Aos 80 anos, Getúlio Côrtes, que também tem músicas gravadas por vários outros nomes da MPB, faz releitura roqueira de 'Negro gato', seu maior hit
Por Mariana Peixoto
Compositor Getulio Côrtes ao lado dos músicos André Paixão, Marcelo Callado, Benjão e Melvin, com quem gravou 10 canções suas (foto: MARKÃO OLIVEIRA/DIVULGAÇÃO)
Ele é um negro de Madureira que nunca gostou de samba. “Nasci ao lado da Portela.´É aquela coisa: as pessoas associam negritude ao samba. Comecei na música influenciado pelos musicais da Metro Goldwyn Mayer, me empolguei com Gene Kelly e Fred Astaire. Mas queria mesmo era ser cantor de rock”, conta Getúlio Côrtes, de 80 anos.
Cantor ele não se tornou. Mas suas músicas são cantadas há mais de 50 anos. Exemplos: Negro gato, a mais conhecida, O sósia, O gênio, Eu só tenho um caminho, Noite de terror, Toque pra frente, Quase fui lhe procurar, entre outras. Treze canções de sua autoria foram gravadas por Roberto Carlos. Mas a lista de intérpretes é grande: Renato e seus Blue Caps (que o lançaram), Luiz Melodia, Marisa Monte, Titãs, Raul Seixas, Reginaldo Rossi, Toni Tornado, Leno & Lilian, Wanderléa, Erasmo Carlos.
Somente agora Getúlio está realizando o sonho de ser cantor de rock. As histórias de Getúlio Côrtes (Discobertas) reúne 10 canções primeiramente gravadas por terceiros. Negro gato, na versão de Getúlio, faz a versão de Roberto (1966) parecer uma canção de ninar. Guitarras distorcidas e uma interpretação rascante (a voz desmente a idade do compositor), a “versão do autor” pode embalar qualquer noitada de 2018.
O lançamento é obra do pesquisador Marcelo Fróes. Ele conta que, em janeiro de 2017, no aniversário de 70 anos de Jerry Adriani, falou sobre um disco com Getúlio. “Ele me disse: ‘Tem que fazer mesmo, pois ano que vem faço 80’”, relembra Fróes, que convidou André Paixão (o Nervoso, que integrou bandas como Acabou La Tequila e Autoramas, francamente inspiradas na Jovem Guarda) para dirigir o projeto.
Cantor Médio
Este, por seu lado, convocou músicos jovens da cena carioca para completar a banda: o baterista Marcelo Callado (Do Amor, Banda Cê, que acompanhou Caetano), o guitarrista Gustavo Benjão (Abayomi Afrobeat Orchestra) e o baixista Melvin (Carbona e Acabou La Tequila).
“O arranjo é totalmente diferente daquele som da Jovem Guarda. Achei mais rebuscado e ficou bonito. Mas me acho um cantor médio, desafino um pouco”, diz Getúlio. O show de lançamento será na quinta (29), no Rio.
Até conseguir emplacar suas músicas, Getúlio fez um pouco de tudo. Teve um grupo de dança, fez shows como dublador de Frank Sinatra, virou roadie de Renato e seus Blue Caps. Em início de carreira, pelos idos de 1962, o grupo não tinha um tostão. Getúlio trabalhava de graça.
Construiu um barracão no fundo da casa de sua família em Madureira para ter certa tranquilidade. Era nas madrugadas que tentava compor suas músicas. “Só que tinha um gato que perturbava toda noite, às 2 da manhã. Eu jogava pedra e ele não saía de lá, não me deixava dormir. Até que esse gato me deu uma ideia”, relembra Getúlio. Negro gato, cuja gravação inicial foi de Renato e seus Blue Caps, é inspirada em Three cool cats, da dupla Jerry Leiber e Mike Stoller.
Mas, a partir da hora que ganhou a voz de Roberto, a carreira de Getúlio deu um salto. “A primeira música que ele gravou minha foi Noite de terror. E foi uma surpresa depois, quando ele escolheu Negro gato, pois no disco de 1966 também tinha outra música minha, O gênio. Então fiquei com duas músicas no mesmo álbum do Roberto”, relembra.
Ele passou a compor de forma mais “esmerada” quando via a chance de Roberto gravar. “Em 1968, ouviu de RC: ‘Getúlio, não quero mais rockzinho, quero música de amor, de dor de cotovelo’. Fiz Quase fui lhe procurar, que ele adorou.”
Mas vieram outros compositores, e a parceria arrefeceu. “As pessoas só contam as vitórias, nunca as derrotas. Em 1995, a minha situação estava precária, a coisa (direitos autorais) tinha caído. Nessa época, Roberto estava em Nova York e viu num cruzamento uma pessoa muito parecida comigo. Ele estava com o (produtor) Mauro Motta, que contou que eu não estava muito bem, cheio de problemas”, relembra. “Quando a gente é jovem, faz muita besteira. Joguei dinheiro fora com carrão, joias. Meu pai tinha me alertado que eu tinha que comprar um imóvel.”
Pois, de acordo com Getúlio, Roberto decidiu ajudá-lo. Regravou Quase fui lhe procurar para seu álbum de 1995. “Ser gravado pelo Roberto era como ganhar numa mini-loteria. Tomei juízo e depois daquela época comprei meu apartamento”, conta.
AS HISTÓRIAS DE GETÚLIO CÔRTES
• Canções de Getúlio Côrtes
• Selo Discobertas
• Preço médio: R$ 21,90
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