Por Joaquim Macedo Junior
Ave Sangria é o nome de um conjunto musical brasileiro de Rock Psicodélico, um dos principais expoentes da cena psicodelicapernambucana, dos anos 1970, junto com Alceu Valença, Flaviola e o Bando do Sol, Lula Côrtes, Alceu Valença, Flaviola e o Bando do Sol, Marconi Notari e Lailson.
Chamado inicialmente de Tamarineira Village, o grupo mudou de nome por sugestão de uma cigana que os integrantes conheceram no Interior da Paraíba.
Formado por Marco Polo (vocais), Ivson Wanderley (guitarra solo e violão), Paulo Raphael (guitarra base, sintetizador, violão, vocal), Almir de Oliveira (baixo), Israel Semente (bateria) e Agrício Noya (percussão), seu trabalho mais conhecido é o álbum Ave Sangria de 1974.
O grupo foi alvo da censura governo militar. A ilustração da capa do primeiro e único disco da banda sofreu modificações, sendo definida pelos integrantes como um “papagaio drag queen”.
Ave Sangria – “Lá Fora É”
O álbum de estréia da banda teve suas principais músicas compostas Marco Polo. Eles usavam batom, beijavam-se na boca em pleno palco, faziam uma música suja, com letras falando de piratas, moças mortas no cio.
E eram muito esquisitos; “frangos”, segundo uns, e uma ameaça às moças donzelas da cidade, conforme outros. Estes “maus elementos” faziam parte do Ave Sangria, ex-Tamarineira Village, banda que escandalizou a Recife de 1974, da mesma forma que os Rolling Stones a Londres de dez anos antes. Com efeito, ela era conhecida como os Stones do Nordeste.
“Isto era tudo parte da lenda em torno do Ave Sangria” – explica, 25 anos depois, Rafles, o ministro da informação do grupo. “O baton era mertiolate, que a gente usava para chocar. Não sei de onde surgiu esta história de beijo na boca, a única coisa diferente na turma eram os cabelos e as roupas.” Rafles por volta de 68, era o “pirado” de plantão do Recife. Entre suas maluquices está a de enviar, pelo correio, um reforçado baseado, em legítimo papel Colomy, para Paul McCartney. Meses depois, ele recebeu a resposta do Beatle: uma foto autografada como agradecimento.
Foi Rafles quem propôs o nome Tamarineira Village, quando o grupo tomou uma forma definitiva, com a entrada do cantor e letrista Marco Polo. Isto aconteceu depois da I Feira Experimental de Música de Fazenda Nova. Até então, sem nome definido, Almir Oliveira, Lula Martins, Disraeli, Bira, Aparício Meu Amor (sic), Rafles, Tadeu, e Ivson Wanderley eram apenas a banda de apoio de Laílson, hoje cartunista do DP.
Marco Polo, um ex-acadêmico de Direito, foi precoce integrante da geração 65 de poetas recifenses. Com 16 anos, atreveu-se a mostrar seus poemas a Ariano Suassuna e a Cesar Leal.
Foi aprovado pelos dois e lançou seu primeiro livro em 66. Em 69, iniciou-se no jornalismo, como repórter do Diário da Noite. Logo ganhou o mundo. Em 70, trabalhou por algum tempo no Jornal da Tarde, em São Paulo, mas logo virou hippie, trabalhando como artesão na desbundada praça General Osório, em Ipanema.
O primeiro show como Tamarineira Village foi o Fora da Paisagem, depois do festival de Fazenda Nova. Vieram mais dois outros shows, Corpo em Chamas e Concerto Marginal. A partir daí a banda amealhou um público fiel.
“Seu Valdir” – Marco Polo, com Mey Matogrosso
A mudança do nome aconteceu quando o grupo passou a ser convidado para apresentações em outros Estados. Os músicos cansaram-se de explicar o significado de Tamarineira Village. Aí veio a história da cigana: “Ela gostou de nossa música e fez um poema improvisado, referindo-se a nós como aves sangrias. Achamos legal. O sangria, pelo lado forte, sangüíneo, violento do Nordeste. O ave, pelo lado poético, símbolo da liberdade do nosso trabalho.
Na época, o som do Quinteto Violado era uma das sensações da MPB. Não tardou para as gravadoras mandarem olheiros ao Recife em busca de um novo quinteto. A RCA foi uma delas. O Ave Sangria foi sondado e recusou a proposta (a RCA contratou a Banda de Pau e Corda).
