLUSIVA

Ricardo Machado iniciou sua carreira no canto lírico e atualmente está na divulgação do seu terceiro álbum intitulado "A sombra confia ao vento", álbum este que faz uma verdadeira viagem dentro de nossa MPB percorrendo cerca de 150 anos de boa música.

Por Bruno Negromonte


Para quem é frequentador assíduo do Musicaria talvez lembre-se que o nome do carioca Ricardo Machado, protagonizou recentemente uma das matéria presentes aqui. A pauta foi intitulada de "A ODISSEIA MUSICAL DE RICARDO MACHADO" (http://musicariabrasil.blogspot.com/2011/04/odisseia-musical-de-ricardo-machado.html), onde resumidamente chegamos a apresentar o nome deste grande talento, mostrando um pouco de sua biografia e dando ênfase também ao seu mais recente trabalho intitulado "A sombra confia ao vento"; onde juntamente com o seu "xará" Ricardo (Calafate) faz um lírico passeio por mais de um século de nossa música popular brasileira.

Tendo a boa música em seu encalço desde a infância, na fase adulta não era de espantar a ninguém que ele enveredasse naturalmente para a música. Porém, o que o de fato o levou ao meio musical foram outros fatores que íam muito além de sua paixão por letras e canções, como vocês poderão observar ao longo desta entrevista exclusiva concedida por Ricardo para o nosso espaço. Divirtam-se!


O que percebe-se é que seus avós (dona Odette e senhor Affonso) foram bastante atuantes em sua vida musical. Você chegou a escrever inclusive que uma de suas mais constantes lembranças afetivas da infância está o canto deles; isso leva a crer que a música entrou em sua vida bastante cedo. Desta forma, gostaríamos de saber o seguinte: qual é a lembrança mais remota sobre a sua formação musical?

Ricardo Machado - Que prazer estar aqui no Musicaria Brasil. Realmente venho de uma família com muita musicalidade no cotidiano. O que mais me comove ao lembrar, de mais remoto, eram as tardes dominicais na casa de meus avós, ou em Praia Brava, litoral sul do Rio, aonde passava férias ou também no Rio, no bairro do Lins de Vasconcelos. Era uma alegria musical, um privilégio. Dormia ao som de meu avô ao violão, acordava com minha avó ao acordeom, curtia as tardes com minha mãe Lúcia, arriscando músicas ingênuas também ao violão; e volta e meia, meu pai, Adyl e meu irmão Rogério cantando algo à capela. Todos afinados! Pra quem gosta de música, era um prato mais do que cheio (Risos).



Quais as influências e referências musicais mais presentes em sua formação?

RM - Na verdade, não estudei canto oficialmente. Outro dia achei umas fitas cassetes (será que alguém ainda se lembra delas? (risos)), onde eu, com uns seis, sete anos, reproduzia jingles de comerciais da época. Foi hilariante ouvir aquilo. Notei que havia uma afinação legal, um respeito intuitivo às regras de tonalidade. Foi bacana. No canto popular, a primeira coisa que me chamou atenção, aos 5 anos, foi em uma das férias de fim de ano, ouvir uma moça, já famosa, mas pouco notada por mim até então, num “radinho” bem limitado, que me deixou em choque auditivo, no melhor dos sentidos: a música era “Teco-teco”, em 1975, com Gal Costa. Das vozes masculinas, Milton Nascimento é minha referência, com aquele timbre lindo.


Essas influências foram fator determinante para a sua decisão de entrar para o Coral Gama Filho?

