sábado, 14 de março de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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• CAPÍTULO3•
A ERA DO RÁDIO E DOS COMPOSITORES


As ondas sonoras Televisão, Internet, telefone celular – esta é sem dúvida a era da comunicação. Estamos nela. É difícil então para o homem do século XXI compreender o impacto do primeiro veículo de comunicação de massa do mundo, ainda na década de 1930: o rádio, que cumpriu um destacado papel social tanto na vida privada como na vida pública.
A primeira transmissão de rádio no Brasil ocorreu no centenário da Independência, em 1922, no Rio de Janeiro. Coube ao presidente Epitácio Pessoa, no dia 7 de setembro, fazer o discurso de inauguração da exposição comemorativa dos cem anos de Independência do Brasil, tornando-se o primeiro brasileiro a falar pelas ondas hertzianas.
Do antigo morro do Castelo, derrubado no boom de modernização da cidade, onde foram montados os diversos stands dos países convidados para o festejo, milhares de pessoas acompanhavam, pelos alto-falantes instalados na torre do serviço de meteorologia, na Ponta do Calabouço, e por mais 80 receptores cedidos a personalidades cariocas ou distribuídos em praças públicas de São Paulo, Niterói e Petrópolis, as óperas dos teatros Municipal e Lírico e as palestras educativas. O país mostrava-se próspero e moderno com a bem-sucedida montagem da megaexposição e com o surgimento do rádio – revolucionária novidade tecnológica.
O aparecimento do rádio mudou a relação dos indivíduos com a notícia, que passou a ser mais veloz e abrangente. Homens e mulheres, analfabetos e letrados, eram ouvintes das mesmas informações, compartilhando um repertório de questões a serem discutidas. O país ganhava mais uma fonte de integração nacional.
No começo, porém, o rádio ainda era muito precário. Só a partir da década de 1930 é que ganharia essa característica integradora. Antes disso os preços dos receptores eram altíssimos, e a verdade é que poucas pessoas podiam ter acesso à novidade. As notícias se propagavam nas freqüentes audições públicas, com alto-falantes em praças e ruas, onde todos ouviam as transmissões matutinas e vespertinas. Podemos fazer uma analogia com o que acontece hoje nas transmissões de jogos na TV por assinatura. Uma gama de torcedores que não têm acesso (financeiro) aos canais pagos assiste ao jogo no primeiro bar, quitanda ou padaria que encontra pela frente. À época, também era a narração de partidas de futebol que reunia a maior aglomeração de pessoas em torno dos alto-falantes.


Rádio estatus

A propaganda de um rádio da Westinghouse, publicada na revista Careta em 1937, mostra um modelo imponente, majestoso, em madeira de lei, conferindo status social a quem o possuísse. Como se fazia até pouco tempo com os programas televisivos, era comum família, amigos e vizinhos se reunirem em torno do rádio para acompanhar sua programação. O surgimento do radinho de pilha democratizou o entretenimento, que passou a ser ouvido em ambientes mais simples da sociedade – botequins, padarias, estádios de futebol e praças públicas. 
A falta de profissionalismo imperava nas emissoras. Os músicos não ganhavam cachê para se apresentar, não havia horários determinados para a programação, e era comum a emissora sair do ar por problemas técnicos; os apresentadores estavam começando, e não existia propaganda comercial, fato que acarretou a formação de sociedades para o custeio do equipamento e das programações. Os sócios pagavam mensalidades para manutenção das emissoras e emprestavam discos e equipamentos em troca de agradecimentos no ar.
Os primórdios da radiodifusão no Brasil foram orquestrados por educadores que viam no novo meio de comunicação a possibilidade de difundir conhecimento e cultura pelo país. O antropólogo Roquette-Pinto e o professor franco-brasileiro Henrique Morize criaram a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 20 de abril de 1923, dedicada a transmitir concertos, óperas, palestras e tudo que seus mentores achassem culturalmente relevante para o povo.
As chamadas “rádios educativas” estiveram ligadas à origem do rádio em todo o mundo. Dirigidas por iluministas, vistos como detentores do saber, elas desprezavam a utilização do veículo como meio de entretenimento. Esse elitismo dos pioneiros das ondas sonoras deveu-se, particularmente no Brasil, aos anseios para mudar uma sociedade recém-liberta da escravidão, erradicando o analfabetismo e a ignorância no país.
Ao fim da década de 1930, o rádio deixou de ser visto com estranheza pela sociedade e passou cada vez mais a fazer parte do dia-a-dia dos indivíduos. O fim do movimento tenentista e das freqüentes declarações de estado de sítio, a consolidação de Getúlio Vargas no poder, acarretando certa estabilidade política ao país, a democratização do acesso ao rádio, com a produção de pequenos aparelhos, e a profissionalização das emissoras, a partir da regulamentação dos reclames (propagandas), fizeram com que o invento do italiano Guglielmo Marconi (ou do padre brasileiro Landell de Moura, segundo alguns pesquisadores) perdesse o caráter elitista e educacional, cultivado por Roquette-Pinto e por segmentos da elite brasileira, em prol de uma programação baseada no entretenimento. Trocava-se o sisudo e formal “respeitável ouvinte” pelo íntimo e descontraído “amigos ouvintes”. A partir daí as rádios tornaram-se um fenômeno nacional, mas foi no eixo econômico e cultural do país, ou seja, Rio–São Paulo, que surgiram as principais emissoras.
Criada em 1936, no Rio de Janeiro, sob o signo da grandiosidade, a Rádio Nacional simbolizou um modelo de programação a ser seguido por todas as outras. Em seu primeiro ano de funcionamento já contava com um cast de artistas de primeiro naipe. Como muitas das novas rádios no Brasil, a Nacional pertencia a um grupo jornalístico ligado ao capital internacional.