O disco viria com a indicação da banda, pelo empresário dos Novos Baianos, à Continental, a primeira gravadora a apostar no futuro do rock nacional. Antecipando a gozação por serem nordestinos, os integrantes da banda chegaram no estúdio Hawai, na Avenida Brasil, Rio, todos de peixeira na mão: “Falamos para o pessoal ter cuidado, porque a gente vinha da terra de Lampião”, relembra Almir Oliveira. Foi um dos poucos momentos de descontração ali, naquele momento. Com exceção de Marco Polo, nenhum dos integrantes conhecia o Rio e jamais haviam entrado num estúdio de gravação.
Ave Sangria – “Georgia, A Carniceira”
Como agravante, quem produziu o disco foi o pouco experiente Marcio Antonucci. Ex-ídolo da Jovem Guarda (formou a dupla Os Vips, com o irmão Ronaldo), Antonucci ficou perdido com o som que tinha em mãos, e o pôs a perder:
“Ele não entendeu nada daquela mistura de rock e música nordestina que a gente fazia, e deixou as sessões rolarem. O diabo é que a gente também não tinha a menor experiência de estúdio”, conta o guitarrista Paulo Rafael. Resultado: o disco acabou cheio de timbres acústicos. O Ave Sangria, involuntariamente, virou uma espécie de Quinteto Violado udigrudi. E adulterado não foi apenas o som. A gravadora não topou pagar pela arte da capa e colocou em seu lugar um arremedo do desenho original, assinado por Laílson.
O disco, mesmo pouco divulgado, conseguiu relativo sucesso no Sudeste, e vendeu bastante em alguns estados do Nordeste.
Uma das músicas que fizeram mais sucesso, e polêmica, foi o samba-choro Seu Waldir. “Seu Waldir o senhor/ Machucou meu coração/ Fazer isto comigo, seu Waldir/ Isto não se faz não… Eu quero ser o seu brinquedo favorito/ Seu apito/ Sua camisa de cetim…” Numa época em que a androginia tornava-se uma vertente da música pop.
Lá fora com o gliter rock de David Bowie, Gary Glitter e Roxy Music com Alice Cooper, aqui com o rebolado dos Secos & Molhados, ‘Seu Waldir’ foi considerado pelos moralistas pernambucanos como uma apologia ao homossexualismo, quando não passava de uma brincadeira do irreverente do Ave Sangria.
Seu Waldir por pouco não vira mito. Uns diziam que era um senhor que morava em Olinda, pelo qual o vocalista do Ave Sangria apaixonara-se. Outros, que se tratava de um jornalista homônimo. Enfim, acreditava-se que o tal Waldir era um personagem de carne e osso. Marco Polo esclarece a história do personagem “Eu fiz Seu Waldir, no Rio, antes de entrar na banda. Ela foi encomendada por Marília Pera para a trilha da peça A Vida Escrachada de Baby Stomponato, de Bráulio Pedroso, que acabou não aproveitando a música”.
O Departamento de Censura da Polícia Federal não levou fé nesta versão. Proibiu o LP e determinou seu recolhimento em todo território nacional. A proibição incitada, segundo os integrantes do Ave Sangria, pelo hoje colunista social do Diário de Pernambuco, João Alberto: “Ele tocava a música no programa de TV que ele apresentava e comentava que achava um absurdo, que uma música com uma letra daquelas não poderia tocar livremente nas rádios”, denuncia Rafles. Almir Oliveira diz que lembra dos comentários do jornalista na televisão: “Mas não atribuo diretamente a ele. Se não fosse ele, teria sido outra pessoa, a música era mesmo forte para a época”, ameniza. A proibição, segundo comentários da época, deveu-se a um general, incentivado pela indignação da esposa, que não simpatizou com a declaração de amor a seu Waldir.
O disco foi relançado sem a faixa maldita, mas aí o interesse da mídia pelo grupo já havia passado. A Globo, por exemplo, desistiu de veicular o clipe feito para o Fantástico, com a música Geórgia A Carniceira. O grupo perdeu o pique: “A gente era um bando de caras pobres, alguns já com filhos, a grana sempre curta. No aperto, chegamos até a gravar vinhetas para a TV Jornal (uma delas para o programa Jorge Chau)”, relembra Marco Polo.
Semana que vem tem mais!!!
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