RM - Não, realmente não. O que na verdade me influenciou foi um motivo totalmente fora do contexto musical: O bolso! A Gama Filho, proporcionava bolsa de estudos para quem entrasse para o Coral, e eu precisava dela, para aliviar minha mãe de uma mensalidade “estratosférica”. Mas não era “bagunça” não. Havia uma prova de canto para entrar, uma avaliação semestral de rendimento artístico e outra de rendimento acadêmico. Dependendo destes 3, sua bolsa, que no máximo chegava a 95%, era expedida. Fui fazer a prova, aos 17 anos, tenso, no meio de uma multidão de alunos desejando o mesmo, pois todos os cursos estavam ali, e o meu, odontologia, era caríssimo, e com meus pais separados, a grana andava curta. Acabei passando, num inacreditável (por mim mesmo) 2º lugar geral, dada minha tensão, ao interpretar o “Lundu da Marquesa de Santos” (composição do Heitor Villa-lobos em homenagem ao romance existente entre D. Pedro e a Marquesa). A música fora passada (um trecho grave e outro agudo) rapidamente ali na hora... Um pavor, meu claro...(risos). O maestro chamava individualmente e perguntava: "Vai fazer o agudo o ou grave?". Não pensei duas vezes, já que aos 17 anos, meus graves eram muito poucos, e respondi: "O agudo". Era um tenor!


De quanto tempo foi essa experiência no coral?


RM - Durante todo curso: Quatro anos. Gravávamos todo ano, especial de Roberto Carlos, e cantávamos erudito, popular, outros idiomas, óperas incríveis, réquiens emocionantes... Um verdadeiro aprendizado. O saudoso maestro Abelardo Magalhães, regente do Coral, me marcou muito com uma frase: "Cantem articulando, pronunciando bem as sílabas. Todos devem entender o que se canta". Assim como a professora do coral, Edênia, que me fez admirar o canto feminino, lírico, bem colocado e com um timbre cristalino. Só depois, comecei a apreciar o mito Bidu Sayão, por exemplo. Mas confesso não ser um profundo entendedor do clássico. Tenho noções.


O que se pode observar em sua discografia é a fusão entre o popular e aquilo que é chamado por erudito. Um exemplo dessa observação é a presença de um lado, de nomes como Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos; e de outro, nomes como Cartola e Paulinho da Viola. Você procura fazer essa dicotomia de maneira consciente ou pra você a música não tem rótulos?

RM - É consciente. O que muda, é a forma de cantar, de um para o outro. No popular, deve-se ser mais econômico, segurar os vibratos, a emissão e não esquecer que o ouvinte quer algo mais leve, não frio, compreenda-se bem. O erudito é volume (seguindo o regente e a partitura), vibrato, emoção, carga dramática. Acho exaustivo e admirável. Quando trago esta influência erudita, procuro sempre adaptá-la ao popular, com todo respeito a escola lírica, claro.


Quem ouve o seu trabalho observa que a busca pela excelência vocal é algo comum neles. Há algum cuidado específico ou técnica para manter esse lirismo e beleza estética em seu canto?

RM - Obrigado (risos). Me acho muito técnico, muito preocupado com cada sílaba. É um perigo, pois acaba-se colocando a emoção em segundo plano. Creio que só consegui unir os dois, de verdade, neste novo trabalho, "A sombra confia ao vento”. Mas minha cabeça não tem jeito. Canto pensando nas sílabas, como cada uma deve sair. Antes do coral, já era assim. Quanto a cuidados com a voz em si, acho que deveria ter sim. Sou meio desatento.



Em sua carreira discográfica o músico e produtor Ricardo Calafate se faz muito presente e atuante. Fale-nos um pouco sobre essa sua parceria que vem desde o seu primeiro álbum.

RM - O Ricardo Calafate é um mestre. Desde o início houve uma sintonia. Ele entende como quero cantar. É impressionante! Como pode um mestre do choro, profundo conhecedor de boa MPB que grava com tantos medalhões da música, compreender um cara, que ele pouco conhecia e nunca ouvira? É fantástico. Calafate é um grande músico, com Cds lindíssimos
gravados
e obrigatórios de se ter. Além de ser um grande incentivador do meu trabalho. Sabe que gosto de estúdio, da coisa da técnica. Um grande amigo, que posso dizer: daqueles que o tempo e a distância, não dizem “não”. Não dá pra esquecer de um cara que me ajudou muito neste projeto, também mencionado no cd: O jornalista-escritor, autor de um livro incrível, cujo título é “Fatal”, Jeocaz Lee-Meddi, que me sugeriu algumas músicas e foi incansável, tudo espontaneamente e por admirar nosso trabalho.