Programa do Casé

Coube ao dinâmico pernambucano Ademar Casé (avô da apresentadora de TV Regina Casé) criar, na Rádio Philips do Brasil, o programa de maior audiência do país no início dos anos 1930. Com música popular e propaganda, o Programa do Casé arregimentou para seus microfones os principais anunciantes da época e montou um cast (elenco) dos mais respeitáveis da Era do Rádio. Um fato curioso ocorreu com um novo anunciante do programa. 
Consciente da importância da propaganda para a sobrevivência do rádio, Casé ficou muito preocupado quando soube o nome do produto de um laboratório farmacêutico paulista que já havia fechado contrato: Manon Purgativo. Casé passou o problema para o caricaturista e compositor Nássara, seu redator e locutor de anúncios. Nássara não perdeu a pose e escreveu o hilariante texto propagandístico: “Um casal de noivos brigou. E ele, arrependido, quis fazer as pazes e se aconselhou com a sogra, pois a noiva estava irredutível. Sugerido um presente, comprou-lhe jóias caríssimas. Não fez efeito. Deu-lhe um casaco de peles. Não fez efeito. Então, lembrou-se de dar a ela um vidro de Manon Purgativo... Ahhh! Fez efeito!!! Manon Purgativo, à venda em todas as farmácias e drogarias.”
Em 1940, a ditadura fascista de Getúlio Vargas incorporou a Rádio Nacional ao Estado Novo e fez com que ela passasse a ser controlada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Alguns anos depois, a Nacional tornou-se uma das cinco emissoras mais potentes do mundo, transmitindo programas em quatro idiomas para os Estados Unidos e países da Europa e da Ásia.
Ao lado da Nacional, a Tupi, a Tamoio e a Mayrink Veiga eram as que detinham o maior índice de audiência na Cidade Maravilhosa; em São Paulo, as rádios Record, São Paulo, Tupi e Excelsior eram os destaques; no Rio Grande do Sul, a Farroupilha e a Gaúcha, e, em Pernambuco, a Clube de Pernambuco e a Jornal do Comercio.
As rádios assumiram o papel que o outrora venturoso teatro de revista exercia no universo da produção artística no Brasil. Abrigaram, em seus inúmeros e diversificados programas, técnicos, instrumentistas, maestros, cantores, autores, apresentadores, atores dramáticos e de comédia e compositores. Os poetas da palavra cantada obtiveram na popularização das ondas sonoras o meio mais eficaz de divulgação de suas obras, desbancando para sempre o teatro de revista.


Alta popularidade

Para o amigo leitor ter uma ideia do poderio da Rádio Nacional, aí vai um relato do craque da pena Sérgio Cabral: “O programa esportivo No mundo da bola queria saber, em 1951, qual o craque de futebol preferido pelos ouvintes.
Estes deveriam dar o seu voto, escrevendo o nome do jogador predileto num envelope de Melhoral. Quando o número de envelopes chegou a 19.105.856, a empresa Sidney Ross, fabricante do Melhoral, pediu à emissora que encerrasse o concurso, pois suas máquinas não tinham condições de atender aos consumidores no ritmo em que o produto passou a ser vendido. O craque vencedor foi Ademir, do Vasco da Gama, com 5.309.953 votos. Até a eleição de Jânio Quadros para presidente da República, em 1960, o craque Ademir era o brasileiro que mais votos conquistara em nosso país.”




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