Por que a escolha deste título (A sombra confia ao vento) para o disco?

RM - É uma frase da canção “Melodia Sentimental”. Achamos, que tinha tudo com a aura do Cd, além de ter uma efeito muito bonito. Pode-se imaginar muita coisa com ela. Na canção ela tem um fraseado musical lindo... Me comove.



Uma característica dos dois primeiros álbuns gravados são as participações especiais de mulheres, nomes como Márcia Coelho e Ana Claudia Casaca estão presentes. Por que esta característica não esteve presente neste terceiro álbum?

RM - A Márcia e a Ana, foram integrantes do Coral da Gama-Filho comigo. Ouvia as duas cantando, só admirando... Sou tenor e elas soprano, portanto, ficávamos próximos (vozes agudas). São duas grandes vozes. Mas desta vez, resolvi radicalizar. Fazer um trabalho coeso. Música brasileira que me fosse ligada à memória afetiva pessoal, onde não cabia um convite. Tanto que gravamos tudo (as bases) em voz & violão, para o canto ficar o mais exigido técnica e emocionalmente possível, exigência minha, mais uma vez, compreendida pelo Calafate. Depois da voz definitiva, só com a viola, então, chamamos os músicos. Fizemos o caminho inverso. Mas o resultado foi o que esperava. Aliás, melhor do que eu esperava.


Djavan, em uma entrevista recente sobre o seu mais recente álbum, onde há apenas regravações, afirmou que achava a vida de intérprete era bem mais fácil que a de compositor; pois com as canções prontas, teoricamente a única preocupação era selecionar. Depois da gravação do disco mudou de ideia por achar complicadíssimo a escolha de um repertório diante da gama de opções existentes. Segundo ele, o critério adotado para a escolha das canções foram reminiscência diversas. No seu caso, como se deu a escolha de um repertório que abrange mais de 100 anos de música?

RM - Selecionar é muito difícil mesmo. Guardadas as devidas proporções, seria como o famoso drama, “ A escolha de Sofia”, decidir qual filho sobreviver. Doloroso!!! Minhas lembranças de infância foram fundamentais. Tive sugestões, num universo gigantesco de boas músicas, algumas acatadas com satisfação; mas, o que pesou mesmo, foi a vontade de fazer um trabalho honesto e com um som puro, na comovente ingenuidade musical brasileira, na sua brejeirice, no seu gingado, no seu balanço de variedades, tentando unir a emoção com a técnica, o que eu achava contraditório. Acho que valeu. O bom gosto dos arranjos do Ricardo Calafate, abriram caminho para tudo. Uma outra amiga do Coral, uma linda voz, a Andrea Borges, ao me contar que o Cd."A sombra confia ao vento", tinha emocionado uma platéia, numa palestra da qual foi orientadora, me deu a garantia de que meu objetivo tinha sido alcançado. Estou muito grato à esta repercussão positiva e ao apoio dos grandes músicos que me presentearam, de verdade, sabendo que era uma produção independente de um cara muito “tímido e abusado”, como me classifico (risos), porém apaixonado pela boa música e pelo canto.


Ricardo, o Musicaria Brasil agradece a essa receptividade e deixo esse espaço final para que você possa fazer as considerações cabíveis. Fique à vontade!


RM - Já acabou?Ahhh...Minha timidez estava até indo embora (risos). Quero agradecer, de coração, o espaço aqui no Musicaria Brasil. Uma grande honra ver meu trabalho elogiado e indicado. Aparecer aqui, junto destas feras, que são minhas referências musicais, é maravilhoso e me deixa incentivado, encorajado a tentar trazer mais trabalhos como este recente. Foi uma alegria e um prazer. Agradeço novamente. Um beijo no coração de todos!!

0 comentários:

LinkWithin